Gnosticismo



INTRODUÇÃO


Visamos aqui estudar um pouco sobre um grupo de ensinos heréticos que percorreu a história da igreja nos seus primeiros séculos de existência, e hoje é conhecido gnosticismo.


O gnosticismo, ainda que de forma incipiente, é apresentado ainda na era apostólica, mas seu desenvolvimento pleno só se dá na época dos pais eclesiásticos, mais especificamente no segundo século de nossa era. Neste presente trabalho nossa delimitação será os escritos apostólicos acerca desta heresia, então, nesta presente obra entenda-se por gnosticismo o corpo de doutrinas ainda em formação que apareceu no século primeiro de nossa história e que tentou se mesclar ao cristianismo.



Gnosticismo, o que é?



O termo é derivado do vocábulo grego "gnoskos" que quer dizer conhecimento e é aplicado a um grupo de ensinamentos heréticos que a igreja primitiva teve de enfrentar nos primeiros séculos de sua história, ainda que só venha a se estruturar plenamente no segundo século. mas que vez após vez tenta de novo se infiltrar no cristianismo através de nova roupagem. O Novo dicionário Da Bíblia o define nos seguintes termos: Têrmo derivado do vocábulo grego gnosis, "conhecimento", e tradicionalmente aplicado a um conjunto de ensino herético que a igreja primitiva teve de enfrentar nos dois primeiros séculos de nossa era. O ponto central do ensino gnóstico é baseado no contraste dualista e que dizia que a matéria é inerentemente má, e o espírito, o que equivalente do lado oposto, era inerentemente bom. Logo, a base de seu ensino era que tudo o que é material é mau, e de igual forma tudo o que é espiritual é bom. Aqui contamos com o apoio de G. L. Borchert, que afirma o seguinte: "Os gnósticos, obviamente, usavam fontes como o dualismo platônico e o pensamento religioso oriental, incluindo idéias derivadas do cristianismo."


Outro ponto chave do gnosticismo, como o próprio nome sugere, é o conhecimento. Eles afirmavam que o ser humano deveria chegar a um certo grau de conhecimento que proporcionaria a união mística de sua alma com Deus. O fim desse conhecimento era a salvação, que incluía a purificação da matéria má e a imortalidade alcançada pela fusão de seu espírito liberto do corpo com Deus.



Quanto a isso J. D. Douglas afirma o seguinte: "A nota chave do gnosticismo era o conhecimento: a possessão de certos segredos que serviriam afinal para unir a alma com Deus." Como consequência desse dualismo material / espiritual eles afirmavam a total separação de Deus de qualquer coisa que fosse material. A redenção era feita por através de seres intermediários. A alma do homem era uma fagulha da divindade presa no corpo. Então a redenção era a libertação dessa alma de seu cativeiro físico (o corpo) e sua absorção por sua fonte ulterior, Deus. Para isso temos o apoio de J. D. Douglas que diz o seguinte: "No gnosticismo a total separação entre Deus e a matéria (reputada conforme o dogma grego, inerentemente má) era ponto subentendido, e o drama da redenção se efetuava dentro de um complexo de seres intermediários."



O movimento gnóstico possuía várias ramificações, com ensinos, muitas vezes, totalmente opostos. Uns eram ascetas, outros libertinos, e havia um grupo que deseja fazer uma síntese do ensino judaico, com o cristão e o gnóstico resultando assim num novo conglomerado de idéias sincretistas dos três grupos. Borchert afirma o seguinte: Os heresiólogos consideravam o gnosticismo como o produto da combinação entre a filosofia grega e o cristianismo. Por exemplo, depois de descrever detalhadamente os hereges gnósticos, Tertuliano proclama: "O que mesmo Atenas tem a ver com Jerusalém? Que concórdia há entre a Academia e a Igreja? O que há entre os hereges e os cristãos?... Fora com todas as tentativas produzir um cristianismo misturado, composto de modo estóico, platônico e dialético." (Da Prescrição Contra os Hereges 7).



Os ascetas eram aqueles que defendiam que todos os desejos dos nossos corpos devem ser suprimidos. Como o próprio nome diz eles diziam que se devia levar uma vida limpa da contaminação que o corpo produz. Seu argumento pode ser exposto pelo seguinte silogismo:


Toda a matéria existente é má em sua essência. Nosso corpo é material. Logo, nosso corpo é mau e seus desejos devem ser suprimidos.



Os libertinos eram o grupo que defendiam que o nosso corpo é mau em sua essência, mas que a própria contaminação com o mundo iria destruir o nosso corpo, e nosso dever é ajudar o mundo na destruição dele. A tese central deles pode ser exposta pelo seguinte silogismo:


O mal tende a se auto-destruir. O nosso corpo é mau. Logo, nosso corpo tem a tendência de se auto-destruir e nosso dever é ajuda-lo é desenvolver essa tendência de modo que ela se torne real. Eles acreditavam que o espírito não se corrompe com o que é feito pelo corpo, assim como o ouro não perde sua pureza e essência quando mergulhado em lama. Por isso, para a destruição do corpo eles usavam de artifícios imoralidade extremada, neste caso ela não era somente aceita, mas até mesmo encorajada.



O gnosticismo no Novo Testamento



Nesta seção veremos que a presença do gnosticismo era real ainda nos tempos escritores bíblicos e como eles combateram essas idéias.


O termo gnosticismo, propriamente dito, não aparece uma única vez em toda as escrituras, mas fica claro pela exposição das idéias que estão sendo combatidas e pelos termos usados que se trata dessa heresia que assolou a igreja nos seus primórdios.



II Pedro



O autor sagrado via que um tipo libertino de gnosticismo estava invadindo a igreja cristã e não poupa esforços para combater estas heresias que tentavam se infiltrar na igreja com uma roupagem intelectual. Esse mestre gnósticos dos quais Pedro trata estavam tentando tirar proveito de seu ensino a respeito da liberdade do crente em Cristo para influenciar os cristão ali a viverem uma vida libertina. Transformando o ensino de Pedro em licença para uma vida imoral.


Tendo em vista o ramo do gnosticismo libertino que estava se infiltrando na igreja Pedro inseriu muito de material ético em sua epístola.



Uma descrição do caráter destes falsos mestres é dada no segundo capítulo da epístola. Ele os chama de falsos mestres (1) que trazem consigo heresias destruidoras (1), que deixaram de lado o senhorio de Cristo (1), mas cuja destruição é certa (1). Nos alerta ainda que através de suas praticas libertinas estão denegrindo o verdadeiro evangelho (2). Nos mostra que eles são mestres no falar mas só falam mentiras (3). Nos diz que eles forma feitos para a destruição (4-12). Nos dá uma descrição de suas práticas imorais e místicas (13-15).



Michael Green, tratando dos falsos ensinos referidos em II Pedro e Judas descreve o ensino gnóstico retratado nas duas epístolas da seguinte maneira: Há concordância geral entre os comentarista de que a heresia em mira é, em ambos os casos, uma forma primitiva de gnosticismo. A vida e os ensinos destes homens negavam o senhorio de Jesus (2 Pe 2:1; Jd 4). Conspurcavam a Ágape (festa do amor cristão), era pessoalmente imorais, e infectavam aos outros com seus modos lascivos, através de reduzir ao mínimo o lugar da lei na vida cristã, e de enfatizar a liberdade (2 Pe 2;10,12ss. 18ss.; Jd 4,12). Nos seus ensinos, que eram muito volúveis, eram plausíveis e astutos, gostando da retórica, visando lucros, e obsequiosos com aqueles da parte dos quais esperavam ganhar alguma vantagem (2 Pe 2:3,12,14,15,18; Jd 16). Os dois escritores os representam como sendo arrogantes e cínicos, não somente para com o Senhor, mas, para com os líderes eclesiásticos e os poderes angelicais também (2 Pe 2:1,10,11; Jd 8). Parece que se apresentaram como visionários ou profetas, para apoiar suas reivindicações (2 Pe 2:1; Jd 8). Tem vontade própria e estabelecem divisões, confiantes da sua própria superioridade (2 Pe 2:2,10,18; Jd 19).



Nós vemos Pedro preocupado em refutar suas idéias durante todo o decurso da epístola. Ele insere em seu ensino muitos imperativos morais, tais como: procurar confirmar a vossa vocação (1:10); cautela para não ser levado pelo erro (3:17). Ele afirma ainda que o evangelho deve produzir fruto santo, ou então terá falhado em sua essência (2:21,22). É crido que esta epístola tem como um de seus propósitos combater o gnosticismo libertino que estava invadindo a muitas das igrejas da época, e que por isso os temas e propósitos dentro dela giram em torno do combate a este tipo de gnosticismo. Quanto a isso Russel Normam Champlin afirma o seguinte: "A heresia é que "ocasionou" esta epístola; sua correção foi o propósito do autor sagrado. E todos os "temas" da presente epístola giram em torno desses elementos."



Judas



É, sem dúvida, a epístola mais anti-gnostica de todo o Novo Testamento. E quase todos os estudiosos concordam com isso.



As doutrinas gnósticas atacadas por Judas nesta epístolas são:


A imoralidade dos mestres: O ramo gnóstico aqui representado é o libertino que faz da licenciosidade uma parte fundamental de sua doutrina, dando assim permissão e encorajamento a toda sorte de imoralidade. Isto contradiz frontalmente o ponto de vista judaico-cristão da pureza de vida que Deus espera dos que vivem de acordo com seus preceitos aqui nesta terra. É por isso que tantas vezes no Novo Testamento este gnosticismo libertino é fortemente atacado, pois é um ensino pernicioso, que se aproveita da liberdade cristã para dar vazão aos desejos da carne. A negação da expiação pelo sangue de Cristo: Eles criam que o "espirito-Cristo" só veio e possui o corpo de Jesus de Nazaré (da mesma maneira que um demônio possui o corpo de uma pessoa) na ocasião de seu batismo, mas o espirito-Cristo não se encarnara realmente no homem Jesus de Nazaré, pois se assim acontecesse ele estaria aprisionado pela matéria, o princípio do mal. Já que Cristo não se encarnara, portanto não sofreu, nem morreu. Logo, não poderia ter realizado nenhum tipo de expiação.


A negação da imanência de Deus: defendiam o conceito deísta de que Deus era o criador de tudo mas havia se afastado da sua criação por ser ela má (material) e não tinha mais relacionamento algum com ela. Ele havia criado o mundo e deixado tudo entregue as leis naturais. Não punia nem recompensava nada. Talvez por isso levassem vidas tão licenciosas.



Imoralidade e perversão: Os falsos mestre são descritos como imorais nos termos mais horrendos que o irmão do Senhor Jesus Cristo poderia ter encontrado para descreve-los. Os versículos 5-9 de Judas nos dão os seguintes adjetivos para eles: incrédulos, sodomitas, sonhadores alucinados, anarquistas.



A negação de que a salvação fosse plenamente oferecida a todos os homens: os gnósticos dividiam a humanidade em três classes:



1. Os hílicos: estavam tão mergulhados na matéria que jamais poderiam escapar. A maioria dos seres humanos pertenciam a essa classe.


2. Os psíquicos: seriam espirituais até certo ponto, e poderiam receber uma forma secundária de salvação. Todos os homens bons que não fossem gnósticos pertenciam a essa classe.


3. Os pneumáticos: seriam indivíduos realmente espirituais e remidos através do conhecimento (gnosis), portanto gnósticos. Os indivíduos dessa ultima classe seriam reabsorvidos pelo espirito divino.



Apesar de Judas e Pedro estarem combatendo a mesma heresia incipiente em seus escritos há algumas distinções no tratamento que eles dão ao combate destes hereges.


Os hereges contra os quais Pedro escreve desprezam a doutrina da Segunda Vinda de Cristo mas não há sinal disso em Judas. Em II Pedro os gnósticos torcem os profetas do Antigo Testamento e os escritos paulinos para suas próprias finalidades (II Pe 1:18-2:1; 3:15,16) enquanto que em Judas eles torcem a doutrina da liberdade do cristão para dar lugar as suas práticas lascivas (Jd 4). A outra diferença no combate dos hereges é que Pedro evita o uso de material apócrifo para ilustrar seus argumentos enquanto que em Judas ele os usa livremente.



As Epístolas Pastorais



Em todas as três epístolas o autor está intensamente preocupado com os hereges que estão se espalhando pelas igrejas mercadejando um evangelho oposto ao de Cristo, semeando contendas e divisões e levando uma vida moralmente duvidosa.


A heresia aqui, como nos outros textos bíblicos, é uma tentativa de mesclar características distintivamente judaicas com os ensinos gnósticos ao cristianismo formando assim uma doutrina sincretista que desmorona totalmente a essência do cristianismo. O ramo gnóstico combatido pela Epístolas Pastorais, diferentemente de II Pedro e Judas é o gnosticismo ascético. Acerca disso temos o apoio de J. N. D. Kelly que afirma o seguinte:


A característica mais óbvia da heresia é sua combinação de ingredientes judaicos e gnósticos. De um lado. Seus expoentes professam ser "mestres da lei" (1 TM 1:7), embora, conforme o escritor, não saibam como fazer uso apropriado dela; em Creta um grupo deles é até chamado de "os da circuncisão" (Tt 1:10)...Do outro lado, não eram judaizantes do tipo que Paulo tinha que combater no seu ministério anterior. A doutrina deles era ascética, evolvendo, por exemplo, a renuncia do casamento, e a abstinência de certos tipos de alimentos, possivelmente também de vinho (I Tm 4:3; 5:23).



Nos ocuparemos aqui apenas com a parte gnósticas destes ensinos.


Outro caso onde o gnosticismo asceta também é combatido é na epístola de Colossenses, este talvez seja o caso mais semelhante ao das Epístolas Pastorais, como nos diz Kelly: "É o cristianismo sincretista dos hereges de Colossos, no entanto, com sua gnosis, seus regulamentos ascéticos, e o legalismo judaico, que, a despeito das diferenças marcantes, nos fornece o paralelo mais instrutor."


Eles espiritualizavam a ressurreição dos crentes dizendo que ela já havia ocorrido e negavam que o corpo participasse dessa ressurreição. Mas esta era apenas a libertação da alma de seu cativeiro físico, sua união com o espirito infinito (II Tm 2:18).


Também afirmavam que eram possuidores de um conhecimento (gnosis) superior ou místico (I Tm 6:20) que o escritor sacro rejeita como não sendo conhecimento algum mas apenas um ardoroso espírito de disputa.



Colossenses



Em parte alguma da Epístola aos Colossenses Paulo da uma definição exata da heresia que está combatendo, mas podemos conhecer o ensino que está sendo combatido por uma análise dos argumentos que estão sendo usados pelo apóstolo para combater este ensino.


Há ainda alguns trechos onde parece que o apóstolo está fazendo uma citação das doutrinas principais deste grupo de ensinos e isto nos ajuda a provar que Paulo estava lidando aqui com ensinos pre-gnósticos. Estas passagens são:



Cl 1:19 "porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude da divindade"


Cl 2:18 "Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado, sem motivo algum, na sua mente carnal,"


Cl 2:21 "não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro,"


Cl 2:23 "Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade."



Muitos dos estudiosos não concordam com o fato da heresia tratada em Colossenses ser chamada de gnosticismo, porque ela apresenta características distintivas judaizantes, mas como vimos, durante o primeiro século o gnosticismo ainda era uma doutrina incipiente e não tinha toda a estrutura exposta nos gnosticismo do segundo século, ainda era um conglomerado frouxo de idéias, sem um corpo doutrinário bem definido. Talvez por isso muito das idéias desse gnosticismo do primeiro século tenham se infiltrado tão facilmente na igreja.


Apesar do gnosticismo posterior ser totalmente desvinculado do judaísmo, não se encontra dificuldades em perceber ainda dentro do primeiro século, mais especificamente na Carta ao Colossenses uma mistura de gnosticismo com o judaísmo. Pois é na Epístola aos Colossenses onde nós vemos a principal doutrina gnóstica sendo combatida mais fortemente, como já vimos Paulo afirma categoricamente que em Cristo habita toda a plenitude da divindade, combatendo assim a separação entre o homem e Deus.



O gnosticismo nos dias de hoje



Como afirmamos anteriormente o gnosticismo tem se infiltrado no cristianismo através dos séculos, sempre encontrando brechas em nossas doutrinas para encaixar sua heresias. Passaremos a alistar alguns dos ensinos gnósticos que tem ressuscitado no meio da cristandade atual:


O dualismo entre o material e o espiritual: Este ensino, distintivamente gnóstico, tem encontrado larga aceitação nos nossos dias por aqueles que se preocupam apenas com a salvação das almas e não enfatizam a realidade presente da salvação que é adquirida ainda enquanto desfrutamos de nossas vidas físicas, a salvação não é apenas uma realidade futura, quando recebermos novos corpos, livres do pecado, mas se manifesta neste corpo. O Pr. Samuel Vieira combate esta prática afirmando o seguinte:


Minimizando a historicidade de Jesus, seu envolvimento com sua história ... passa a falar muito da morte e do além, pouco da vida e do aquém; aprende a fazer exegese dos céus, sem ser capaz de elaborar uma correta hermenêutica da terra. Prepara os homens para morrer, não para viver. Vive-se na expectativa do porvir, e não do presente, do vir a ser e não do que já é. Fala-se muito da pátria celestial, mas pouco se tem a dizer da pátria da qual fazem parte como cidadãos do tempo presente.



Devemos, sim, enfatizar a nossa pátria celestial, nosso encontro futuro com Nosso Senhor Jesus Cristo, nossa redenção final do pecado, mas sem deixar de lado o aspecto temporal de nossa justificação, que Cristo desarraigou o mundo de nossas vidas mas não nos tirou do mundo, e nós temos a obrigação de demonstrarmos através de nossas vidas aqui que somos cidadãos de um outro mundo.


O misticismo: A busca por experiências místicas tem se acentuado em proporções alarmantes no seio do protestantismo, principalmente no Brasil. Vê-se pessoas afirmando que tiveram experiências com Cristo, que podem expulsar demônios, cultos que são dotados apenas de elementos ritualísticos mas ensinam a verdade tem levado ao renascimento do gnosticismo em nosso meio. Até mesmo seu vocabulário deixa transparecer isto.



CONCLUSÃO


Como vimos o gnosticismo é uma filosofia letal que tem se infiltrado nas igrejas desde a sua origem e nós devemos nos esforçar para combate-lo e preservar a verdadeira essência de nosso cristianismo, sem nos deixarmos influenciar nem pelo rigor ascético nem pela libertinagem.


O gnosticismo tem ressurgido através de doutrinas místicas que tem se infiltrado no pseudo-cristianismo de hoje em dia, tendo o mesmo propósito dos tempos de sua origem, desvirtuar o verdadeiro cristianismo com sua sedução e sua retórica para que demos mais importância a fatores que realmente são secundários no plano divino.


Nossa responsabilidade como Igreja do Deus Vivo é a de manejar bem a Palavra da Verdade de onde vem todo o verdadeiro conhecimento, em quem nós podemos alcançar a libertação não do mal que há em nossos corpos más do pecado que nos tirou a vida espiritual.


Vamos ouvir o chamado que o nosso amado irmão Judas fez ao combater esses hereges ainda no seu tempo e batalhar pela fé de uma vez por todas entregue aos santos.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



BORCHERT, G. L in ELWELL, Walter A. Enciclopédia histórico teológica da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 1984.


CHAMPLIN, R. Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. vol. 5. São Paulo: Milenium. 1983.


CHAMPLIN, R. Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. vol. 6. São Paulo: Milenium. 1983.


DOUGLAS, J. D. (ed.). O novo dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova. 1966.


GREEN. Michael. II Pedro e Judas: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova & Mundo Cristão. 1983.


KELLY, J.N.D. I e II Timóteo e Tito: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão. 1983.


MARTIN, R.P. Colossenses e Filemom: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova & Mundo Cristão. 1984


VIEIRA, Samuel. O império gnóstico contra-ataca: a emergência do neognosticismo no protestantismo brasileiro. São Paulo: Cultura Cristã. 1999



Fonte: http://www.biblia.online.nom.br/artigos_selecionados/gnosticismo.htm


O Gnosticismo e suas influências na História


INTRODUÇÃO


"Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo". (Cl 2.8)


O Gnosticismo era uma heresia presente na Igreja primitiva, vinha trazendo uma doutrina diferente daquela deixada por Cristo, e o seu desenvolvimento na história foi marcante e real. Contudo, ela foi combatida pelos Pais Apostólicos, pelos apologistas. E hoje? Será que o "Gnosticismo" com sua filosofia e influência, está presente em nosso meio, nos púlpitos de nossas igrejas, como esteve na igreja primitiva e a história?


Por isso, nos será importante conhecer o gnosticismo e sua influência na história para que possamos confiadamente analisar a situação da Igreja atual e sua tendência ao gnosticismo, isto para que "ninguém nos engane com raciocínios falazes", pois como "recebemos Cristo Jesus, o Senhor, assim andemos nele, nele radicados, e edificados, e confirmados na fé..."



DESENVOLVIMENTO


O GNOSTICISMO NA HISTÓRIA


Antes da primeira metade do Século XX , apologistas, tais como Irineu, Tertuliano, Hipólito e Epifânio eram as fontes básicas de informações a respeito dos gnósticos. Segundo as denúncias, os gnósticos desviavam os cristãos mediante as manipulações das palavras e a torção dos significados das Escrituras. Usavam os textos bíblicos visando seus próprios propósitos, principalmente as histórias em Gênesis, o Evangelho segundo João e as epístolas de Paulo, aliás, a descoberta de uma biblioteca gnóstica em Nag Hammadi, no Egito, tem confirmado isto. São treze códices antigos, incluindo cinquenta e dois tratados, dos quais seis representam duplicações. Um grande número deles claramente representa uma perspectiva gnóstica cristã, sendo que os três mais conhecidos são os evangelhos valentinianos: O Evangelho de Tomé (composto de uma série de breves palavras de Jesus), o Evangelho de Filipe (uma coletânea de expressões sobre a deidade e a unidade, que relembra a linguagem do quarto evangelho mas especificamente orientado em direção à mitologia gnóstica e possivelmente ligado com o Evangelho da Verdade escrito por Valentino, mencionado em Irineu). Há, também, entre os tratados gnósticos cristãos apócrifos de Tiago, os Atos e Pedro e dos Doze Apóstolos, o Tratado da Ressurreição, a longa coletânea conhecida como o Tratado Tripartite, e três edições do apócrifo de João (a história da criação, que envolve uma reinterpretação dos relatos de Gênesis).


Os apologistas consideravam o gnosticismo como produto da combinação entre filosofia grega e o cristianismo, é a helenização aguda do cristianismo (Adolf Harnack). O gnosticismo combinava elementos da filosofia grega, das religiões pagãs misteriosas, do judaísmo e do cristianismo, contudo, de forma diferente, o gnosticismo já existia no mundo pré-cristão, como aliado das religiões místicas orientais e atualmente, o gnosticismo tem sido visto como uma forma de misticismo, com influências babilônicas, egípcias, iranianas e hindus, além de sua forma de filosofia mística. No gnosticismo se combinavam a orientalização da civilização greco-romano e a helenização do Oriente. Provavelmente, a doutrina do gnosticismo foi influenciada, em parte, pelo mitraísmo, uma das religiões misteriosas da Pérsia. Mitra era um deus-herói, o qual, enquanto esteve na terra, dedicou-se ao serviço da humanidade. Após uma ceia que celebrava o sucesso de seus labores remidores, ele ascendeu aos céus; dali ajuda seus seguidores na terra no conflito deles contra as forças do mal. Os iniciados nessa adoração passam por sete estágios de desenvolvimento, o que prefigurava a passagem final da alma pelos sete céus. Mediante cerimônias místicas é que seus seguidores passariam por vários graus, e essas cerimônias incluíam abluções, refeições sagradas, ritos sacramentais, etc. Tal religião admitia somente varões em suas fileiras, pelo que somente os homens poderiam ser remidos.


E no que se refere ao cristianismo, o gnosticismo consistia, essencialmente, na tentativa de fundir as revelações dadas por meio de Cristo e seus apóstolos com os padrões de pensamento já existentes, o cristianismo tornar-se-ia apenas mais outro culto misterioso greco-romano.



GNOSTICISMO - TERMINOLOGIA E DOUTRINA



A palavra gnosticismo vem do grego "gnoskein" , "saber" e que segundo R.N. Champlin, refere-se a um movimento dedicado à obtenção de um conhecimento genuíno maior, por meio do qual, se cria, poderia ser obtida a salvação, ou seja, a gnose se propõe fazer o homem tomar consciência por si mesmo de que ele é deus, para que este conhecimento o leve à salvação.


De acordo com Samuel Vieira, o termo "gnose" ou conhecimento até a época de Platão, nunca foi usada senão no sentido de "conhecimento", a verdadeira realidade é discernida não pelos sentidos, mas pelo intelecto. Com o cristianismo o termo gnose passou a ser empregado de forma distinta, sendo designativo de um sistema filosófico ou uma certa forma de filosofia religiosa influenciada pelas idéias e linguagens cristãs.


O termo "gnósticos" foi originalmente usado pelos próprios grupos que buscavam a gnose, para eles, a questão fundamental é a "perfeição" (teleiõsis), obtida pela gnose, pelo conhecimento.


O Gnosticismo é uma descrição geral de uma série de escolas heréticas que ameaçaram a igreja, um movimento de ensinos esotéricos baseados em mitos que descreviam a criação do mundo por um demiurgo, afirmando que a salvação é encontrada através da gnose. Expliquemos melhor:


Segundo Champlin, o gnosticismo pintava a realidade dividida em dois dramas distintos, um espiritual e cósmico e outro histórico e terreno; no mesmo está retratado o ciclo de criação, da existência , dos sofrimentos, da morte e da ressurreição. Nos mais elevados céus estaria um ser supremo, intocável e inabordável. Um ser deísta "transcendental", o qual mediante poder criador, delegaria poder a seres inferiores, uma sucessão quase interminável de sombrios "aeons" (as emanações angelicais), os quais entrariam em contato com a matéria, ao mesmo tempo que ele não se deixava tocar na matéria, visto que esta seria o princípio mesmo do mal, o que só poderia contaminá-lo. Também haveria um demiurgo - que teria criado o mundo, o qual entraria em contato com o mesmo. Antes de tudo, haveria trinta emanações superiores, e estariam bem próximas ao fogo central. Cada uma dessas emanações originou a emanação imediatamente inferior, pelo que haveria uma espécie de resplendor divino cada vez menor, com poderes cada vez mais limitados. Bem longe da chama divina, eis que chega uma emanação, a mais distante das trinta, que chegaria na linha separatória entre o que é celeste e o que é terreno. Visto estar ela tão distanciada de Deus, quando criou a terra, fez um mau trabalho, o que explicaria a confusão e os sofrimentos que há neste mundo como o problema do mal. Essa última das trinta emanações seria o demiurgo, sendo identificado com o Deus do Antigo Testamento, o Deus dos judeus - também haveria a pleroma ou manifestação total de Deus, nas dimensões celestiais, que seriam suas emanações, inferiores acompanhantes, de natureza terrena. O Deus Altíssimo não seria o responsável pela criação deste mundo e seu caos, pois este seria o domínio do "demiurgo".


O objetivo da vida seria então, a libertação da alma, que é a parte imaterial do homem, deste mundo material, porque a matéria, incluindo nosso corpo físico, seria inerentemente má, totalmente incapaz de redenção. Assim sendo, o alvo seria a separação entre o espírito e a matéria, ficando de lado a imperfeição e o mal, com a volta às dimensões do espírito, da luz e da santidade. Ora, em vista da matéria não poder ser redimida, não importa o que se faz com o corpo. A alma pode ser cultivada ao mesmo tempo em que o corpo é entregue a punição com ascetismo ou à licenciosidade e prazeres carnais, neste caso, ascetismo ou licenciosidade seriam meios de cooperação para a libertação da alma do meio ambiente físico.


Portanto, o propósito do gnosticismo seria o aniquilamento da raiz verdadeira de todo o mal, que é a matéria , para a elevação da alma, através do conhecimento e sabedoria esotéricos, reveladas aos gnósticos através de certos ritos, sacramentos, práticas mágicas, etc.


O gnosticismo prometia um conhecimento supremo por meio de práticas esotéricas ocultistas; os iniciados seriam conhecedores "do bem e do mal", experimentando o perfeito aeon e o soberano mônada que moram acima e além do universo; estas emanações sucessivas seriam conhecidas pela aletheia (verdade), logos (palavra) e zoe (vida), o nous (pensamento) e pela iniciação. Os iniciados teriam um entendimento completo e verdadeiro do universo, seriam os iluminados que teriam acesso aos segredos do Espírito, libertando-se do mundo mal da matéria. A gnose era, assim um conhecimento sublime.


Além disso, o gnosticismo falava, de acordo com Ricardo Gondim, do homem como um composto de corpo, alma e espírito. O corpo e a alma, produtos de poderes cósmicos, são partes do mundo e estão sujeitos às forças cegas do destino. O espírito, ou o pneuma, é a porção da substância divina que se liberta através do conhecimento. Como espírito liberta, alma adquire capacidade para superar o corpo (que é mau).


Segundo as idéias gnósticas , os homens pertenceriam a três categorias: os hílicos, os psíquicos e os pneumáticos. Os hílicos estariam presos à matéria, estando sempre sujeitos ao mal, às influências do reino das trevas, pelo que seriam totalmente incapazes de receber a redenção. Esse grupo incluiria a vasta maioria dos homens, sendo impossível para eles qualquer raio de esperança. Os psíquicos estariam sujeitos a uma redenção inferior, por meio da fé. Nessa classe eles numeravam os profetas do AT, bem como homens bons de toda sorte; mas, apesar da redenção dos tais ser digna, nunca faria os homens subirem aos paroxismos da glória. Os pneumáticos, sim, seriam os homens verdadeiramente espirituais, reabsorvidos no ser divino, perdendo totalmente a individualidade, conseguindo a redenção máxima através da "gnosis". Somente um exíguo número de iniciados poderia receber esse conhecimento remidor. Para eles o conhecimento seria manifestação superior a fé.


Além do mais, os gnósticos acreditavam que Cristo era mais um dentre os muitos "aeons" ou emanações angelicais. Seria um dentre muitos salvadores ou pequenos deuses, mas em sentido algum seria divino como Deus é divino, apenas um "aeon" que participava, em parte, da essência e dos atributos divinos. O fato de que os "aeons" podiam ter contato com a matéria, o princípio mesmo do mal, mostrava que Cristo não seria um "aeon" muito elevado. Nenhum "aeon" , muito menos o Verbo Divino (a primeira emanação) poderia encarnar-se , porquanto isso o envolveria na corrupção do mal. Portanto, o mundo seria um caos, porque o seu próprio criador teria problemas.


Contudo, os gnósticos eram "docéticos" (dokeo à aparecer). Acreditavam eles que o "aeon" chamado de Espírito-Cristo, na realidade não se encarnava. Isso seria impossível, porque tal coisa serviria somente para corrompê-lo. Antes, seu suposto corpo humano seria um "fantasma", e tudo quanto fez aqui: encarnação, sofrimento, morte na cruz, foi um papel teatral. Ou então, conforme pensavam muitos gnósticos, o Espírito-Cristo teria vindo possuir o corpo físico de Jesus de Nazaré, quando de seu batismo tendo-o abandonado por ocasião de sua morte, pelo que a morte de Jesus não teria nenhum valor como expiação. Cristo, na qualidade de "aeon" poderia ser adorado como outros "aeons" o poderiam.


TIPOS DE GNOSTICISMOS


Gnosticismo tipo Iraniano


Desenvolveu-se na Mesopotâmia, reflete um dualismo horizontal, associado com o culto zoroastriano.


Na luta decisiva entre as divindades primordiais Luz e Trevas, a Luz transcende a si mesma e brilha além de sua própria esfera, partículas de luz eram sujeitas à captura pelo seu inimigo invejoso, a escuridão. Portanto, a fim de lançar um contra-ataque e tomar de volta as suas partículas perdidas, a luz "emana" uma série de divindades subordinadas. Na sua própria defesa, a escuridão também põe em andamento uma geração comparável de subdivindades e toma as medidas para sepultar as partículas de luz num mundo criado. O objetivo de luta é conquistar seres humanos que contém partículas de luz e efetuar sua libertação da prisão deste mundo, de modo que possam reentrar na esfera da luz celestial.


Gnosticismo tipo Sírio


Surgiu na área da Síria, Palestina e Egito.


O deus bom (a profundeza ulterior) com seu consorte (o silêncio) inicia o processo de nascimentos (ou emanações) uma série de deidades em pares (casais). A última das deidades subordinadas (geralmente chamada Sofia, sabedoria), está descontente com seu consorte e deseja, pelo contrário, um relacionamento com a profundeza ulterior. Este desejo é inaceitável na deidade e, sendo extraído da Sofia e excluído das regiões celestiais (pleroma). Embora Sofia seja liberta, desta forma, da sua concupiscência, a deidade perdeu parte de sua natureza divina. O alvo, portanto, é a recuperação da luz decaída.


Mas o desejo excluído (ou Sofia inferior) não tem consciência da sua natureza caída, e, dependendo dos vários relatos diferentes, ela ou seu filho, o Criador, começa um processo "demiúrgico" ou de geração, que parcialmente reflete o processo de "emanação" no pleroma, que finalmente resulta na criação do mundo. A deidade superior (pleroma) mediante seu mensageiro divino (frequentemente chamado Cristo ou o Espírito Santo) consegue , através de um ardil, que o Criador-demiurgo sopre no homem o fôlego da vida, e assim as partículas de luz são passadas para um homem-luz. Os gnósticos são aqueles colocados num mundo onde pessoas espirituais que possuem as partículas de luz só precisam ser despertadas para herdarem os seus destinos.



Gnosticismo de tipo Egípcio


Basílides (c.130) ampliou consideravelmente os pontos de vista de Saturnino e ensinou que a Mente foi o primogênito do Pai Ingênito. A Razão foi gerada pela Mente e, por sua vez, gerou a Prudência , e esta gerou a Sabedoria e o Poder. Da sabedoria e do Poder nasceram a Virtude, os Príncipes e os Anjos, que são chamados também de "os Primeiros". Estes fizeram o primeiro Céu , do qual derivaram outros céus que também geraram outros céus... (perfazendo um total de 365 céus).


Os anos que presidem sobre o céu inferior, que é visto por nós, ordenariam todas as coisas que há no mundo, dividindo entre si a Terra e as nações da Terra. Seu chefe é aquele que tem sido crido como o Deus dos judeus. Ele pretendeu sujeitar os demais povos aos judeus, provocando a resistência dos outros príncipes que se coligaram contra ele... então o Pai Igênito Inominado... enviou sua Mente primogênita (chamado Cristo) para libertar os que nele cressem dos poderes que fizeram o mundo. Ele apareceu assim entre as nações dos príncipes, em forma de homem, e realizou atos de poder. Ele, porém, não sofreu, mas um certo Simão de Cirene foi movido a levar a cruz por ele. Simão foi equivocadamente crucificado, tendo sido transfigurado por Ele, de tal sorte que o populacho o tomou por Jesus. Jesus, entretanto, transmutou-se na forma de Simão, presenciando a agonia de seu sósia e dele escarnecendo. Quem, portanto, reconhecer e reverenciar o crucificado ainda não deixou de ser escravo e sujeito ao domínio dos que fizeram nossos corpos. Quem, ao contrário, o negar fica livre e reconhece disposição do Pai Ingênito.



Gnosticismo de tipo Judaizante


O mundo foi feito não pelo Deus Supremo, mas por alguma Virtude muito afastada e separada do príncipe que está acima de todas as coisas e cuja soberania absoluta não é reconhecida por tal virtude. Acrescenta que Jesus não nasceu de uma virgem, mas que foi filho de José e Maria, à maneia comum, embora seja superior aos demais em justiça, prudência e sabedoria. Após o batismo de Jesus, Cristo desceu sobre ele em forma de pomba, procedendo do Príncipe que está sobre todas as coisas. Depois disso, Jesus revelou o Pai Ingênito, realizando atos de poder. No fim, porém, Cristo retirou-se, deixando Jesus abandonado: o homem Jesus sofreu sozinho e ressuscitou; porém, Cristo permaneceu impossível como convinha à natureza espiritual.



Gnosticismo de tipo Pôntico


Marcion, do Ponto, blasfemou imprudentemente contra Aquele que a lei e os profetas chamam Deus e que ele chama de artífice de maldades, amigo de guerras, volúvel nos juízos, incoerente consigo mesmo. Marcion persuadia seus discípulos de que merecia mais crédito do que os apóstolos que legaram o Evangelho, apesar de lhes transmitir não um Evangelho, mas apenas fragmentos de um Evangelho. Do mesmo modo mutilou as Epístolas de Paulo, eliminando delas tudo que deveria ser o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, bem como o ensino dos profetas anunciando o advento do Senhor.



O GNOSTICISMO NA ERA NEOTESTAMENTÁRIA


O gnosticismo aparece inicialmente como uma heresia dentro da igreja. Os mais perigosos foram os intelectualmente fortes dentro do cristianismo: dentre eles se destacavam o grupo de Basílides (Egito) e dos Valentinianos (Roma).


Enquanto os apologistas defendiam o cristianismo contra filósofos e imperadores, o perigo maior não vinha de fora, mas de dentro do seu próprio seio através do gnosticismo. Não eram uma seita distinta mas assimilavam sem criticamente, várias delas.


Nos textos neotestamentários, já se percebem as lutas internas contra heresias permeando a Igreja de Cristo. Os primeiros sinais surgem nos escritos de João e na carta de Paulo aos Coríntios, nas cartas pastorais e aos Colossenses. Certamente, ao escrever estes textos, os apóstolos lidam com elementos gnósticos já familiares à Igreja Primitiva. As passagens neotestamentárias que parecem repreender algumas formas de heresias gnósticas são: Colossenses 1-3 (e os trechos paralelos em Efésios); várias porções da primeira epístola de João, como 2.22ss; 4.3/ II João 7/ I Timóteo 1.4ss; 4.3ss; 2.18; 3.5-7/ Tito 1.14ss.


Oito, são os livros do Novo Testamento que combatem o gnosticismo que asseiou a igreja pelo espaço de 150 anos. Esses livros são as três epístolas joaninas, as epístolas aos Colossenses, Judas, e em certas passagens, Efésios, o evangelho de João e o Apocalipse.


Todos os textos neotestamentários foram escritos para responder as necessidades pessoais do rebanho já existentes e combater as tendências religiosas que se foram formando sob a influência do universalismo do Império Romano, da filosofia helenística (ceticismo, platonismo, estoicismo e ecletismo) e das religiões de mistério.


Irineu ironiza o nome gnosticismo numa obra chamada de pseudo-gnósticas. Segundo Irineu, o gnosticismo teria se difundido de forma sutil no primeiro século do cristianismo, tornando-se mais explícito no segundo, por possuir um elemento altamente sedutor: o misticismo. Somente os mais perspicazes conseguiam detectar seus ardis. Aponta ainda o perigo que tais heresias traziam à saúde espiritual da Igreja de Cristo, porque sob a capa de "pretensos conhecimentos superiores" eles "falsificavam os oráculos de Deus, e provavam a eles mesmos serem maus intérpretes da boa palavra da revelação.



O GNOSTICISMO CONTEMPORÂNEO


Há na Igreja hoje, assim como em várias seitas (Ex.: Ciência Cristã, Ciência Divina, Teosofia, Igreja da Unificação, Escola da Unidade do Cristianismo, etc.), uma presença daquilo que ficamos conhecendo como a "heresia gnóstica", ou pelo menos, traços de algumas das suas características, como o forte/falso misticismo , o dualismo e um certo tipo de ascetismo, que afetou a Igreja do primeiro século e tem alcançado a igreja atual.


Poderemos detectar um certo gnosticismo em nossas Igrejas hoje, especialmente se tomarmos por paralelo a Igreja aos Colossenses, e a carta que o apóstolo Paulo escreve para os crentes de Colossos combatendo o gnosticismo e os seus ensinos que tinham base nas religiões misteriosas orientais.


Na igreja de Colossos, grande importância era dada aos "aeons"(seres angelicais/ emanações de Deus), entre eles Cristo, que era apenas um dos mediadores e salvadores, um pequeno deus, mais um dentre muitos "aeons", com um corpo aparente, que não poderia sofrer e nem morrer. Sua morte não teve valor expiatório, pois o "aeon" que tomara conta do corpo de Jesus, o homem, quando de seu batismo, abandonou-o por ocasião de sua crucificação. É o "dualismo" que existe entre a "matéria"(corpo) e o "Espírito", pois a carne é má e nenhum "aeon" santo poderia, na realidade, tomar carne humana, sem contaminar-se a si mesmo. Os "aeons", ou poderes angelicais, estavam no mesmo pé de igualdade com Cristo, e este tinha sua estatura diminuída. Os gnósticos não reconheciam a existência do Deus Triúno, e o Único que, com razão pode ser adorado pela criatura humana. Contudo, hoje o que mais temos visto é uma adoração, ou seria, uma exaltação aos anjos. Músicas lhe são prestadas, e visões confirmam a sua presença em cultos, onde eles descem, sobem, rodeiam a igreja, se instalam em pontos estratégicos da mesma, aumentando o poder e a autoridade da ministração.


Além disso, os gnósticos tinham incorporado alguns elementos das leis cerimoniais judaicas, aumentando as suas tendências ascéticas, criam que o desígnio do sistema cósmico é destruir toda a matéria, incluindo o corpo físico, visto que a matéria é má. O gnóstico pode cooperar com esse desígnio abusando do corpo, de maneira extremamente ascética ou licenciosa.


Os gnósticos tinham a idéia equivocada de que não importa o que fazemos com os nossos corpos, pois estes seriam veículos incuráveis do princípio do pecado, pensavam que deveriam abusar do corpo, sem que isso em nada prejudicasse a alma.


Os colossenses optaram por um gnosticismo ascético, restrições dietéticas, jejuns e provisões ritualistas intermináveis, eram vegetarianos e celibatários, pregavam uma doutrina que ordenava : "não manusear", "não provar", principalmente no que diz respeito às questões sexuais.


Assim como os gnósticos de Colossos, muitos cristãos (e suas respectivas denominações) têm praticado um ascetismo extremado em suas igrejas. É proibição quanto às vestes, cortes de cabelo, hábitos higiênicos: como a depilação feminina, etc., são regras, ordenanças, tradições legalistas com objetivo de mortificar a carne e "elevar" o Espírito.


Os gnósticos também primavam (principalmente) por um falso misticismo, um misticismo oriental que não transformava moralmente, pois, devido às suas visões e êxtases, eles estavam "fora" das questões morais e éticas. Eles eram os "pneumáticos", ou os verdadeiramente espirituais, que tinham a salvação não mediante a fé, mas, mediante o "conhecimento" (falso), aqueles que mediante ritos sagrados, artes mágicas e misticismo, receberiam a redenção completa, a reabsorção pelo Espírito divino, perderiam a identidade pessoal , e teriam o "Ego" transformado em "superego".


Por fim, o que temos visto nas igrejas evangélicas hoje (em especial, no nosso Brasil), são pastores induzindo pessoas à acreditarem no poder das "inúmeras correntes", campanhas de "n°" dias, óleos de Israel, sal ungido ( e, também, flores, sapatilhas, tapetes, roupas e até travesseiros ungidos); no poder das palavras de fé - confissão positiva. Muitas igrejas são conhecidas por sua Teologia da Prosperidade, onde a saúde perfeita, a prosperidade material, são "provas" da satisfação de Deus para com o indivíduo; pela prática, ou seria, pela exploração do exorcismo (estes dias ouvi de um pastor o convite para um banho de 'descarrego' em sua igreja , durante um programa em um dos meios de comunicação.



CONCLUSÃO


A heresia gnóstica esteve presente na igreja cristã primitiva por cerca de cento e cinquenta anos, e oito livros do Novo Testamento foram escritos contra ela: Colossenses, três epístolas joaninas e a epístola de Judas, além de alusões feitas também no Evangelho de João, no livro de Apocalipse e na epístola aos Efésios.


O gnosticismo era uma mistura de misticismo oriental, filosofia, mitologia, astrologia, neoplatonismo grego, judaísmo e por fim, também, cristianismo. Os gnósticos se gabavam de uma filosofia superior, sustentavam que a salvação é fruto do conhecimento (da gnosis), e praticavam um misticismo falso, onde Cristo não é o centro nem o "o poder mais elevado que um indivíduo busque entrar em contato", pelo contrário, os gnósticos diminuíam a pessoa de Cristo, valorizando coisas inferiores como seres angelicais e visões, negando a honra que cabe à Cristo e ignorando o seu senhorio. Russell Norman Champlim, fala que "os mestres gnósticos faziam dos poderes angelicais objetos de adoração, e também desviam as nossas mentes para longe da posição de Cristo como cabeça; no entanto, a condição básica para que alguém seja discípulo autêntico de Cristo é que aceite seu senhorio (Cl 2.9)". Na verdade, muitos religiosos hoje, tem supervalorizado a presença e atuação dos anjos nos cultos e desvalorizado a pessoa de Cristo. Já não vale a obra expiatória de Cristo e seu sofrimento, seu sangue vertido não foi suficiente, é preciso que o "crente-gnóstico-pneumático" se esforce em suas práticas ascéticas, elevado misticismo, acirrada adoração aos anjos, ajudando Cristo na obra de salvação.


Os gnósticos cristãos do passado eram ascéticos, quando não licenciosos, adoravam anjos, não tinham idéia de expiação pelo sangue, acreditavam em uma grande hierarquia de poderes angelicais, "aeons" que seriam mediadores entre Deus e os homens e, elevavam a "gnosis" (o conhecimento) em contraste com a "fé", como meio de "salvação". E as nossas Igrejas hoje, em que elas se assemelham ao gnosticismo passado?


Podemos citar alguns exemplos de práticas gnósticas dentro da Igreja hoje, como o uso de objetos e símbolos materiais destinados a curas e milagres, são flores, sais e óleos ungidos. Programas evangélicos televisionados que exploram o exorcismo de demônios, além de pedir aos telespectadores que coloquem peças de roupas e copos de água sobre o televisor para estes serem abençoados. Ainda, existe o "quite de beleza da rainha Ester" e o "travesseiro da ressurreição dos sonhos"..., além das divinas revelações do inferno e do céu e a prática da palavra positiva e de chavões como: "tá amarrado!", "queima!", etc. Kennety Hagin, em um dos seus livros ensina: "Eu disse: em nome de Jesus (você entende, o nome representa toda a sua autoridade e poder!) não tenho dor de cabeça. Em nome de Jesus não vou ter dor de cabeça. E em nome de Jesus... a dor de cabeça saiu... Alguém disse: "gostaria que funcionasse para mim". Não funciona por meio do desejo. Funciona por meio do conhecimento". Correntes e campanhas exaustivas, supervalorização de dons e venda de meios de graça, além do acirrado ascetismo de algumas denominações.


Todas estas coisa nos lembra o gnosticismo combatido tão fortemente pelos apóstolos, como o trecho de I Tm 2.5 que foi escrito para contrapor o gnosticismo que propunha uma grande quantidade de mediadores, Cristo é o único mediador entre Deus e o homem; quando o apóstolo fala (Cl 1. 16) que só há um poder Criador e não vários "aeons" criadores, dignos de adoração; e que "todas" as pessoas podem chegar ao "pleno conhecimento da verdade", e sejam salvos mediante o sacrifício expiatório de Cristo, e não apenas os "pneumáticos" ou os verdadeiramente "espirituais" como se consideravam os gnósticos. Além disso, no seu combate ao gnosticismo, Paulo escrevendo aos Colossenses, salienta as ordens angelicais (1.16), asseverando que Cristo é o seu Criador e Senhor, exigindo ele adoração, que não pode ser conferida aos anjos (Cl 2.18), faz alusão aos "mistérios"(1.26;22), ataca o ascetismo exagerado (2.20), dá a definição de "sabedoria" e de "conhecimento"(2.2,3), como algo pertencente originalmente a Cristo, sendo Ele o "pleroma", a "plenitude"(2.8,9), salienta que toda criação encontrará em Cristo o Princípio e Fim (1.16), nega o "deísmo", pois Cristo é a imagem e manifestação do deus invisível (1.15), senhor do Universo (2.19), além de dá o valor à morte de Cristo como expiação e salvação para todos (1.20).


Portanto, o gnosticismo que tão preocupadamente foi combatido pelos apóstolos e posteriormente pelos Pais da Igreja e grandes Apologistas dos primeiros séculos, deverá ser detectado e urgentemente combatido em nossas igrejas. É uma forma de gnosticismo/misticismo sutil, uma idéia corrosiva em "pele de cordeiro". A igreja deve estar atenta para estes fatos e retornar com todo ardor para as Escrituras , pois somente ela produz o Conhecimento verdadeiro , e somente Cristo, o Filho de Deus dá salvação para o homem perdido.


Finalmente,


"Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, criador do céu e da terra. E em Jesus cristo, seu Filho Unigênito, nosso Senhor, concebido pelo Espírito Santo e nascido da virgem Maria; que padeceu sob Pôncio Pilatos , foi sepultado, e ao terceiro dia ressurgiu dos mortos; que subiu ao céu e assentou-se à direita do Pai Todo-Poderoso, de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos.


Creio no Espírito Santo, (na igreja universal), na comunhão dos santos, na remissão de pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém."

(Credo Apostólico - Século III e IV)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BAUER, Johannes. Dicionário de Teologia Bíblica. Vol. I. Loyola, São Paulo: 1988.

CHAMPLIM, R. N. BENTES, I. M. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol. II. Candeia, São Paulo: 1997.

CHAMPLIM, R. N. Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. Milenium, São Paulo.

ELWELL, Walter A. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. Vol. II. Vida Nova, São Paulo: 1990.

FRIES, Heinrich. Dicionário de Teologia Bíblica. Vol. I. Loyola, São Paulo: 1988.

VIEIRA, Samuel. O Império Gnóstico Contra-Ataca. Cultura Cristã, São Paulo: 1999.



Autora: Silvana de Novais Santos

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