O caso Galileu Galilei




Autor: Catolic Answers



É de crença popular que a Igreja Católica condenou Galileu por negar a visão geocêntrica (centrada na terra) em benefício da visão heliocêntrica (sol ao centro) do universo.


O caso Galileu, para muitos anti-católicos é a prova definitiva de que a Igreja abomina a ciência, recusa-se a abandonar ensinamentos ultrapassados e não é infalível. Para os católicos, o assunto é com freqüência um embaraço. Pois não deveria.


Este texto explica de maneira breve o que realmente aconteceu a Galileu Galilei.


ANTI-CIENTÍFICA?


A Igreja não é contra a ciência. Ela patrocinou a pesquisa científica por séculos. Na época de Galileu, os Jesuítas tinham um grupo de astrônomos e cientistas altamente respeitado em Roma. Além disso, muitos cientistas notáveis receberam apoio e patrocínio da Igreja de membros da Igreja. Muitos dos avanços científicos deste período foram feitos por religiosos como resultado de financiamento da Igreja.


Nicolau Copérnico (que era um sacerdote Católico), dedicou seu mais célebre trabalho, Sobre a revolução das orbes celestes, no qual propôs brilhantemente o heliocientrismo, ao Papa Paulo III. Copérnico confiou seu trabalho a Andreas Osiander, um clérigo luterano que sabia que a reação protestante seria negativa, já que Martinho Lutero parecia condenar a nova teoria, o que resultaria na condenação do livro. Osiander escreveu um prefácio para o livro no qual o heliocentrismo era apresentado apenas como uma teoria que permitisse calcular o movimento dos planetas de forma mais simples que o geocentrismo - o que não era a intenção de Copérnico.


Dez anos antes de Galileu, Johannes Kepler publicou um trabalho sobre heliocentrismo que expandiu o de Copérnico. Como resultado, Kepler também encontrou oposição entre seus colegas protestantes, embora tenha sido bem recebido entre alguns Jesuítas notórios por suas descobertas científicas.


TRADICIONALISMO?


Os anti-católicos gostam de citar Galileu como um exemplo de como a Igreja se recusa a abandonar ensinamentos ultrapassados ou incorretos, agarrando-se ao "tradicionalismo". O que eles não percebem é que os juízes do caso Galileu não eram as únicas pessoas a crer no geocentrismo na época. Essa era a opinião corrente na comunidade científica da época.


Séculos antes, Aristótoles refutou o heliocentrismo, e à época de Galileu, praticamente todos os principais pensadores endossavam a visão geocêntrica. Copérnico recusou-se a publicar sua teoria heliocêntrica por algum tempo, não por medo de ser censurado pela Igreja, mas de ser ridicularizado por seus colegas cientistas.


Muitas pessoas acreditam erroneamente que Galileu demonstrou cientificamente o heliocentrismo. Ele não pôde responder ao mais forte argumento contra ele na época, que havia sido feito há quase dois mil antes por Aristóteles: se o heliocentrismo fosse real, deveria ser possível observar diferenças de paralaxe (distância relativa) nas posições das estrelas conforme a terra se movesse em sua órbita (afastando-se de algumas estrelas e aproximando-se de outras). Nenhuma alteração nessas posições podia ser observada com o equipamento disponível na época. Seria preciso equipamentos de medição muito mais sensíveis para documentar a existência desses descios, devido à grande distância entre as estrelas. Até lá, a evidência astronômica disponível sugeria que as estrelas estavam fixas em suas distâncias relativas à Terra e que portanto a terra e as estrelas não se moviam no espaço - apenas o sol, a lua e os planetas.


Assim, Galileu não demonstrou sua teoria pelo método Aristotélico vigente no meio científico de sua época. Em sua Carta à Grã-Duquesa Cristina e outros documentos, Galileu alegava que a teoria Copernicana apresentava as "demonstrações sensíveis" necessárias à ciência aristotélica, mas a maioria dos cientistas sabia que essa demonstração não estava nem perto de ser apresentada. A grande parte dos astrônomos da época não estavam convencidos da grande distância da Terra às estrelas que a teoria de Copérnico necessitava para justificar a ausência de diferenças de paralaxe. Essa era uma dos principais motivos para o respeitado astrônomo Tycho Brahe recusar a adesão total às ideias de Copérnico.


Galileu poderia ter tranqüilamente proposto o heliocentrismo como uma teoria ou método para compreender mais facilmente o movimento dos planetas. Seus problemas começaram quando ele deixou de propô-lo como uma teoria científica e começou a apresentá-la como a verdade definitiva, apesar da falta de evidências para apoiá-lo. Mesmo assim, Galileu não teria tido problema algum caso houvesse escolhido manter o debate no campo da ciência em vez da teologia. Mas apesar dos conselhos dos amigos, ele insistiu em transformar o assunto em polêmica teológica.


Em 1614, Galileu sentiu-se obrigado a responder ao argumento de que sua "nova ciência" era contrária a algumas passagens das escrituras. Seus oponentes apontavam para passagens bíblicas como "e o sol permaneceu imóvel, e a lua não se moveu..." (Josué, 10:13). Essa não é uma ocorrência isolada. Os Salmos 93 e 104 e o Eclesiastes 1:5 também falam do movimento celestial e imobilidade terrena. Uma leitura literal dessas passagens deveria ser abandonada caso o heliocentrismo fosse adotado. Como disse S. Agostinho, "não está escrito: 'Eu vos enviarei o Paráclito que vos ensinará sobre a trajetória do sol e da lua'. Porque ele quis fazer de nós cristãos e não matemáticos". Seguindo o exemplo de S. Agostinho, Galileu aconselhou a cautela de não tomar esses textos bíblicos ao pé da letra.


Infelizmente, ao longo da história da Igreja sempre houve aqueles que insistiram em ler a Bíblia em um sentido mais literal do que a intenção do autor. Eles não percebem por exemplo, trechos em que a Escritura usa o que se chama de linguagem "fenomenológica" - isto é, uma linguagem de aparências. Da mesma forma em que hoje nós falamos em nascer e pôr do sol serem a causa do dia e da noite, em vez da rotação da terra, assim faziam os antigos. Do ponto de vista terreno, o sol parece nascer e parece se pôr,e a terra parece estar imóvel. Quando descrevemos essas coisas conforme suas aparências, usamos uma linguagem fenomenológica.


Essa linguagem fenomenológica referente aos movimentos dos céus e imobilidade terrena é óbvio a nós hoje, mas não era tanto nos séculos passados. Estudiosos das escrituras perguntavam-se quais trechos específicos deveriam ser tomados literalmente ou fenomenologicamente, mas não gostavam de que um leigo lhes ordenasse quais trechos da Sagrada Escritura devem ser entendidos de um modo ou de outro.


Durante este período, a interpretação pessoal das escrituras era um assunto delicado. Por volta de 1600, a Igreja havia recém passado pela experiência da Reforma, e uma das principais polêmicas com os Protestantes era acerca da interpretação pessoal da Bíblia.


Os teólogos não estavam preparados para considerar a teoria heliocêntrica do ponto de vista de um leigo. Mesmo assim Galileu insistia em levar o debate para o campo da teologia. Quase não há dúvidas de que se Galileu tivesse mantido o debate dentro dos limites aceitáves da astronomia (ou seja: prever os movimentos dos planetas) e não houvesse alegado a verdade física da teoria heliocêntrica, o assunto não teria tomado as proporções que tomou. Afinal, ele não havia demonstrado a teoria além de qualquer dúvida.


GALILEU VERSUS ROMA


Galileu veio a Roma ver o Papa Paulo V (1605-1621). O papa, cansado da controvérsia, delegou o assunto ao Santo Ofício, que publicou uma condenação da teoria de Galileu em 1616. As coisas aquietaram-se por um tempo, até que Galileu forçou um novo confronto.


A pedido de Galileu, o Cardeal Roberto Belarmino, um jesuíta - um dos mais importantes teólogos da época - emitiu um certificado de que embora Galileu estivesse proibido de sustentar ou defender publicamente sua teoria heliocêntrica, poderia continuar a conjecturá-la. Quando Galileu encontrou-se com o novo papa Urbano VIII em 1623, recebeu permissão de seu amigo de longa data para escrever um trabalho sobre o heliocentrismo, mas o pontífice advertiu-o a não advogar a nova posição, apenas apresentar argumentos pró e contra a idéia.


Galileu o fez usando uma forma cientificamente aceita na época: na forma de diálogo, onde através de um debate entre personagens fictícios o autor apresentava os argumentos e suas refutações. Um dos personagens era Simplício, uma caricatura de seus adversários. Galileu carregou nas tintas na criação do personagem, que era extremamente tolo e custava a compreender mesmo as idéias mais simples.


Quando Galileu escreveu seu Diálogo sobre dois sistemas de mundo, usou um argumento que o papa ofereceu e o colocou na boca do personagem Simplício. Talvez inadvertidademente, Galileu fez deboche público do papa, o que só poderia trazer conseqüências desastrosas. Urbano se sentiu humilhado e incrédulo por seu amigo fazer pouco dele em público. Galileu fez pouco justamente da pessoa que necessitava como benfeitor. Ele também rompeu com seus partidários jesuítas, atacando a um de seus astrônomos. O resultado foi o infame julgamento, ainda hoje apresentado como o divórcio definitivo entre ciência e religião.


TORTURADO POR SUAS CRENÇAS?


Ao final, Galileu retratou-se de seus ensinamentos heliocêntricos, mas não foi - como comumente suposto - sob tortura nem depois de uma dura pena no cárcere. Na verdade, Galileu foi tratado de modo surpreendentemente suave.


Conforme nota o historiador Giorgio de Santillana, que não é particularmente indulgente com a Igreja Católica, "Devemos admirar, antes de tudo, a cautela e os escrúpulos legais das autoridades romanas". Galileu recebeu todas as conveniências para tornar suportável sua prisão domiciliar.


Nicolini, embaixador da Toscana e amigo de Galileu, enviava relatórios regulares para sua corte relativos aos assuntos de Roma. Muitas de suas cartas tratavam da controvérsia envolvendo Galileu.


Nicolini revelou as circunstâncias a respeito da "prisão" de Galileu quando relatou ao rei toscano: "O papa me disse que favoreceu a Galileu como a nenhum outro antes" (carta de 16-fev-1633); "... ele tem um servo e todas as conveniências" (carta de 16-abr); e "a respeito da pessoa de Galileu, deveria ser encarcerado por um tempo por ter desobedecido as ordens de 1616, mas o papa diz que após a publicação da sentença considerará comigo o que pode ser feito para afligi-lo o mínimo possível" (carta, 18-jun).


Caso Galileu tivesse sido torturado, Nicolini teria relatado a seu rei. Embora a apresentação de instrumentos de tortura fizesse parte do costume do sistema legal vigente na Europa na época, definitivamente não foram usados.


Os registros demonstram que Galileu não poderia ter sido torturado devido aos regulamentos definidos pelo Diretório para Inquisidores (Nicholas Eymeric, 1595). Esse era o guia oficial do Santo Ofício, o órgão da Igreja responsável por lidar com esses assuntos, e foi seguido à letra.


Como comenou o notório cientista e filósofo Alfred North Whitehead, em uma época que viu um grande número de "bruxas" serem torturadas e queimadas pelos protestantes na Nova Inglaterra, "o pior que aconteceu ao homem da ciência foi Galileu ter sofrido uma honorável detenção e suave reprimenda". Mesmo assim, a Igreja hoje reconhece que a condenação a Galileu estava errada. O Vaticano, além de um pedido de desculpas, publicou dois selos de Galileu em retratação por seu tratamento.


INFALIBILIDADE


Embora três dos dez cardeais que julgaram Galileu tenham se recusado a assinar o veredito, seus trabalhos vieram a ser condenados. Anti-católicos geralmente argumentam que sua condenação e posterior reabilitação de alguma forma refutam a doutrina da infalibilidade papal, mas este não é o caso, pois o papa nunca tentou fazer julgamento infalível a respeito das idéias de Galileu.


A Igreja nunca alegou que tribunais ordinários, como o que julgou Galileu, possuem o carisma da infalibilidade. Os tribunais da Igreja possuem apenas autoridade judicial e disciplinar, nem suas decisões são infalíveis.


Nenhum concílio ecumênico reuniu-se tratando de Galileu, e o papa não estava no centro das discussões, que foram tratadas pelo Santo Ofício. Quando o San to Ofício terminou seus trabalhos, Urbano VIII ratificou seu veredicto, mas sem invocar o carisma da infalibilidade.


Três condições devem ser satisfeitas para o papa exercer o carisma da

infalibilidade: (1) deve pronunciar-se oficialmente em sua função de sucessor de S. Pedro, (2) deve tratar de um assunto de fé ou moral, E (3) deve definir solenemente a doutrina como sendo de crença obrigatória por todos os fiéis.


No caso de Galileu, a segunda e terceira condições não estavam presentes, e possivelmente nem a primeira. A teologia católica nunca alegou que a simples ratificação papal de um decreto de um tribunal seja um exercício do carisma da infalibilidade. É um argumento espúrio representar a Igreja Católica como tendo definido infalivelmente uma teoria científica que depois se mostrou falsa. O pior que pode ser dito é que a Igreja da época de Galileu publicou um decreto disciplinar não-infalível a respeito de um cientista que advogava uma teoria nova e ainda não demonstrada exigir da Igreja que mude sua interpretação da Bíblia para adaptar-se à sua.


É uma boa coisa que a Igreja não se apressou em abraçar as idéias de Galileu, porque no fim se descobriu que nem as idéias de seus oponentes estavam certas, e nem as dele. Galileu acreditava que o sol não apenas era o centro do sistema solar, mas de todo o universo. Hoje sabemos que o sol não é o centro do universo, mas que orbita o centro da galáxia em vez da terra.


Como a ciência recente mostrou, tanto Galileu como seus oponentes estavam um pouco certo e um pouco errados. Galileu acertou em defender a mobilidade da terra, e erro em defender a imobilidade do sol, e seus oponentes viced-versa.


Tivesse a Igreja Católica apressado-se em abraçar as idéias de Galileu - e não faltava na Igreja quem fosse favorável -a Igreja teria abraçado uma teoria que a ciência moderna rejeita.


NIHIL OBSTAT: Eu concluí que os materiais apresentados nesse trabalho são livres de erro doutrinal ou moral Bernadeane Carr, STL, Censor Librorum, August 10, 2004


IMPRIMATUR: de acordo com nº 827do C.I.C. 1983

A permissão para publicar esse trabalho é assim concedida. Robert H. Brom, Bishop of San Diego, August 10, 2004

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Fonte: http://www.catholic.com/library/Galileo_Controversy.asp

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Nihil Obstat e Imprimatur referem-se à versão original em inglês

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