A Eucaristia e o sacríficio


 

A Eucaristia e o sacríficio

Autor: José Haical Haddad


O SACRIFÍCIO


Todas as religiões giram em torno do sacrifício, cujo significado cada vez mais se afasta do original. É que, culturalmente, mudou tanto de sentido que não mais reflete a mesma realidade. Por causa disso, nem mesmo um dicionário atual registra aquilo que correspondia ao seu significado, principalmente entre os judeus ou israelitas. Pelo menos biblicamente tem um sentido bem mais profundo até mesmo que o, "a grosso modo" perceptível, sentido de "sacri-ficar" = "ficar-sagrado".


Quando Jesus a ele se referiu ou o insinuou, confundiu os chefes religiosos e os de seu povo, seja por ocasião da "expulsão dos vendilhões do Templo" (Jo 2,13-22), seja por ocasião do Anúncio da Eucaristia, ao dizer-se "comida" (Jo 6,50-52). No primeiro caso Jesus não tinha nenhum direito de fazer o que fez, eis que, não pertencendo à Tribo de Levi ou à Casa de Aarão, não era sacerdote e não lhe competia a administração do Templo. Além de tudo isso, aquela área fora destinada para o que lá se praticava, qual seja, a troca de moeda estrangeira e a venda de animais, para as oferendas, a fim de que os judeus e os da "diáspora" pudessem cumprir os seus votos e deveres religiosos. Em si, nada havia de errôneo no que lá se fazia e, por causa disso, em face de sua atitude, dois fatos acontecem. Primeiro, "os sacerdotes e escribas" perguntam a Jesus "com que autoridade fazia estas coisas" (Mt 21,23), e "que sinais lhes mostraria para assim agir" (Jo 2,18), e, por segundo, o Evangelista "recorda que os discípulos pensaram" que agia assim porque "o zelo pela casa de seu Pai o dominara" (Jo 2,17 / Sl 69,10). A resposta de Jesus foi por demais desconcertante, tanto que os seus discípulos só a compreenderam após a sua Ressurreição. Desafiara a "destruição do Templo e a sua reconstrução por Ele em três dias" ... "referindo-se ao seu próprio Corpo" (Jo 2,18-22), com o que iria se tornar o único sacrifício. Tornava-se assim tudo aquilo obsoleto, sem sentido e, então, "fazendo da Casa do Pai uma casa de comércio" (Jo 2,16), pela perda do objetivo a que se destinara. No segundo caso, ao dizer que "meu corpo é verdadeiramente comida", confunde os judeus de tal forma que, após dizerem "como pode este homem nos dar a sua carne para comer" (Jo 6,52), "o abandonam" (Jo 6,66).


O sacrifício tanto fazia parte da compreensão cultural israelita, que estava impregnado em seus hábitos ou costumes, até mesmo os especificamente não-religiosos. Mesmo quando participavam de uma refeição comum ou trivial, era-lhes necessário "derramar o sangue na terra" (Lv 17,13s; Dt 12,16.23), a abster-se do "impuro" (Lv 11,1) e a seguir determinadas normas de "purificação" (Mc 7,4), sem o que não deveriam tomar alimento. Percebe-se que toda refeição tinha algo de sagrado e a idéia de sacrifício era-lhe vinculada pelo comer que nela se pratica. O seu uso, mesmo ao tempo de Cristo, já era milenar, eis que a Bíblia, apesar de não informar a sua origem, relata ter sido ele a causa da desgraça de Caim, que matou Abel porque "Deus agradou-se da oferenda dele (em "sacrifício") e não da sua" (Gn 4,3-8). Relata também que Noé o ofereceu quando do término do Dilúvio (Gn 8,20) e, a partir de Abrão, desde a Promessa, registra o seu uso como forma de expressão da fé em Iahweh (Gn 12,7 e 12,8). Prossegue com a Aliança então contraída com Abraão, e com os demais Patriarcas Isaac e Jacó (Gn 17,4-14; 26,3-24; 28,13-15) que a ratificaram (Gn 12,7.8; 26,25; 28,17-22). E, em virtude dessa mesma Aliança, torna-se o centro gravitacional do culto. De Jacó adveio o povo israelita, formado pelas doze tribos oriundas de seus doze filhos. Moisés, descendente de um deles, da Tribo de Levi, confirma e repete essa Aliança, agora com todo o povo, no Monte Sinai, selando-a também com o sangue de um sacrifício (Ex 24,1-8).


O sacrifício torna-se essencial ao culto, para significar, realizar e atualizar a união de Iahweh-Deus com o Seu Povo pela Aliança. Após a Instituição da Páscoa (Ex 12), que era inicialmente uma comemoração familiar, institui-se o sacerdócio, indispensável para a celebração dele (Hb 8,3), separando-se para o seu exercício a Casa de Aarão (Ex 28-29), "figura" do que Cristo fará quando da Instituição da Eucaristia, na inauguração da Páscoa Cristã, instituindo os Apóstolos para que a celebrassem "em sua memória" (Lc 22,19-20 / 1Cor 11,23-25). O Sacerdócio Pleno da Casa de Aarão e o Auxiliar constituído pelo restante da mesma Tribo de Levi, completam a organização religiosa e de cúpula de Israel, e se tornam um centro de unidade de todo o Povo de Deus pela consagração, significação e difusão da santidade de Iahweh entre as demais tribos, por meio deles (Lv 21,8), medianeiros entre o Povo e Iahweh.


Em outra ocasião Jesus se refere ao sacrifício ao dizer que "é o altar que santifica a oferenda" (Mt 23,19). É que, desde o Sinai, o altar era "ungido", tal como os "sacerdotes", com o "Óleo da Unção" (Ex 30,25-30), preparado de acordo com normas do próprio Iahweh, em virtude do que "santificava tudo que o tocasse":


"Oferecerás pelo altar um sacrifício pelo pecado, quando fizeres por ele a expiação ("com sangue"), e o ungirás para consagrá-lo. (...); assim o altar será santíssimo e tudo que o tocar, será santificado" (Ex 29,36-37).


Um novo elemento aparece aqui, com o rito do sacrifício pelo pecado, a expiação, que tem como integrante essencial o sangue que expia (Lv 17,11), sem o qual não há remissão (Hb 9,22). Ao que se conclui que, pela unção sagrada se santifica o altar e o sacerdote, completando-se a eficácia do ato com o sangue do sacrifício pelo pecado (Lv 6,17-22 / Hb 9,22). E, a partir desta Aliança, organizou-se o ritual, sabendo-se que sem altar, sacerdote, sangue e vítima (= hóstia) não há sacrifício, nem se consegue a santificação (Hb 9,19-22), um de seus objetivos. Jesus resume tudo isso numa frase apenas.


Também, somente poderia participar do sacrifício quem estivesse em estado de pureza legal (Lv 7,20-21; 11,44-45) e de santidade. Caso algo as comprometesse, o israelita deveria purificar-se antes, conforme os rituais legais (Lv 11,25.28.32.40). No caso da santidade comprometida havia os sacrifícios para a remissão: o holocausto e o sacrifício de expiação ou de reparação ou pelo pecado. Têm em comum que o ofertante impunha as suas mãos na cabeça da vítima perfazendo assim a substituição dele por ela (Gn 22,13), e o sacerdote completava o ritual a partir do oferecimento do sangue (Lv 1,4-5). No holocausto a vítima (ou hóstia) era toda queimada, nenhuma de suas partes era comida por ninguém; já, nos sacrifícios pelo pecado, algumas partes eram comidas pelo sacerdote apenas (Lv 6,19-23), e outras queimadas, significando a "participação e satisfação" do próprio Deus (Lv 7,1-10 / Gn 15,17). Havia ainda o sacrifício de comunhão ou refeição sagrada, do qual todos "comem" (Lv 3,1-7), cada qual a sua parte: o ofertante e seus familiares ou amigos, o sacerdote e o próprio Deus, "aspirando a oferenda queimada em perfume de suave odor a Iahweh" (Lv 3,5):


"Iahweh falou a Moisés e disse: ‘Ordena aos filhos de Israel o seguinte: Tereis cuidado de me trazer no tempo determinado a minha oferenda, o meu manjar, na forma de oferenda queimada de perfume agradável" (Nm 28,1).


É São Paulo quem melhor nos esclarece do fundamento teológico de toda a instituição, ao dizer:


"Aqueles que comem as vítimas sacrificadas, não estão em comunhão com o altar?" (1Cor 10,16-18).


Deduz-se destas palavras que pelo sacrifício se estabelece íntima comunhão entre o Ofertante, o Altar e Deus, com a expiação do pecado pelo sangue. Assim, quando se fala em "altar", se fala em "vítima" e em "sacerdote"; quando se fala em "sacerdote" se fala em "Deus" e no "sangue que expia"; quando se fala em "sangue que expia" se fala em "vítima ou hóstia" de que se alimenta em comum e em "santificação"; e, quando se fala em "santificação", se fala em "comunhão" de pessoas, a partir da "comunhão" com "altar" formando-se uma "comunidade" de todos com "Deus".


Além da substituição há outra conotação cultural do sacrifício israelita que é necessário mencionar. É que não deixa de ser muito curiosa a distribuição das partes da vítima do sacrifício (a serem "comidas"), entre o ofertante, o sacerdote e Iahweh, com a queima do "pão de Deus" (Lv 21,8; Nm 28,1). Mesmo as oferendas ou dízimos estavam sujeitos a essa distribuição sacrificial, sendo entregues num ritual onde uma parte apenas era "comida":


"Em relação a Iahweh, vosso Deus... buscá-lo-eis somente no lugar... escolhido... para aí colocar o seu nome e fazê-lo habitar. Levareis para lá os vossos holocaustos e vossos sacrifícios, vossos dízimos e os dons de vossas mãos, vossos sacrifícios votivos e vossos sacrifícios espontâneos, os primogênitos de vossas vacas e das vossas ovelhas. E comereis lá, diante de Iahweh, vosso Deus,... vós e vossas famílias... (...). Não poderás comer em tuas cidades o dízimo do teu trigo, do teu vinho novo e do teu óleo, nem os primogênitos das tuas vacas e ovelhas, nem algo dos sacrifícios votivos que hajas prometido, ou dos sacrifícios espontâneos, ou ainda dons da tua mão. Tu os comerás diante de Iahweh, teu Deus, somente no lugar que Iahweh, teu Deus, houver escolhido, tu, teu filho, tua filha..." (Dt 12,4-18; leia-se ainda Dt 12,11-12; 14,22-26).


Da citação acima vê-se que somente no lugar indicado por Deus é que se podia comer os sacrifícios, incluído como um deles as oferendas constituídas pelos primogênitos do gado, pelas primícias das plantações, vinho, óleo, pão, pelos dons etc. É de se observar que as oferendas ou dízimos não podiam ser "totalmente comidos", mas apenas "uma parte deles", sabendo-se que pertenciam por direito aos sacerdotes (Nm 18,9.20.23-24). Fossem "todos comidos" nada se lhes entregaria. Somente "uma parte" era objeto da "santificação sacrificial", entregando-se o "todo" no Templo. Nessa perspectiva, é São Paulo quem esclarece da outra concepção vigente, fazendo com que se entenda melhor o alcance do sacrifício, qual seja a existência de uma solidariedade da parte com o todo, de modos que "à santificação da parte corresponde a santificação do todo":


"E se as primícias são santas, a massa também o será; e se as raízes são santas, os ramos também o serão" (Rm 11,16).


Fundamentou-se naturalmente no que se prescreveu a respeito das primícias da massa do primeiro pão a ser preparado em Israel, qual seja:


"Quando tiverdes entrado na terra para a qual eu vos conduzo, devereis oferecer uma oferenda a Iahweh, tão logo comais do pão dessa terra. Como primícias da vossa massa separareis um pão; fareis esta separação como aquela que se faz com a eira. Dareis a Iahweh uma oferenda do melhor das vossas massas" (Nm 15,18-21). "Cada dia de sábado serão colocados, permanentemente, diante de Iahweh. ...; pertencerão a Aarão e seus filhos, que os comerão no lugar santo, pois é coisa santíssima para ele, ..." (Lv 24,8-9).


A EUCARISTIA É "SACRIFÍCIO"


Viu-se que toda e qualquer oferenda se reduzia a um sacrifício, pelo qual se buscava a comunhão com Deus, significada pela manducação, por cada qual, da parte da vítima oferecida e em uma refeição sagrada. A manducação da parte traduzia a santificação e a comunhão estabelecida de toda a oferenda, dos participantes dela e do ofertante, e Iahweh-Deus.


Com base nessa comunhão é que os primeiros cristãos consideravam a Eucaristia um Sacrifício, tal como o próprio São Paulo o diz:


"Considerai o Israel segundo a carne. Aqueles que comem as carnes sacrificadas, não estão em comunhão com o altar? Que quero dizer com isto? Que a carne sacrificada aos ídolos seja alguma coisa? Ou que os ídolos mesmo sejam alguma coisa? Não! Mas aquilo que os gentios imolam, eles o imolam aos demônios, e não a Deus. Ora, não quero que entreis em comunhão com os demônios. Não podeis participar da mesa do Senhor e da mesa dos demônios" (1Cor 10,18-21).


Esta perícope não teria sentido não fosse a concepção sacrificial da Eucaristia ou Mesa do Senhor. É exatamente pelo fato da "comunhão com o altar", que se estabelece pela manducação da vítima nele santificada, que não se podia participar dos sacrifícios pagãos, como e onde se estabelece a "comunhão com os demônios", também pela manducação, fato incompatível com a "comunhão com o Senhor" no "sacrifício Eucarístico". E, não poderia ser de outra forma, eis que Jesus havia já dito:


"Eu sou o Pão Vivo descido do céu. Quem comer deste Pão viverá eternamente. O Pão que Eu darei é a minha carne para a vida do mundo" (...) Em verdade, em verdade, vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o meu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue é verdadeiramente uma bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou e eu vivo pelo Pai, também aquele que comer de mim viverá por mim. Este é o pão que desceu do céu. ...; quem come deste pão viverá para sempre" (Jo 6,51-58).


É necessário esclarecer aqui que os Evangelistas não se detiveram em explicar o que lhes era peculiar culturalmente. Assim, as características de um sacrifício não foram narradas, bem como o motivo pelo qual os ouvintes entenderam assim ou de outro modo, o anúncio que Jesus então fazia, eis que do conhecimento de todos o que escreviam.


Por outro lado, quando Ele diz "não tereis a vida em vós" remete a outro trecho onde anunciou que "Eu vim para que tenham a vida e a tenham em abundância" (Jo 10,10), tal como havia esclarecido: "..., mas é meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do céu; porque o pão de Deus é o pão que desce do céu e dá vida ao mundo" (Jo 6,32-33); e, confirmado, que "Eu sou o Pão vivo descido do céu", "quem comer deste pão viverá eternamente" e "o pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo" (Jo 6,51). Ao ouvirem Jesus afirmar que "se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o meu sangue não tereis a vida em vós", assustam-se. Compreenderam que Jesus anunciava que iria entregar a sua própria carne para ser "realmente comida" em um sacrifício, não tendo feito uso de metáfora ou símbolo ou muito menos de uma parábola. Assim o fizesse não o teriam abandonado (Jo 6,66). Os discípulos não o abandonam quando se dissera "luz" (Jo 8,12), "porta" (Jo 10,7), "a ressurreição e a vida" (Jo 11,25), "o caminho, a verdade e a vida" (Jo 14,6), "a verdadeira vide" (Jo 15,1), afastaram-se somente quando se disse "carne, comida". O motivo não pode ser outro que o de comunicar-lhes de que seria a vítima de um sacrifício. Foi essa idéia que não suportaram, abandonando-O. Apesar disso Jesus, desafiando os que lhe ficaram fiéis, pergunta-lhes "se também queriam ir embora" (Jo 6,67), como os outros fizeram, confirmando assim a exatidão da conclusão a que chegaram os dissidentes: - Jesus estava realmente anunciando o "próprio sacrifício". Os que "ficaram" também confirmam com sua resposta o que foi por todos entendido: "... Tens palavras de vida eterna e nós cremos e reconhecemos que és o Santo de Deus" (Jo 6,68-69). É que Jesus se disse "aquele que, em sendo comido no sacrifício, santifica", ou seja, "a vítima ou a hóstia", "o Santo de Deus"! Apesar da séria dificuldade ensejada, - pois perguntam: "a quem iremos?" (Jo 6,67), - creram em Jesus. Naturalmente não teria havido nenhum óbice, fosse uma ou outra figura de linguagem então usada.


São João Evangelista coloca, significativamente, o Anúncio da Eucaristia logo em seguida à Multiplicação dos Pães, após a qual ocorreu sério desencontro. Ora, os Evangelistas não escreveram nada à toa, nem a disposição dos assuntos foi aleatória, sem motivo. Assim, quando João registra que os opositores de Jesus o desafiaram com o Maná, indica o motivo, o teor e a evocação do debate, e qual o significado que a Multiplicação dos Pães adquiriu para os Apóstolos, tal como ensinado pelo próprio Jesus. É que, após o milagre, protestaram os dissidentes:


"...: Que sinal realizas, para que vejamos e creiamos em ti? Que obra fazes? Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: ‘Deu-lhes Pão do Céu a comer’ " (Jo 6,30-31).


Queriam dizer com isso que Moisés fizera muito maior milagre, alimentando o Povo de Deus no deserto, durante quarenta anos, do que "uma simples distribuição de pães e peixes para cinco mil pessoas", tal como acontecera ali. Jesus lhes dá a resposta e, como de seu costume, contesta-os doutrinando:


"Em verdade, em verdade, vos digo: não foi Moisés quem vos deu o Pão do Céu, mas é meu Pai quem vos dá o verdadeiro Pão do Céu; porque o PÃO DE DEUS é o Pão que desce do Céu e dá VIDA ao mundo" (Jo 6,32-33).


Assim Jesus identifica o VERDADEIRO PÃO DO CÉU como o PÃO DE DEUS, QUE DESCE DO CÉU E DÁ VIDA AO MUNDO, o que não deixa de ter referência clara com o Maná, agora aperfeiçoado pelo "pleno cumprimento" (Mt 5,17) que Ele próprio lhe imprime, por cujo meio DÁ VIDA AO MUNDO. O Maná, por si só, não possuía essa virtude vivificante, tendo sido dado para alimentá-los, tão somente, mesmo que material e espiritualmente, como resposta de Iahweh às murmurações do Povo de Israel:


"Antes fôssemos mortos pela mão de Iahweh na terra do Egito, quando (...) comíamos PÃO com fartura! (...) Iahweh disse a Moisés: ‘Eis que vos farei chover PÃO DO CÉU; sairá o povo e colherá a porção de cada dia..." (...) "Isto é o Pão que Iahweh vos dará para vosso alimento" (Ex 16,3-4.15).


"Todos comeram o mesmo alimento espiritual" (1Cor 10,3).


Assim, tal como o Maná é o PÃO DO CÉU e ALIMENTO, da mesma forma a vítima do sacrifício recebe a mesma denominação, tal como se vê na recomendação de Iahweh com respeito aos sacerdotes:


"Serão consagrados a seu Deus e não profanarão o nome do seu Deus, porque são eles que apresentam as oferendas queimadas a Iahweh, O PÃO DO SEU DEUS, e devem estar em estado de santidade. (...)


"Tu o tratarás como santo, pois oferece o PÃO DO TEU DEUS" (Lv 21,6-8).


Ora, quando se fala em "alimento e pão" se fala em "sacrifício ou refeição sagrada", donde se deduz a que Jesus também se refere ao mencionar o "PÃO DO CÉU OU PÃO DE DEUS", manifestando quem Deus daria para ser vítima para a vida do mundo, recordando-se da missão dos sacerdotes desde sua instituição, ainda no deserto, agora os substituindo (Hb 9,11-14). Pois, a vítima imolada num sacrifício (ou a "oferenda queimada a Iahweh") era considerada "Pão ou Alimento de Deus", aqui e em outros lugares (destacando-se: Lv 1,9; 3,3.11.16; 21,17.21; Nm 9,13;28,1). Também o Maná, da mesma forma que a Vítima dos Sacrifícios, era conhecido simplesmente por "PÃO DO CÉU" ou "ALIMENTO" (‘espiritual’, diz São Paulo), como nos textos acima transcritos. Não foi sem motivo que Jesus faz referências ao PÃO DE DEUS e ao PÃO DO CÉU (Jo 6,33.58), na discussão que travou, identificando-se com ambos e mostrando as diferenças "cumpridas" por Ele (Mt 5,17):


"Este é o PÃO QUE DESCEU DO CÉU, ELE NÃO É COMO O QUE OS PAIS COMERAM E PERECERAM; QUEM COME ESTE PÃO VIVERÁ PARA SEMPRE" (Jo 6,58).


Além disso, existem aspectos na narrativa da Multiplicação dos Pães em São João (6,1-15) que a tornam bem distinta da dos demais Evangelhos, seja situando-a "próxima à Páscoa, a festa dos judeus" (6,4), seja tratando os que se alimentavam como convivas de uma refeição, seja pelo debate ocorrido a respeito do Maná, seja pelo gesto de Jesus que, "tomando os pães, dá graças" (6,11), tal como na Instituição da Eucaristia (Lc 22,19 / 1Cor 11,24). Também, no que evidencia se tratar de um banquete ou de refeição sagrada, o "convite" que transparece quando Jesus diz "onde compraremos pão para alimentá-los" (6,5) e "fazei que se acomodem pelo chão" (6,10), numa acomodação para os "amesendados" (6,10.11 ), - ‘fala como um anfitrião’; na ação de graças peculiar a uma refeição comum ou sagrada ou ao sacrifício de comunhão; bem como, "no recolhimento dos doze cestos do que restou", por se tratar de "coisa santificada" (Ex 29,37 / Jo 6,12-13). Não há outro motivo para se recolher a sobra de uma refeição!


Por outro lado, João também relata que:


"Os judeus murmuravam, então, contra ele, porque dissera: ‘Eu sou o PÃO descido do céu" (Jo 6,41).


Fosse alguma figura de linguagem não haveria motivo para isso. "Murmuravam" porque a afirmação foi muito séria, Jesus se referia a si mesmo e eles o entenderam. Jesus nada corrige e ainda prossegue mais incisivo:


"Eu sou o PÃO VIVO DESCIDO DO CÉU. Quem comer deste PÃO viverá eternamente. O PÃO que eu DAREI é a minha carne para a VIDA DO MUNDO" (Jo 6,51).


Jesus usa o futuro "DAREI a minha carne para a vida do mundo", anunciando a futura doação, seja na Instituição da Eucaristia seja na Cruz, pelo que, da mesma forma, falando sempre numa concretização a se realizar, após a altercação novamente advinda (6,52), é mais incisivo:


"Em verdade, em verdade, vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue, verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou e eu vivo pelo Pai, também aquele que comer de mim viverá por mim" (Jo 6,53-57).


Neste ponto e ao finalizar o debate, diz especificamente e se identifica ao Maná, o Pão que desceu do Céu:


"Este é o PÃO que desceu do céu. Ele não é COMO O QUE os pais comeram e pereceram; QUEM COME ESTE PÃO VIVERÁ PARA SEMPRE" (Jo 6,58).


Quando João narra tal acontecimento com tantos detalhes e diz que "estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus" (6,4), relaciona-o diretamente com Ela. É que Jesus estava anunciando e começando então o que iria se "cumprir" nela. Só se pode concluir então que a Multiplicação dos Pães é o "Anúncio da Eucaristia", UM SACRIFÍCIO EM QUE A VÍTIMA "SERÁ" O PRÓPRIO JESUS.


A EUCARISTIA E A PÁSCOA


A Páscoa foi instituída quando e em comemoração da saída do Povo de Deus do Egito e deveria ser comemorada em família, como uma espécie de refeição sagrada, por ser uma festa e um sacrifício (Ex 12,25-28 / Nm 9,13), presidida pelo pai, que atuava como sacerdote. Posteriormente, com a centralização do culto, na reforma de Josias, passou a ser imolada no Templo pelo sacerdote, que derramava o sangue no altar, prosseguindo-se o cerimonial em família ou com amigos ou parentes, em outros lugares (Dt.16,5-7 / 2Cro 30,15-17; 35,10-14), assim vigorando ao tempo de Cristo. Algumas significações se incorporaram ao cerimonial tais como, dentre elas, além da de um banquete, a de libertação e a de Aliança. A libertação que impregna a celebração da Páscoa não se resume ao aspecto político, de um povo em busca de sua realização nacional, mas tem o sentido especificamente religioso que inaugura a formação do "Povo de Iahweh-Deus", a partir da Aliança com Abraão, conforme vários trechos:


"Eu farei de ti um grande povo..." (Gn 12,2). "... teus descendentes serão estrangeiros num país que não será o deles... (...) ... sairão com grandes bens" (Gn 15,13-14). "(‘Jacó’) Não temas descer ao Egito, porque lá eu farei de ti uma grande nação" (Gn 46,3). "Deus lembrou-se da sua Aliança com Abraão, Isaac e Jacó" (Ex 2,24)."Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito... (...) Por isso desci a fim de libertá-lo..., e para fazê-lo subir daquela terra para uma terra boa e espaçosa..." (Ex 3,7-8).


E, da mesma forma, como Moisés anuncia:


"Iahweh disse a Moisés: ‘Farei vir mais uma praga ainda contra o Faraó e contra o Egito. Então ele vos deixará partir (...) e ele até mesmo vos expulsará daqui. (...) Assim diz Iahweh: à meia-noite passarei pelo meio do Egito. E todo o primogênito morrerá na terra do Egito... Mas, entre todos os filhos de Israel, desde os homens até os animais, não se ouvirá o ganir de um cão, para que saibais que Iahweh fez uma distinção entre o Egito e Israel" (Ex 11,1-7).


E Deus institui a Páscoa:


"Este mês será para vós... o princípio dos meses... : Aos dez deste mês, cada um tomará para si um cordeiro por família, um cordeiro para cada casa... O cordeiro será macho, sem defeito e de um ano... (...). ...; e toda a assembléia da comunidade de Israel o imolará ao crepúsculo. Tomarão do seu SANGUE e pô-lo-ão sobre os dois marcos e a travessa da porta... (...). ...; o que, porém, ficar até pela manhã, queimá-lo-eis ao fogo. NÃO ("se lhe") QUEBRARÁ OSSO ALGUM (‘cfr. texto grego e Ex 12,46’). É assim que devereis comê-lo: com os lombos cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão; comê-lo-eis às pressas: é uma PÁSCOA para Iahweh. E naquela noite eu passarei pela terra do Egito e ferirei na terra do Egito todos os primogênitos, desde os homens até os animais; e eu, Iahweh, FAREI JUSTIÇA SOBRE TODOS OS DEUSES DO EGITO. O SANGUE, porém, será para vós um sinal nas casas em que estiverdes: quando eu vir o SANGUE, passarei adiante e não haverá entre vós o flagelo destruidor... Este será para vós um MEMORIAL e o celebrareis como uma festa para Iahweh; ... é um decreto perpétuo. (...). Quando vossos filhos vos perguntarem: ‘Que rito é este?’, respondereis: ‘É o SACRIFÍCIO DA PÁSCOA PARA IAHWEH que passou adiante das casas dos filhos de Israel no Egito, quando feriu os egípcios, mas LIVROU NOSSAS CASAS..." (Ex 12,2-28).


Mesmo que o texto nada diga, a instituição traz todos os integrantes de um sacrifício (a vítima imolada em oferenda a Iahweh, o sangue "derramado nas casas" como "vida" e proteção do Povo de Deus, a refeição sagrada compartilhada por familiares, a queima do que sobeja por ser "santo"), e possui duas características fundamentais: foi diretamente determinada pelo próprio Deus, para ser celebrada como um MEMORIAL e estava vinculada indestacavelmente à ALIANÇA pela libertação do Povo por Iahweh, "que se lembrou da sua ALIANÇA com Abraão, Isaac e Jacó" (Ex 2,24). Além disso, a expressão "Farei justiça sobre todos os deuses do Egito" e "a morte dos primogênitos do Egito" têm um significado profundamente religioso, a partir de uma instituição muito cara aos antigos: a PRIMOGENITURA, que, evidentemente, era estruturada com base nos primogênitos, na concepção deles, "aqueles que abrem o seio materno" (Ex 13,2) e se destinavam ao sacerdócio (Nm 3,45).


Era tão séria a instituição que, por não a respeitar, Caim teve sua oferenda rejeitada por Deus, que acolheu o sacrifício de Abel por ter oferecido "os primogênitos de seu rebanho" (Gn 4,4); na relação das genealogias só se mencionava o nome deles (Gn 5), e quando se mencionavam os outros nomes o deles era o primeiro (Gn 10); o desprezo de Esaú por ela (Gn 25,29-34) fê-lo perdê-la, ocasionando inimizade mortal entre ele e Jacó, que usurpou "sua bênção" (Gn 27), muito cobiçada, por sinal. A ameaça de Deus ao Faraó de eliminar todos eles do Egito (Ex 11,4-10) e o cumprimento dela ocasionou a expulsão dos israelitas pelo Faraó (Ex 12,31-33), terminando este por dizer: "...parti e abençoai a mim também" (12,32), por se submeter e se render ao poder de Deus que, ao mesmo tempo que eliminou os dos egípcios poupou os dos israelitas, vencendo e assim "fazendo justiça sobre os deuses do Egito". Em conseqüência, foram os dos israelitas oficialmente "consagrados a Iahweh, homens e animais; aqueles para seu serviço e estes para o sacrifício" (Ex 13). No deserto, quando da unificação do sacerdócio, todos os dos homens foram "substituídos", no sacerdócio que já exerciam, pelos Levitas (Nm 3,45 e 8,14-18). São eles (‘inexistia outra possibilidade’) os que são mencionados como "sacerdotes", antes da sua oficialização e unificação nos levitas (Ex 19,22.24) e os "jovens que ofereceram holocaustos e sacrifícios de comunhão" no Sinai (Ex 24,5), quando da ratificação da ALIANÇA:


"Moisés escreveu todas as palavras de Iahweh; e, levantando-se de manhã, construiu um altar... Depois enviou alguns jovens dos filhos de Israel, e ofereceram os seus holocaustos e imolaram a Iahweh novilhos como sacrifício de comunhão. Moisés tomou a metade do sangue e colocou-a em bacias, e espargiu a outra metade do sangue sobre o altar. Tomou o Livro da Aliança e leu para o Povo; e eles disseram: ‘Tudo o que Iahweh falou, nós o faremos e obedeceremos.’ Moisés tomou do 0SANGUE e o aspergiu sobre o Povo, e disse: ‘ESTE É O SANGUE DA ALIANÇA QUE IAHWEH FEZ CONVOSCO, através de todas essas cláusulas" (Ex 24,1-8)


Viu-se como entre os antigos os PRIMOGÊNITOS eram destinados ao exercício do sacerdócio, motivo da "justiça de Iahweh sobre os deuses do Egito". Com a morte deles estava destruída a religião egípcia, inexistindo o sacerdócio que era exercido por eles. A Páscoa então comemora também este fato que caracteriza a perenidade do sacerdócio israelita (Ex 19,6), e em conseqüência, a da Aliança:


"... Iahweh... lhe disse: ‘Assim dirás à Casa de Jacó... Vós mesmos vistes o que eu fiz aos egípcios... Agora, se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha Aliança, sereis para mim uma propriedade peculiar entre todos os povos, porque toda a terra é minha. Vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa. (...) Veio Moisés... expôs diante deles todas estas palavras que Iahweh lhe havia ordenado. Então todo o povo respondeu: ‘Tudo o que Iahweh disse, nós o faremos" (Ex 19,3-8). / "Tomou o Livro da Aliança e o leu para o povo; e eles disseram: ‘Tudo o que Iahweh falou, nós o faremos e obedeceremos.’ Moisés tomou do sangue e o aspergiu sobre o povo, e disse: ‘Este é o Sangue da Aliança que Iahweh fez convosco, através de todas essas cláusulas" (Ex 24,7-8).


Iahweh havia dito ao Faraó por meio de Moisés:


"Assim falou Iahweh: ‘o meu primogênito é Israel’. E eu te disse: ‘Faze partir meu filho, para que me sirva!’ Mas, uma vez que recusas deixá-lo partir, eis que farei perecer o teu filho primogênito" (Ex 4,22-23).


E é o próprio Jesus que ao instituir a Eucaristia, após o ritual da PÁSCOA DOS JUDEUS, vincula tudo isto ao que denominou Nova Aliança, institui o Sacerdócio dela e inclui o Memorial. É Ele que as relaciona, mostrando assim o "pleno cumprimento" (Mt 5,17) que Ele mesmo lhes imprimiu:


"Bebei dele todos, pois isto é o MEU SANGUE, O SANGUE DA ALIANÇA, que é derramado por muitos para a remissão dos pecados" (Mt 26,27-28; Mc 14,24; Lc 22,20; 1Cor 11,25).


"Este cálice é a NOVA ALIANÇA EM MEU SANGUE; todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em MEMÓRIA DE MIM" (1Cor 11,25).


É por isso tudo que São Paulo, São João e São Pedro têm condições para dar a Jesus o título de CORDEIRO identificando-O ao PASCOAL:


"Pois NOSSA PÁSCOA, Cristo, foi imolada" (1Cor 5,7).


Em São João é preciso combinar o brado de João Batista com a conclusão do Evangelista quando Jesus morre na Cruz, partindo-se da "figura" do cordeiro anunciado pelo Servo de Deus (Is 53,7.12), vai-se num "crescendo" até atingir a do Cordeiro Pascal na Cruz:


"No dia seguinte, ele (‘João Batista’) vê Jesus aproximar-se e diz: ‘Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo’ (Jo 1,29). "Ao ver Jesus que passava, disse: ‘Eis o Cordeiro de Deus’" (Jo 1,36).


"Chegando a Jesus e vendo-o já morto, não lhe quebraram as pernas (...), pois isto sucedeu para que se cumprisse a Escritura: ‘Nenhum osso lhe será quebrado’ (Jo 19,33-37).


E, em São Pedro:


"Pois sabeis que não foi com coisas perecíveis... que fostes resgatados da vida fútil que herdastes dos vossos pais, mas pelo SANGUE precioso de Cristo, como de um CORDEIRO sem defeitos e sem mácula..." (1Pe 1,18-19)


Para realçar esse fato, da identidade de Jesus como o Cordeiro Pascoal, é que os Evangelistas que narram a Instituição da Eucaristia, dispõem-na no mesmo dia da Sua Morte, levando-se em conta que o dia para o judeu começava à tarde e terminava na tarde seguinte. É o próprio Jesus que vinculou todas, - Páscoa e Aliança, Eucaristia e Morte na Cruz, - tornando-as inseparáveis:


Apesar de cada narrador pretender abordar um ângulo diferente, existem detalhes que lhes são comuns. Destaca-se, para o nosso exame, o Sangue da Aliança, em Mateus e Marcos, e a Nova Aliança em Meu Sangue, em Lucas e Paulo. Em si dizem a mesma coisa, eis que, em Mateus e Marcos, Jesus é apresentado como aquele que "não veio revogar a Lei e os Profetas, mas dar-lhes pleno cumprimento" (Mt 5,17), enquanto Lucas e Paulo, ao se referir à Nova Aliança, dizem o mesmo, naturalmente já se reportando às profecias, dentre as quais se destaca:


"Eis que virão dias - oráculo de Iahweh - em que selarei com a casa de Israel (e a casa de Judá) uma Nova Aliança. Não como a Aliança que selei com seus pais, no dia em que os tomei pela mão para fazê-los sair do Egito - minha Aliança que eles mesmos romperam, embora eu fosse o seu Senhor... Porque esta á a Aliança que selarei com a casa de Israel depois desses dias,... Eu porei a minha lei no seu seio e a escreverei em seu coração. Então eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. (...). Porque todos me conhecerão,(...), perdoarei a sua culpa e não me lembrarei mais de seu pecado" (Jr 31,31-34). "Selarei com eles um Aliança Eterna..." (Jr 31,39).


Ao que se percebe, a Nova Aliança já era um termo conhecido da Sagrada Escritura, com o que Cristo era familiarizado e pretendeu inaugurá-la durante aquela cerimônia e determinando a sua repetição. Também, vários outros Profetas referiram-se ao advento do Messianismo (Ez 16,62; 34,23s; 36,26s; 37,24.26-28 etc.) com tal anúncio, traduzindo a consolidação da Aliança com a expiação dos pecados e, dentre outros fatos, como que coroando sua obra, a vinda do Espírito Santo, tão bem revelado por São Pedro no dia de Pentecostes (At 2,16-21 / Jl, 3,1-5). Da mesma forma, confirmando o seu "cumprimento" em Cristo, "São Paulo" a ela se refere categoricamente:


"Eis por que Ele é mediador de uma Nova Aliança. A sua morte aconteceu para o resgate das transgressões cometidas no regime da Primeira Aliança; e, por isso, aqueles que são chamados recebem a herança ETERNA que foi prometida. (...) Ora, nem mesmo a Primeira Aliança foi inaugurada sem efusão de sangue. De fato, depois que Moisés proclamou a todo o povo cada mandamento da lei, ele tomou o sangue de novilhos e de bodes (...) e aspergiu o próprio livro e todo o povo, anunciando: Este é o Sangue da Aliança que Deus vos ordenou. Segundo a Lei, quase todas as coisas se purificam com sangue; e sem efusão de sangue não há remissão" (Hb 9,15-22).


Cristo, na Ceia Eucarística, confirmando o que anunciara na Multiplicação dos Pães, estabelece indissolúvel união dEla com o sangue derramado na Cruz e o sangue aspergido por Moisés no Sinai:


"Moisés tomou do sangue e o aspergiu sobre o povo, e disse: -‘Este é o SANGUE DA ALIANÇA que Iahweh fez convosco...’" (Ex 24,8).


É a esse Sangue da Aliança que Cristo se identifica, como Cordeiro Pascal, na Instituição da Eucaristia, tornando-o "o cálice da Nova Aliança em meu Sangue", tal como apresentam uniformemente Mateus e Marcos de um lado, Lucas e São Paulo de outro:


Para Mateus, Jesus deveria se identificar com Moisés, e assim, com "a Lei e os Profetas" (Mt 5,17), motivo por que o sangue deveria ser "derramado por muitos para a remissão dos pecados", lembrando os sacrifícios levíticos, bem como o da própria Páscoa após Josias, em que "sem efusão de sangue não há remissão" (Hb 9,22):


"Porque a vida da carne está no sangue. E este sangue eu vo-lo tenho dado para fazer o rito da expiação sobre o altar, pelas vossas vidas; pois é o sangue que faz expiação pela vida" (Lv 17,11 / Hb 9,22). / "O sacerdote fará por ele o rito da expiação diante de Iahweh, e ele será perdoado, qualquer que seja a ação que ocasionou a sua culpa" (Lv 5,26).


O derramar o sangue, a que Cristo em Mateus se refere, é o rito de expiação:


"Se a sua oferenda consistir em holocausto de animal grande, oferecerá um macho sem defeito... Porá a mão sobre a cabeça da vítima e esta será aceita para que se faça por ele o rito de expiação. Em seguida imolará o novilho diante de Iahweh, e os filhos de Aarão, os sacerdotes, oferecerão o sangue. Eles o derramarão ao redor sobre o altar..." (Lv 1,3-5.11-12).


Mas, esta expiação se dá na Cruz:


"..., se alguém pecar, temos como advogado, junto do Pai, Jesus Cristo, o justo. Ele é a vítima de expiação pelos nossos pecados..." (1Jo 2,1-2)."Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e enviou-nos o seu filho como vítima de expiação pelos nossos pecados" (1Jo 4,10)


São Paulo vai mais longe ainda, ao lhe dar a denominação de "propiciatório", no qual a aspersão do sangue traduzia o perdão dos pecados de toda a comunidade (Lv 16,14-22):


"Deus o destinou a ser o propiciatório, por seu próprio sangue, mediante a fé" (Rm 3,25).


Jesus ao dizer-se SANGUE E SANGUE DA ALIANÇA durante a cerimônia da Ceia Eucarística, antecipa a expiação do sacrifício da Cruz. Esse é o motivo que levou os Sinóticos a situá-los no mesmo dia, fazendo de ambos um só fato; e, São João, a aditar no seu Evangelho a menção de que ao pretenderem quebrar os ossos dos crucificados, não o fizeram com Jesus que já estava morto. Revela o Evangelista que se cumpria a prescrição referente ao Cordeiro Pascal, de que "nenhum osso lhe será quebrado" (Ex 12,46), e assim identifica-o com Jesus. Também, tão clara como a relação sacrificial, é a "memória" dessa vinculação indestacável ao Calvário:


Depois, tomou um cálice e dando graças deu-lho dizendo: ‘Bebei dele todos, pois ISTO É O MEU SANGUE, O SANGUE DA ALIANÇA, que é derramado por muitos para remissão dos pecados." "...fazei-o em memória de mim" (Mt 26,26-28/Mc 14,22-24/Lc 22,19-20/1Cor 11,23-25).


Além da relação sacrificial e de comunhão de uma refeição sagrada, e como bebendo o seu sangue recebe-se sua vida (Lv 17,11a), a EUCARISTIA É O SACRIFÍCIO PERFEITO DA NOVA ALIANÇA E FONTE DE VIDA, SACRAMENTO, FONTE DE SANTIFICAÇÃO, tal como dissera, "Eu vim para que tenham vida e a tenham em plenitude" (Jo 10,10).


A Eucaristia atualiza e realiza todos aqueles valores que em "figura" eram pertinentes à Páscoa dos Judeus, que pela Aliança libertou o Povo de Deus do Egito e o conduziu à Terra Prometida; e, agora, "se cumprindo" na Páscoa Cristã, pela Nova Aliança, liberta o Homem do pecado e o conduz à Vida Eterna.

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