Entendendo a linguagem do Senhor na Santa Ceia e os Santos Padres

 

Entendendo a linguagem do Senhor na Santa Ceia e os Santos Padres


Fonte: Lista-debate Veritats Splendor

Tradução e Transmissão: Ewerton Wagner Santos Caetano


O texto a seguir é uma seleção livremente traduzida do original em inglês, que pode ser encontrado em

http://www.catholiceducation.org/articles/apologetics/ap0003.html


Bom proveito.


Pax et Bonum!


Ewerton Wagner Santos Caetano


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Com a Bíblia em punho, todo fundamentalista afirma que Cristo falava metaforicamente em Jo 6 e durante a Última Ceia. Bart Brewer, à frente da "Mission to Catholics International" argumenta desta forma: "se eu mostrar a alguém uma fotografia do meu filho e disser, 'Este é meu filho', é óbvio que meu interlocutor não levará o que digo ao pé da letra. A Escritura emprega uma linguagem comum, o que torna óbvio para qualquer leitor que a Ceia do Senhor tinha como finalidade ser uma recordação, e não um sacrifício literal. Ao tomar as declarações bíblicas ao pé da letra, devemos estar seguros de fazê-lo sem entrar em conflito com o contexto e sem contradizer o

ensino claro das Escrituras". Brewer também alega que "quando Jesus diz 'isto é meu corpo', ou 'sangue', Ele não mudou a substância, mas estava explicando que ele se acha 'simbolizado' no pão e no vinho pascais. Jesus não disse 'touto gignetai', isto se tornou ou é transformado, mas 'touto esti', que só pode significar 'simboliza' ou 'representa'" (3). O grego de Brewer é deficiente aqui. 'Esti' vem do verbo grego 'ser'. Seu significado usual é o literal, embora também possa ser empregado de modo figurativo, como em português. Se este termo crucial deve ser traduzido como 'simboliza', porque não foi explicitamente consignado nas Escrituras desta forma?


Brewer prossegue: "Fica perfeitamente claro nos Evangelhos que Cristo empregou termos figurados, referindo-se a si mesmo como 'a porta', 'a videira', 'a luz', 'a raiz', 'a rocha, 'a estrela da manhã', etc. (4) Nesta idéia Brewster é acompanhado por Donald F. Maconaghie do "Conversion Center": "Fica claro que Nosso Senhor usou um sinal ou figura, e foi por acreditarmos nisto que o Concílio de Trento nos anatematizou. (...) Nosso Senhor se transubstanciou em uma porta, literalmente, quando disse: 'Eu sou a porta' (Jo 10:9) ? Ou se transubstanciou em uma videira, quando disse 'Eu sou a verdadeira videira' (Jo 15:1)" (5).


Leslie Rumble e Charles M. Carty responderam a esta objeção nada original anos atrás: "Não existe paralelo lógico entre as palavras 'Isto é o meu Corpo' e 'Eu sou a videira' ou 'Eu sou a porta'. Pois as imagens da videira

e da porta podem ter, por sua própria natureza, um sentido simbólico. Cristo é como uma videira porque a seiva de minha vida espiritual vem dele. Ele é como uma porta porque chego ao Céu através dele. Mas um pedaço de pão não é, de modo algum, como sua Carne. Por sua própria natureza ele não pode simbolizar o Corpo de Cristo. E Nosso Senhor exclui tal interpretação quando diz: 'O pão que darei é minha Carne para a vida do mundo, e Minha carne é verdadeiramente comida'. Isto é, deve ser realmente comida, não simplesmente comemorada de modo simbólico" (6).


Não é de surpreender que Jimmy Swaggart concorde com Maconaguie e Brewer: "Isto é meu corpo... este é meu sangue, são palavras tomadas literalmente no dogma católico. Do mesmo modo deveríamos aceitar sem pensar que Jesus nos dá literalmente águas vivas que produzirão a vida eterna (Jo 4:14), ou que Jesus é uma porta (Jo 10:7-9), que Ele é um cordeiro (Jo 1:29), ou que Ele é uma videira (Jo 15:5). Se a hierarquia católica quiser ser consistente, deve propagar também a adoração das portas, videiras e cordeiros. Certamente, estas figuras de linguagem são descritivas e coloridas, mas são claramente figuras, assim como os termos 'meu corpo' e 'meu sangue'. A Igreja do Novo Testamento e a Igreja primitiva entendeu e aceitou isto assim, como uma simples figura de linguagem" (7).


É só isso? Vejamos o que pensava a Igreja Primitiva.


Escrevendo aos Esmirniotas em torno do ano 110, e referindo-se "àqueles que sustentam opiniões heterodoxas", Santo Inácio de Antioquia escreveu: "Eles se abstém da Eucaristia e da oração, porque eles não confessam que a

Eucaristia é a Carne de Nosso Salvador Jesus Cristo, Carne que sofreu por nossos pecados e que o Pai, em Sua Bondade, vivificou novamente" (8).


Quarenta anos mais tarde, São Justino Mártir escreveu: "Chamamos este alimento de Eucaristia, e ninguém pode receber este alimento, exceto aquele que acredita na verdade de nossos ensinamentos e foi lavado no banho que é

para a remissão dos pecados e para a regeneração e que vive segundo Cristo. Pois não é como pão comum e bebida comum que o recebemos; mas como Jesus Cristo Nosso Salvador se fez carne pela palavra de Deus e teve carne e sangue para nossa salvação, assim também, como nos foi ensinado, a comida que foi eucaristizada pela oração, e por cuja mudança nossa carne e nosso sangue são alimentados, é a Carne e o Sangue de Jesus encarnado" (9).


Santo Ireneu de Lião, em sua obra maior, "Contra as Heresias", escrita perto do fim do século II d.C., disse que Cristo "declarou o [vinho contido no] cálice, um elemento de Sua criação, Seu próprio Sangue (...); e o pão, um

elemento de Sua criação, seu próprio Corpo". O Santo afirma: "Se o Senhor não vem do Pai, como poderia em verdade tomar o pão, que faz parte da nossa mesma criação, e confessar que o pão é o Seu Corpo e afirmar que a mistura no cálice é Seu Sangue?" (10)


Orígenes, escrevendo em torno de 244, demonstrou que reverência é devida a menor partícula da hóstia. "Quero advertir-vos com exemplos de vossa religião. Vós estais acostumados a tomar parte nos divinos mistérios. Logo

sabeis como, quando acabais de receber o Corpo do Senhor, exercitais reverentemente todo o cuidado de modo a evitar que qualquer partícula caia ou qualquer parte do dom consagrado se perca. Vós considerai a vós mesmos culpados, e com justiça credes nisto, se qualquer fragmento é perdido por negligência" (11).


Santo Atanásio, bispo de Alexandria, escreveu em seu Sermão aos Neófitos, feito em 373: "Vereis os levitas trazerem pão e um cálice com vinho e colocando-os sobre uma mesa. Enquanto não são feitas as preces de súplica,

são apenas pão e vinho. Mas após as grandes e maravilhosas orações terem sido completadas, então o pão se torna o Corpo e o vinho o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo" (12).


Como último exemplo, tirado de dúzias que poderiam ser utilizados, São Cirilo de Jerusalém, em suas Catequeses Mistagógicas, em meados do século IV, disse aos seus ouvintes: "Portanto não considereis o pão e o vinho como

simplesmente pão e vinho, pois eles são, segundo as palavras do Mestre, o Corpo e o Sangue de Cristo. Muito embora os sentidos vos digam o contrário, deixai que a fé vos sustente. Não julgueis nesta questão pelo paladar, mas sustentai-vos pela fé, não duvidando que fostes considerados dignos do Corpo e do Sangue de Cristo" (13).


O que quer que se possa dizer, é certo que a Igreja primitiva tomou Jo 6 e os relatos da Última Ceia literalmente. Não há registro nos primeiros séculos de qualquer cristão duvidando da interpretação católica. Não existem

documentos em que a interpretação literal é contradita e somente a exegese metafórica aceita. Brewer insiste em dizer: "A doutrina da transubstanciação não foi estabelecida na Última Ceia como se supõe... a idéia de uma presença corporal foi vagamente mantida por alguns, como Ambrósio, mas apenas no ano 831 A.D. Pascásio Radberto, um monge benetino, publicou um tratado defendendo abertamente a doutrina da transubstanciação. Mesmo assim, por quase quatrocentos anos, uma guerra teológica foi travada em torno deste ensinamento por bispos e leigos, até que o IV Concílio Lateranense em 1215 A.D. definisse oficialmente como dogma esta doutrina" (14).


Tal explicação é enganadora. Primeiro de tudo, a Presença Real não foi "vagamente" mantida por Ambrósio. Em seu tratado sobre os Sacramentos, composto em torno do ano 390, ele escreveu: "Podeis talvez dizer: 'meu pão é

comum'. Mas aquele pão é pão antes das palavras do sacramento; quando a consagração acontece, o pão se torna a carne de Cristo. E acrescentemos: Como pode o que é pão ser o Corpo de Cristo? Pela consagração. A consagração acontece através de certas palavras, mas quais palavras? Aquelas do Senhor Jesus... Portanto é a palavra de Cristo que faz o sacramento". Nada de vago aqui.


E o que dizer de Pascásio Radberto? Foi ele o primeiro a acreditar na transubstanciação? Radberto era abade do Monastério de Velha Corbie, perto de Amiens. Em 831 ele compôs um tratado que continha esta expressão dúbia:

"Esta é precisamente a mesma carne que nasceu de Maria, sofreu sobre a cruz, e ressuscitou do túmulo" (16). Ele narrou alguns milagres eucarísticos que davam a impressão de que Cristo estava sensivelmente presente no sacramento, e outro monge em sua abadia, Ratramus, escreveu um outro tratado contrário ao de Radberto notando que se deve distinguir entre a aparência de Cristo na Eucaristia e a aparência de Seu Corpo recebido de Maria, mas ele usou uma linguagem que poderia sugerir uma mera presença simbólica de Cristo na Eucaristia. Tanto Radberto como Ratramus eram ortodoxos. O problema é que nem um nem outro usavam uma linguagem precisa.


"O debate entre eles tornou-se logo uma luta livre teológica", escreveu o historiador Newman Eberhardt (17). Outros entraram na disputa, algumas vezes propondo terminologias corretivas que tornavam-se ainda mais confusas que as de Radberto e Ratramus.


A disputa se encerrou em 860, e nenhum dos lados negou a Presença Real. O que se deve notar é que, a despeito de várias tentativas de precisar a doutrina da Presença Real, não havia nenhuma insinuação de qualquer lado de

que esta era uma doutrina nova. Ela era tida como certa. Aqueles que inadvertidamente insinuavam uma presença meramente simbólica é que eram considerados os inovadores, não os que afirmavam uma Presença Real.


No mundo teológico não houve mais controvérsias em torno dessa questão até Berengário de Tours, que morreu em 1088. Ele estudou a disputa que começou com Radberto e Ratramus, e concluiu que Cristo estava presente somente de modo simbólico. Após várias retratações e recaídas no mesmo erro, ele finalmente subscreveu uma fórmula precisa. Historiadores eclesiásticos dizem que ele aparentemente morreu reconciliado com a Igreja (18). Se foi assim ou não, o fato é que Berengário foi o primeiro cristão, pelo menos segundo os registros históricos, a negar a Presença Real. Pascásio Radberto e Berengário de Tours são lembrados pela história apenas porque o primeiro pareceu negar a Presença Real, enquanto o outro realmente a negou. O que isto nos diz é que a crença aceita comumente era oposta àquela que lhes foi imputada.


Referências


(3) Em seus "tracts": "The Roman Catholic Sacrifice of the Mass and The

Mystery of the Eucharist".

(4) Brewer, Sacrifice and Mystery.

(5) De seu "tract" "Transubstantiation".

(6) Rumble and Carty, Replies, 186.

(7) Swaggart, "Mass", 38.

(8) Inácio, Epistula ad Smyrnaeos 6, 2.

(9) Justino Mártirt, Apologia prima pro Christanis 65.

(10) Ireneu, Adversus haereses 5, 2, 2; 4, 33, 7.

(11) Orígenes, in Exodum homiliae 13, 3.

(12) Atanásio, Sermo ad nuper baptizatos.

(13) Cirilo de Alexandria, Catecheses 22, 6.

(14) De seu "tract" "The Mystery of the Eucharist".

(15) Ambrósio, De sacramentis libri sex 4, 4, 14.

(16) Pascásio Radberto, De corpore et sanguine Domini.

(17) Newman Eberhardt, A Summary of Catholic History (St. Louis: Herder,

1961), I:464.

(18) Eberhardt, Summary, I:610.


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