Apologia a transubstanciação, desmentindo os protestantes

 


Apologia a transubstanciação, desmentindo os protestantes


Fonte: Lista de debate Veritatis Splendor

Autor: Ewerton Wagner Santos Caetano


Dizer que as definições dogmáticas são adições estranhas à fé cristã "primitiva" é uma acusação comum dos protestantes.


Tal acusação não é original. Ário, por exemplo, rejeitava a consubstancialidade do Filho e do Pai alegando que o termo "consubstancial" (homoousion) não podia ser encontrado nos escritos dos Padres antigos.


Do mesmo modo os protestantes criticam a transubstanciação. Confundem um termo novo com uma nova doutrina, esquecendo que, enquanto a expressão de uma verdade pode mudar, a verdade em si mesma sempre foi aceita por todos. Cada época possui sua própria linguagem, suas próprias dificuldades e equívocos. A Igreja de Cristo, em sua missão de ensinar os homens, deve fazer sua mensagem inteligível aos seus ouvintes. Ela faz uso de terminologia humana para esclarecer as verdades sobrenaturais que correm o risco de ser perdidas em um mar de sofismas, sem alterar uma vírgula da integridade do Sagrado Depósito que lhe foi confiado.


Quando não conseguem assimilar este princípio simples, muitos de fora da Igreja entendem errado as suas definições. Parece-lhes que as verdades reveladas sofreram acréscimos indevidos, ou que doutrinas foram arbitrariamente confinadas dentro de uma fórmula vazia.


O objetivo de todas as fórmulas de fé, no entanto, é preservar o sentido da mensagem original, combatendo expressões heréticas e imprecisas.


Vamos ver como isto aconteceu no caso da transubstanciação.


Comecemos com o testemunho das igrejas orientais, tão conservadoras na disciplina e no ritual, tenazes na defesa dos dogmas, embora separadas há quase mil anos da Sé de São Pedro. Na "Confissão Ortodoxa de Fé das Igrejas

Católicas e Apostólicas do Leste", do ano de 1643, lemos:


"Nosso Senhor também está presente na terra de modo sacramental pela transubstanciação (kata metousiosin), uma vez que a substância (ousia) do pão é mudada na substância de Seu Corpo Santo, e a substância do vinho na substância do Preciosíssimo Sangue" (Rev. J. H. Blunt's Dict. of Doctr. and Hist. Theol., 1871, p. 760).


Diz o Concílio de Belém, do ano 1672:


"após a consagração o pão e o vinho são transmutados, transubstanciados, convertidos, transformados (metaballesthai, metousiousthai, metapoieisthai, metarruthmizesthai), o pão no Corpo do Senhor que nasceu em Belém... e o vinho no Sangue que jorrou do Seu lado na Cruz". "Após a consagração... o próprio pão e o vinho não mais existem [ no original grego as palavras usadas são "as substâncias do pão e do vinho não mais existem"], mas o próprio Corpo e Sangue de Nosso Senhor sob as aparências de pão e vinho [o original grego acrescenta: "isto é, sob os acidentes (ta bebekota) de pão."]. "Quando usamos a palavra transubstanciação (metousiosis) de modo algum consideramos que ela explique o modo pelo qual o pão e o vinho são convertidos no Corpo e no Sangue do Senhor, pois isto é incompreensível... mas queremos dizer que o pão e o vinho são mudados no Corpo e no Sangue do Senhor, não figurativamente ou simbolicamente, nem por qualquer graça extraordinária que possa ser associada às substâncias de pão e vinho... mas... o pão se converte (ginetai) verdadeira e realmente e substancialmente no próprio e verdadeiro Corpo do Senhor, e o vinho no próprio e verdadeiro Sangue do Senhor" (Concílio de Belém, Can. xvii, cfr. V. Kimmel's Mon. Fid. Eccl. Orient., i, p. 458; Dr. J. M. Neale, Hist. of Eastern Church, General

Introd., ii, p. 1173).


A autoridade do Sínodo de Belém sobre a Igreja Russa foi posteriormente colocada em cheque. O testemunho do preboste Maltzen (tradutor para o alemão da Ata do Concílio) é importante.


"Não é permitido a uma igreja particular, como a Igreja Russa, afastar-se de qualquer ponto desta doutrina... a partir da doutrina que está contida nas Confissões oficiais da Igreja Oriental Ortodoxa inteira, cujo texto grego original é sancionado pela autoridade dos Santíssimos Patriarcas. As doutrinas ali contidas são, sem exceção, dogmas imutáveis do infalível magistério da Santa Igreja - daquele magistério que é inspirado pelo Espírito Santo e exercitado pela hierarquia divinamente instituída, e daquela Igreja que não pode enganar-se nem ser enganada. Com respeito a todos esses dogmas deve prevalecer entre todas as Igrejas Ortodoxas particulares um consenso absoluto, e qualquer distanciamento, mesmo pequeno, dessas Confissões - a Confessio Orthodoxa [de 1643]; os Decretos do Patriarca Ortodoxo [de Belém, em 1672], e o Catecismo Cristão Maior da Igreja Católica Oriental Ortodoxa [de 1868] deve ser considerado heresia" ("Bitt-, Dank-, und Weihe-Gottesdienste der Orthodox-Kathol. Kirche des Morgenlandes," p. ci. Dedicado a M. Probedonoszen, Procurador do Santo Sínodo).



Ninguém pode ter a ousadia de dizer que esta é uma doutrina nova e estranha da parte das Igrejas de Constantinopla e Moscou. O Oriente não pode ser acusado de introduzir novidades. O que a Igreja Oriental ensina hoje ela alega ter ensinado sempre, suas definições do século XVII contendo a mesma fé estabelecida nos Sete Concílios Ecumênicos do primeiro milênio. Sua doutrina é idêntica àquela definida em Trento.


Voltemo-nos agora para as Liturgias da Cristandade primitiva. Lex credendi:


lex orandi - A regra de fé é a regra da oração, especialmente da forma mais elevada de oração, a representação na terra do Sacrifício de nosso resgate, espelhando aqui embaixo a perfeita intercessão de Cristo na glória, o Cordeiro imolado desde a fundação do mundo.


Em todas as Liturgias mais antigas existe uma característica em comum: elas contém uma invocação do Espírito Santo implorando-lhe para que "mude e transforme por sua onipotência os dons apresentados, a fim de torná-los o

Corpo e o Sangue de Cristo". Para provar isto citamos as liturgias gótica, etíope, alexandrina, e aquelas de São João Crisóstomo e São Basílio:


1. Gótica: "Possa o Paráclito descer de modo que nós possamos receber o pão convertido por Teu poder, e no cálice participar da taça preenchida com o Sangue que jorrou de Teu lado na cruz."


2. Etíope: "Mostra Tua face sobre este Teu altar espiritual; abençoa, santifica e purifica [estas oblações]; e transforma este pão de modo que ele se torne Teu Corpo sem mancha,..."


3. Alexandrina: "Envia do Alto sobre nós e sobre estes pães e estes cálices Teu Santo Espírito. Que Ele possa consagrá-los e consumi-los como Deus Onipotente, e que Ele possa fazer [poiese] o pão o Corpo e o cálice o Sangue do Novo Testamento, dEle Nosso Senhor e Deus e Salvador e Rei Universal, Jesus Cristo".


4. São João Crisóstomo: "Abençoa, Senhor, o pão santo", diz o Diácono. Em seguida o sacerdote: "Fazei (poieson) este pão o venerável Corpo de Teu Cristo". O padre, após ter sido chamado pelo diácono para abençoar o vinho,

diz: "Fazei o que está contido neste cálice o venerável Sangue de Cristo". Então sobre ambas as espécies o padre diz: "Converte-as (metaballon) através do Teu Espírito Santo".


5. São Basílio: a mesma forma.


Temos menção da transubstanciação no sacramentário Gelasiano e no Missal Ambrosiano. O primeiro contém uma prece dita pelo bispo durante a ordenação dos padres - "que Tu possas mudar estes dons por suas bençãos no Corpo e no Sangue de Teu Filho Imaculado". O segundo pede "que este culto possa ser para nós uma Eucaristia legítima pela transformação do Corpo e do Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo".


Agora vamos aos Padres da Igreja. Duas considerações devem ser feitas antes de examinarmos a evidência patrística. A primeira é que não devemos procurar por expressões teológicas concisas e exatas, próprias de uma era posterior, naqueles que viveram nos felizes dias antes da heresia ter tornado a limitação na linguagem uma exigência. Polemistas precipitados, muitas vezes, esperam encontrar a mesma terminologia da escolástica nos escritos de Santo Ireneu, Santo Atanásio, São João Crisóstomo, São Cirilo de Jerusalém, São Basílio, Santo Ambrósio e Santo Agostinho. Tais polemistas, que aceitam facilmente as definições da consubstancialidade do Pai e do Filho, não encontrariam o termo "consubstancial" (homoousion) nas obras de São Justino Mártir ou de Tertuliano. Os dogmas da consubstancialidade do Pai e do Filho e da transubstanciação estão igualmente contidos na Revelação divina, mas foi necessário um Ário no século IV e os reformadores protestantes no século XVI para que fossem formulados o credo de Nicéia e a definição de Trento, com suas fórmulas claras e concisas. Tudo o que precisamos provar é que os Padres primitivos concordavam essencialmente e na prática com a doutrina tridentina, que estes Padres mantinham sempre como artigo de fé que não poderia ser negado a conversão substancial do pão e do vinho no Corpo e no Sangue do Senhor durante a consagração.


A segunda consideração que vamos fazer é parecida com a primeira. Não devemos nos surpreender se nos depararmos com palavras e frase que à primeira vista parecem contradizer, não somente a doutrina da

transubstanciação, mas mesmo a crença em qualquer presença real de Cristo no sacramento. Tais passagens devem ser interpretadas à luz de seu contexto, e em harmonia com a doutrina claramente ensinada em outras ocasiões, seja pelo Padre em questão, ou por outros com os quais ele viveu e morreu em comunhão.


Se nos recusarmos a reconciliar aparentes discrepâncias sobre a doutrina da Eucaristia deste modo, estamos escolhendo arbitrariamente um caminho diferente daquele adotado na consideração das dificuldades que alguns

escritos patrísticos apresentam em conexão com outras doutrinas reveladas. Por exemplo, Calvino alegava que em sua horrível doutrina da Predestinação havia sido precedido por Santo Agostinho; e Jansênio justificava sua

doutrina sobre a graça apelando para as obras do mesmo grande doutor da Igreja. Não temos, logicamente, o direito de esperar menos dificuldades ou aparentes discrepâncias no ensino dos Padres a respeito da presença

eucarística em relação a outras doutrinas como as que versam sobre a Trindade ou a graça.


Tendo em mente essas considerações, mostraremos aqui em detalhes que tanto no Oriente como no Ocidente, a crença em uma mudança substancial do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Cristo foi estabelecida pelos Padres de um modo que não deixa brechas para disputas. Primeiramente temos aquelas fórmulas gerais, repetidas muitas vezes, nas quais o pão e o vinho TORNAM-SE, SÃO MUDADOS, FEITOS, TRANSFORMADOS, PASSAM A SER, o Corpo de Cristo.


Por exemplo, São Cirilo de Alexandria:


"Mudando estas oferendas na verdade em sua própria carne" (In ep. ad Colosyrium).


Eusébio ensina que:


"o sacerdote muda (convertere) com secreto poder as criaturas visíveis na substância do Corpo e do Sangue de Cristo" (Hom. 5 de Pasch.).


São João Damasceno:


"O próprio pão e o próprio vinho são transformados no Corpo e no Sangue de Cristo" (De orth. fid., 1. 4, c. 4.).


Santo Ambrósio:


"Vós dizeis 'para mim é pão comum'; antes das palavras da consagração aquele pão é realmente pão; mas após a consagração do pão ele se torna a carne de Cristo" (De Sacr., iv. 4.).


Santo Ambrósio, como São João Crisóstomo e São Gregório de Nissa, usa a palavra "conversão" para indicar o efeito das palavras de consagração sobre as espécies. Tertuliano e Orígenes afirmam que o pão se torna (fieri) o Corpo Santo pela oração. Santo Agostinho diz a mesma coisa muitas vezes: "O Corpo e o Sangue são feitos (effici) pelo poder do Espírito Santo a partir da substância do pão e do vinho" (34 De Conscr., cap. Utrum sub figuri, etc., dist. 2). "O pão se muda (transire) na natureza do corpo do Senhor" (Id.). E São Cipriano e Gaudêncio afirmam, respectivamente, que "o pão [é] mudado (mutatus) não em figura (effigie) mas em natureza" (Serm. de Coena Dni.) e que "do pão é feito (effici) o Corpo, e do vinho o Sangue" (Tr. 3 in Exodo).


Além dessas expressões gerais implicando em uma mudança de substância, encontramos o ensinamento de que as palavras de consagração possuem efeito sobrenatural. A este propósito, diz Santo Ambrósio: "Se a eficácia das

palavras do Senhor Jesus é tão grande que coisas que não existem passam a existir, quão mais poderosas elas não são para sustentar no ser as coisas que existem, e mudá-las umas nas outras" (De Sacr., iv, 4). "Antes da

consagração", escreve Santo Agostinho, "os elementos são pão e vinho, produtos da natureza; mas após a consagração são o Corpo e o Sangue de Cristo, que a benção consagrou" (De Consecr., c. 41, dist. 2).


Os Padres fazem várias analogias para explicar, por vezes inadequadamente, a mudança milagrosa. Gaudêncio menciona a mudança das sementes no trigo, ou do mosto no vinho, e São João Damasceno, a mudança física pela qual o alimento se converte em carne e sangue humanos.


Também se apelam para os milagres para fortificar a crença na mudança sobrenatural que acontece na Eucaristia - por exemplo, São João Damasceno compara a transubstanciação com a criação: "Se a palavra do Senhor é viva e

operante (Hb 4,12); se o céu e a terra, água, fogo, ar, e todos os seus ornamentos - sem falar do mais nobre dos animais chamado homem - são aperfeiçoados pela palavra do Senhor... por que não seria o Senhor também poderoso o bastante para fazer do pão seu Corpo e do vinho seu Sangue?" (De. fid. orth., I, iv, c. 13).


O mesmo santo, e em seguida São Justino, em relação à Encarnação: "Se o próprio Verbo de Deus por sua própria vontade se fez homem, e assumiu a carne sem qualquer sêmen masculino.... do puríssimo sangue da Virgem... por

que agora indagas sobre como do pão se faz (fiat) o Corpo de Cristo? Eu respondo que o Espírito excede e realiza aquilo que ultrapassa as palavras e os pensamentos" (Ibid.). São Justino: "De fato, não tomamos essas coisas

como pão comum ou bebida ordinária, mas da maneira como Jesus Cristo, nosso Salvador, feito carne por força do Verbo de Deus, teve carne e sangue por nossa salvação, assim nos ensinou que, por virtude da oração ao Verbo que procede de Deus, o alimento sobre o qual foi dita a ação de graças - alimento com o qual, por transformação, se nutrem nosso sangue e nossa carne - é a Carne e o Sangue daquele mesmo Jesus encarnado" (Apol. i, 65).

São Cirilo de Jerusalém menciona o milagre de Caná: "Quando, portanto, ele pronunciou e disse do pão: isto é o meu Corpo, quem poderá negá-lo? E quando ele mesmo disse: isto é o meu Sangue, quem ousaria duvidar, dizendo que não era o seu Sangue? Ele mudou (transmutavit) a antiga água em vinho (que é como o sangue), em Caná da Galiléia, e nós julgaremos menos digno de fé que ele tenha mudado (transmutavit) o vinho em seu próprio Sangue?" (Catech. myst., iv, I, 2).


Acrescentamos mais algumas citações. Tertuliano: "Tomando o pão ele o fez seu Corpo" (Adv. Marc., iv, 40). Santo Ambrósio: "Antes da consagração, é chamado de outra coisa; após a consagração é chamado de Sangue, e tu dizes 'Amém', isto é, 'é verdade'" (De Sacr., iv, 4, cf. De consec., dist. 2). São Cirilo de Jerusalém: "Estamos completamente persuadidos de que o que parece pão, embora seja pão pelo gosto, é o Corpo de Cristo; e aquilo que parece vinho, não é vinho, embora o gosto seja de vinho, mas é o Sangue de Cristo" (Catech. myst., xxii, 9, cf. id., iv, 6). Teodoreto: "Se [o pão] é mudado através de uma maravilhosa operação, embora para nós pareça ainda pão... parece de fato pão para nós, mas de fato é (to onti) Carne" (Hom. in Matth., xxvi, 26). São Tiago de Sarug: "A partir do instante em que ele tomou o pão e disse que era o seu Corpo, já não era mais pão, mas seu Corpo" (Serm. 66, de Pass. Dni).


Contra esses testemunhos, tão claros e unânimes, da antiguidade da doutrina tridentina sobre a conversão eucarística após a consagração, é inútil tentar empregar outras passagens dos Padres em que se diz que a "natureza" ou "substância" do pão permanece após o advento da divina presença. Por exemplo, São João Crisóstomo: "Antes do pão ser consagrado nós o chamamos de pão; mas quando a graça divina o consagra, não é mais chamado pão, mas é considerado digno do nome de Corpo do Senhor, embora a natureza do pão permaneça" (In ep. ad Caesar: Cf. Gelasius Max. Bibl. Vet. Patr., vol. viii, Lugd. 1677; S. Ephrem. Antioch. apud Photii Bibl. Cod. 229. Theodoret, Dial., vol. iv, Hal. 1772; Facundus herm., L. ix, defens. 3, c, 5). Às vezes uma comparação é feita entre a mudança eucarística e as mudanças operadas nos outros sacramentos, como se estivessem no mesmo plano. São Cirilo de Jerusalém: "Pois assim como o pão eucarístico após a invocação do Espírito Santo não é mais pão comum, mas o Corpo de Cristo, assim o óleo de unção não é mais óleo comum, nem deve ser chamado de comum após a invocação, mas é a graça de Cristo e do Espírito Santo, dotada de poder especial pela presença

da divindade" (Catech. myst., 3, n. 3).


No primeiro caso, se supõe erroneamente que as palavras "natureza" e "substância", usadas pelos Padres séculos antes das heresias que obrigaram uma definição mais precisa na terminologia, tinham o mesmo sentido que lhes

era atribuído pelos padres tridentinos. Isto é comprovadamente falso. As palavras "substância" e "natureza" devem ser traduzidas, em termos tridentinos, por "espécies" ou "acidentes". Isto é evidente: (a) do contexto

das várias passagens, onde uma conversão (metabolen) do pão e do vinho no Corpo e no Sangue do Senhor é mencionada; (b) do fato de que os Padres constantemente e uniformemente falam de tal "natureza" e "substância" como símbolos ou sinais; (c) da observação bem conhecida de Leibnitz (grande pensador protestante) de que os Padres não usam esses termos para expressar noções metafísicas (In system. Theol., ed. 2, Raess et Weiss, Moguntiae, 1825, p. 220). (d) Da confissão dos Luteranos de Magdeburgo de que elas se opõem à sua doutrina e que sua leitura deve ser proibida (Centuria, vi, c. 10).


Deve-se acrescentar que certas passagens atribuídas a Teodoreto e a São Gelásio pelos detratores da transubstanciação são tidas como espúrias por muitos críticos competentes.


Com respeito à segunda dificuldade, aduzida do suposto paralelo entre a mudança eucarística e as mudanças nos outros sacramentos, o qual aparece em alguns escritos patrísticos - a distinção entre mudança acidental e mudança

substancial é sempre feita com clareza. Quando, por exemplo, os Padres dizem que o homem pela graça se transforma em anjo, não se tem em vista uma mudança substancial, em virtude da qual o homem deixa de ser homem, mas uma mudança acidental, pela qual o homem recebe certas qualidades angélicas, como pureza e espiritualidade.


São Cirilo, na passagem anteriormente citada, e outros Padres, deixam claro que eles tem em mente esta importante distinção. Eles são sempre cuidadosos em dizer que o termo ou objeto da mudança, quando a Eucaristia está em questão, é algo substancial - uma realidade inteiramente nova, nada menos que o Corpo de Cristo, enquanto o termo ou objeto da mudança nos outros sacramentos é algo acidental: uma propriedade pela qual eles cessam de ser elementos comuns e se tornam santos e veículos especiais da graça. Logo, quando São Cirilo diz na primeira parte da sentença: "O pão eucarístico após a invocação... não é mais pão comum mas o Corpo de Cristo", ele defende a idéia, de um modo tão claro quanto permite a linguagem, de mudança de uma realidade para outra - uma mudança, em outras palavras, substancial.


E quando ele acrescenta que "este santo óleo não é mais óleo comum, mas é a graça de Cristo e do Espírito, dotado de poder pela presença de sua divindade", ele não quer dizer que o óleo muda de natureza de modo a tornar-se, por exemplo, o Espírito Santo, mas somente que ele recebe uma nova perfeição - deixa de ser comum e se torna o canal de um dom sobrenatural, ou, em outras palavras, que acontece uma mudança acidental, não substancial (Cf. Hurter, Medul. Theol. Dogm., n. 1056, note I (d)).


Um terceiro ponto usado muitas vezes contra o argumento patrístico para a transubstanciação é que existem várias passagens nas quais os sagrados mistérios são chamados após a consagração de "pão" e "vinho". Esta objeção é

baseada num erro hermenêutico. É perfeitamente legítimo empregar tal linguajar hoje em dia, em meios católicos, o que não quer dizer que os católicos do presente não crêem na transubstanciação. A explicação é simples. Devemos lembrar que a Eucaristia é composta de duas partes - uma visível, que está dentro dos fenômenos e efeitos sensíveis (tamanho, cor, sabor, massa, resistência, valor nutritivo, etc.), e outra invisível, além dos confins da natureza e dos sentidos - a saber, o Corpo e o Sangue de Cristo; e uma vez que um objeto composto pode ser corretamente chamado por um de seus elementos, ou por ambos, logo encontramos nos escritos dos Padres, do mesmo modo que encontramos em manuais de devoção e nas páginas dos teólogos de hoje, o Sacramento do Altar designado ora como "pão", ora como "Corpo de Cristo", e às vezes como "Pão do Céu", "Sacramento do Corpo

de Cristo", etc. Portanto não é razoável alegar que, porque em algumas passagens os Padres falam da Eucaristia como "pão" ou como "tipo ou símbolo do Corpo de Cristo", os mesmos Padres negam que a substância do pão e do vinho é a substância do Corpo e do Sangue do Senhor.


Podemos concluir nossa jornada com a significativa confissão do escritor protestante Leibnitz: "Os antigos declararam de modo bem claro que o pão é mudado no Corpo de Cristo e o vinho em Seu Sangue; e aqui e ali, os Padres antigos reconheceram uma "metastoicheiosis", que os latinos traduziram corretamente como "transubstanciação" (Op. et loc. antea cit. Cf. Id., p. 224).


Escreve um escritor anglicano: "se condenarmos a definição tridentina [da transubstanciação]... devemos do mesmo modo condenar a definição de Nicéia, que foi expressa nos termos da filosofia daquele tempo, e a maior parte do símbolo de Santo Atanásio, que utiliza termos da metafísica de Boécio" (Rev. T. A. Lacey in Guardian, March 30, 1898).


A Igreja Católica não se separou da Tradição Apostólica em Nicéia por ter adotado o termo novo "homoousion",

que nenhum Padre mais antigo conhecia, e muito menos porque adotou o termo novo "transubstanciação", que os Apóstolos ignoravam. Ela simplesmente "encapsulou" sua doutrina em uma nova casca, ou, em linguagem mais fácil de entender, deu um novo nome a uma verdade muito antiga, mantida e ensinada desde o princípio.


O Papa Gelásio [492-496 d.C.] negava a transubstanciação? Eis a passagem relevante muitas vezes apresentada pelos críticos da fé católica:


A Sagrada Escritura, atestando que este mistério [a Encarnação] começou no início da bendita Conceição, afirma:


"A Sabedoria construiu para si uma casa" (Prov 9,1), enraizada na firmeza do Espírito septiforme. Esta Sabedoria nos ministra o alimento da Encarnação de Cristo através da qual somos feitos participantes da natureza divina. Certamente os sacramentos do Corpo e do Sangue de Cristo que recebemos são uma realidade divina, pela

qual e através da qual somos feitos participantes da natureza divina (1Pd 1,4). A despeito disso, a substância ou natureza do pão e do vinho não deixam de existir. E certamente a imagem e semelhança do Corpo e do Sangue

de Cristo são celebradas na realização dos mistérios" (Tratado sobre as duas naturezas contra Eutiques e Nestório).


Primeiramente deve-se notar que o Papa Gelásio afirma com todas as letras a presença real de Cristo na Eucaristia.


Por outro lado, sua principal preocupação era defender a doutrina sobre as duas naturezas (humana e divina) de Cristo, não o tipo de presença eucarística. Não se deve ler a declaração imprecisa gelasiana como definição

infalível (entra aí o velho erro protestante de achar que a infalibilidade papal se aplica a cada palavra e ato do Papa).


São Gelásio não estava muito preocupado em esclarecer seu entendimento da Eucaristia enquanto explicava o mistério da Encarnação.


Naquela época a Igreja enfrentava várias heresias cristológicas que negavam as duas naturezas, as duas vontades, e a "unipessoalidade" de Cristo.


Naquele momento, o mistério da Eucaristia não era alvo de dúvidas, de modo que o Papa não precisava se expressar com rigor a respeito. A Igreja levaria ainda algum tempo para desenvolver uma linguagem apropriada para expressar esta e outras verdades de fé.


Na melhor das hipóteses, o Papa Gelásio estava simplesmente dizendo que as aparências (natureza = acidentes) de pão/vinho permanecem juntamente com a presença real, numa tentativa de explicar o mistério da Encarnação, uma vez que a humanidade de Cristo vela a sua divindade. Mesmo esta analogia possui suas deficiências. Na pior das hipóteses, o Papa Gelásio estava simplesmente errado em sua teologia eucarística. É provável que um meio termo esteja mais próximo da verdade. Talvez o Papa Gelásio quisesse explicar a Encarnação por meio de uma analogia (e analogias, bem se sabe, são imperfeitas) usando um vocabulário teológico limitado, que não lhe permitia expressar o mistério eucarístico com maior rigor.


Cita-se ainda que o Papa São Gelásio II (1118-1119) escreveu: "Na eucaristia a natureza do pão e do vinho não cessam de existir e ordenava as igrejas que servissem aos fiéis o vinho e não somente o pão."


A primeira parte da sentença é extremamente semelhante ao que disse São Gelásio I, o que nos faz pensar numa interpolação feita pela fonte de segunda mão da qual foi extraída (fonte que Franck Lenzi não revelou). Mesmo

assim, admitindo que o Papa Gelásio II realmente usou tais termos, não se poderia atribuir infalibilidade a estas declarações, uma vez que a infalibilidade exige condições especiais que no caso não são satisfeitas.


Sobre a disciplina eclesiástica da comunhão sob uma ou duas espécies, conforme a necessidade, uma disciplina pode ser relaxada ou modificada. Um Papa determinar que se deve comungar sob duas espécies não permite deduzir que a comunhão sob uma espécie é ilícita, do mesmo modo que uma lei de trânsito que obriga os motoristas a ultrapassarem pela faixa da direita não permite deduzir a impossibilidade de uma outra lei segundo a qual os motoristas podem ultrapassar somente pela esquerda, ou a impossibilidade de uma outra lei que obrigue a ultrapassagem pela direita com exceções, ou vice-versa.


Santo Agostinho escreveu:


"Por que preparas os dentes e o estômago? Confiar em Cristo é comer o Pão da Vida, não se pode engolir Aquele que subiu vivo para o céu." (Ver tratado sobre João nr. VXV e Sermões nr. 131, nr.1).


Interpreta-se facilmente esta passagem sem precisar negar a presença real. Santo Agostinho tem em mente aqueles com um entendimento carnal da Eucaristia, que pensam ser o pão do Céu mero alimento para o corpo, e não para a alma. Não se pode reduzir a alimento físico o próprio Deus vivo, não se pode "engolir" (como comida comum) o maná de Deus, que é Cristo.


Para demonstrar como Santo Agostinho acreditava na presença real, cito aqui textos do ilustre doutor que não deixam qualquer dúvida sobre sua doutrina:


"Aquele pão que vês sobre o altar, tendo sido santificado pela palavra de Deus É O CORPO DE CRISTO. Aquele cálice ou, melhor dizendo, o que está no cálice, tendo sido santificado pela palavra de Deus, É O SANGUE DE CRISTO. Através daquele pão e daquele vinho o Senhor quis nos dar SEU CORPO E SANGUE, SANGUE DERRAMADO POR NÓS PARA A REMISSÃO DOS PECADOS" (Sermões 227).


"O Senhor Jesus quis que aqueles cujos olhos estavam fechados o reconhecessem no partir o pão (Lc 24,16,30-35). Os fiéis sabem do que falo. Eles reconhecem Cristo quando este parte o pão. Pois nem todo o pão, mas somente aquele que recebe a benção de Cristo, CONVERTE-SE NO CORPO DE CRISTO" (Sermões 234,2).


"Vedes o pão e o cálice, é o que vossos próprios olhos vos dizem. Mas vossa fé vos obriga a aceitar que O PÃO É O CORPO DE CRITO E O CÁLICE [VINHO] O SANGUE DE CRISTO" (Sermões 272).


"Como isto ["E ele tomou a si mesmo em suas próprias mãos] deve ser literalmente entendido de Davi, não temos como saber, mas podemos entender como isto deve ser entendido a respeito de Cristo. POIS CRISTO TEVE A SI

MESMO EM SUAS PRÓPRIAS MÃOS, QUANDO, REFERINDO-SE AO SEU PRÓPRIO CORPO, DISSE: 'ISTO É O MEU CORPO'. POIS ELE TEVE AQUELE CORPO EM SUAS MÃOS" (Explicação sobre os Salmos, Sl 33,1.10).


E sobre o Santo Sacrifício da Missa:


"Não foi Cristo imolado somente um vez em sua própria pessoa? No sacramento, contudo, ele É IMOLADO pelo povo não somente em cada solenidade pascal, mas todos os dias; e um homem não mentiria, se perguntado, replicasse que Cristo está sendo IMOLADO" (Cartas 98,9).


"Cristo é ao mesmo tempo o sacerdote, oferecendo a si mesmo, e é ele mesmo a vítima. Ele quis que o sinal sacramental disto fosse o SACRIFÍCIO DIÁRIO DA IGREJA, a qual, uma vez que é seu corpo e Ele a cabeça, aprende a oferecer a si mesma através dele" (Cidade de Deus 10,20).


"Através daqueles sacrifícios da antiga lei, este único sacrifício é significado, no qual existe uma verdadeira remissão dos pecados; mas não só ninguém é proibido de receber como alimento o Sangue de seu sacrifício, mas

também todos os que desejam possuir a vida são exortados a fazê-lo" (Questões sobre o Heptateuco 3,57).


"Nem se pode negar que as almas dos mortos encontram alívio através da piedade de seus amigos e parentes que ainda vivem, quando o sacrifício do Mediador é OFERECIDO por eles, ou quado esmolas são dadas na Igreja"

(Enchiridion sobre a Fé, Esperança e Caridade 29,110).


"Mas pelas preces da Santa Igreja, e pelo SACRIFÍCIO SALVÍFICO, e pelas esmolas que são dadas por suas almas, não há dúvidas de que os mortos são ajudados de modo que o Senhor possa tratar deles com mais misericórdia na consideração de seus pecados. POIS A IGREJA INTEIRA OBSERVA ESTA PRÁTICA QUE

FOI TRANSMITIDA PELOS PADRES, que consiste em rezar por aqueles que morreram na comunhão do Corpo e do Sangue de Cristo, quando eles são lembrados... e o SACRIFÍCIO É OFERECIDO também em memória deles, em seu nome" (Sermões 172,2).


"...Volto-me para Cristo, porque é Ele que busco... e Ele tomou a carne da carne de Maria. Ele caminhou aqui nesta mesma carne, E NOS DEU A MESMA CARNE PARA SER COMIDA PARA NOSSA SALVAÇÃO. MAS NINGUÉM COME AQUELA CARNE A NÃO SER QUE A ADORE PRIMEIRO; (...) E NÃO SÓ NÃO PECAMOS POR ADORÁ-LA, MAS PECAMOS QUANDO NÃO A ADORAMOS" (Explicação sobre os Salmos, Sl 98,9).


"O Sacrifício de nossos tempos é o Corpo e o Sangue do próprio Sumo

Sacerdote... Reconhecei pois no pão aquele que pendeu do madeiro; no cálice

o que jorrou de seu lado" (Sermões 3,1-2).


"O Sangue que eles derramaram depois beberam" (Mai 26, 2; 86, 3).


"Comei o Cristo, então; embora o comais Ele ainda vive, pois quando foi imolado ressuscitou dos mortos. Nós não o dividimos em partes quando o comemos no sacramento, pois os fiéis bem sabem que ao comerem a Carne de

Cristo... embora o sacramento seja feito em partes ao ser comido, Ele permanece todo inteiro; comido em partes no sacramento, Ele permanece todo inteiro no Céu" (Mai 129, 1; cf. Sermões 131).


"Por ódio a Cristo a multidão outrora derramou o sangue de Cipriano, mas hoje uma multidão reverente se reúne para beber o Sangue de Cristo... este altar... sobre o qual um Sacrifício é oferecido a Deus..." (Sermões 310,2.

Cfr. Cidade de Deus 8,27,1).


Dizer que Santo Agostinho negava a mudança eucarística e a presença real, o caráter sacrifical da Missa, diante de tantas evidências (e com base em apenas um texto do Santo Doutor, isolado e mal interpretado), isto sim

equivale a impulsionar com vigor o pulso contra uma lâmina de metal afiada. Fizeram-no muitos protestantes, incluindo muitos dos patriarcas do protestantismo, com os quais o bispo de Hipona jamais concordaria em se juntar.


Com estas considerações, considero encerrada a demonstração da antiguidade da doutrina sobre a presença real e a transubstanciação. Esta provado que a doutrina NÃO É NOVA. Apenas a terminologia, "transubstanciação", é recente.


Pax et Bonum!


Ewerton Wagner Santos Caetano

Postar um comentário

Deixe seu Comentário: (0)

Postagem Anterior Próxima Postagem