Assinatura de acordo diminiu a distância entre Luteranos e Catolicos

 


Quase cinco séculos depois do cisma que deu origem ao protestantismo, católicos e luteranos selaram um acordo histórico. O cardeal australiano Edward Cassidy, representante do Pontifício Conselho para a promoção da Unidade Cristã, e o bispo alemão Christian Krause, presidente da federação luterana mundial, firmaram a Declaração conjunta sobre a doutrina da Justificação.


O documento de vinte páginas trata de um aspecto teológico aparentemente insignificante. Seu texto diz que "só pela graça e pela fé na ação salvadora de Cristo, e não com base em nossos méritos, somos aceitos por Deus e recebemos o Espírito Santo, que renova nossos corações e nos habilita e conclama a realizar as obras do bem". A formula é um meio-termo entre duas posições que pareciam irreconciliáveis. Até então, os católicos acreditavam que, para uma pessoa alcançar o paraíso, as boas ações eram tão importantes quanto à solidez da sua crença. Os luteranos, por sua vez, batiam-se pela noção de que basta fé robusta para evitar a queda no inferno.


A sutileza ganha relevância quando só tem em mente que a causa do cisma foi justamente o fato de o monge alemão Martinho Lutero ter-se rebelado em 1517 contra a ênfase da igreja nas "boas-obras", argumento doutrinal que justificava o comercio de indulgência. Na época, quem quisesse ter seus pecados atenuados perante os olhos do papa era instado a pagar por isso- e caro,. Foi graças à venda de indulgências, por exemplo que a portentosa Basílica de São Pedro pôde ser erguida .


Excomungado por Leão X em 1521, Lutero lançaria nove anos mais tarde as bases da reforma Protestante, na cidade alemã de Augsburg. A mesma onde o cardeal Cassidy e o bispo Krause assinaram o acordo. Além de reafirmar que a fé era o único caminho para a salvação, ele alaborou uma teologia exclusivamente centrada nas Sagradas Escrituras. Com isso, fez tabula rasa da autoridade papal e de toda a tradição da igreja Católica , fato de implicações importantíssimas: ao aderir ao protantetismo e libertar-se do poder espiritual e temporal do pontífice romano, a burguesia mercantil da Europa do Norte gestaria o capitalismo. Entre outras coisas Lutero reduzio os sacramentos de sete p/ 2 (batismo e eucaristia), descartou o principio da transubstanciação e abjurou o dogma da Virgem Maria. Como tais pontos ficaram de fora do documento firmado na semana passada, a reunificação das duas vertentes Cristãs continua sendo o que sempre foi um sonho distante para os católicos e um pesadelo longínquo pa os protestantes.


A declaração conjunta é fruto de uma necessidade imediata de ambos os lados e de uma lenta transformação no interior da igreja. A necessidade imediata: controlar forças para barrar o crescimento das religiões neopentencostais, que vem arregimentando almas entre luteranos e católicos. Essa aproximação teria sido impossível, no entanto, não houvesse mudado a atitude da cúpula católica com respeito ao ecumenismo, um conceito surgido no século XIX. Até o papa João XXIII, que reinou entre 1958 a 1963, esta era uma palavra proibida no Vaticano. A concepção que vigorava era a do unionismo. Anglicanos, luteranos e ortodoxos deveriam simplesmente renunciar a sua autonomia e voltar ao seio da santa Madre, mais ou menos como na parábola do filho pródigo. Eram vistos como dissidentes. "Eles devem voltar à verdadeira Igreja de Cristo, da qual infelizmente se distanciaram", afirmou co todas as letras Pio XI, em uma encíclica de 1928. João XXIII revogou essa visão ao propor o ecumenismo como uma das bandeiras do Concilio Vaticanos II, a assembléia de cardeais, bispos e teólogos que modernizaria a doutrina e a pratica da igreja. Ele foi o primeiro pontífice a fazer um gesto de boa vontade em direção à outra igreja Cristã. Em 1960, recebeu a visita do primaz anglicano, acontecimentos que levou muito prelado achar que o papa estava ficando maluco.


A lição de João XXIII foi seguida à risca por Paulo VI, que entrou em acordo com os ortodoxos gregos, e por João Paulo II. O documento de Augsburg, aliás, já é considerado um marco de atual pontificado, embora sua gestação date dos anos 60, quando foi instituída a Comissão Mista Internacional Católico-luterana. O esforço ecumênico do papa polonês tem sido notável, em especial nos últimos anos. Ele deseja que a igreja Católica adentre o novo milênio reconciliada não só com os diversos ramos do cristianismo, mas tbém com o judaísmo, islamismo, religiões que até pouco tempo atrás eram tratados como inimigas. Embora a ação ecumênica seja encarada como um movimento "irreversível", para usar o adjetivo do próprio João Paulo II, ela ainda é mais área de tensão. E dificilmente deixará de sê-lo. Isso porque a igreja não abre mão de seu primado. Por ter sido fundada pelos apóstolos Pedro e Paulo, a instituição vê-se como a única representante legitima de Cristo. Daí o adjetivo "apostólica", que se segue ao "católico". Ao definir-se tbém como "romana", a igreja diz ai mundo outra autoridade cristã que se equipare ao pontífice encastelo em Roma. Ou seja, o ecumenismo, para a cúpula católica, não passa de uma relação estratégica entre partes que nunca serão iguais.

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