Igreja Católica Apostólica Carismática


 

Revista: “PERGUNTE E RESPODEREMOS”

D. Estevão Bettencourt, osb.

Nº 318 – Ano 1988 – Pág. 519


Em síntese: A “Igreja Católica Apostólica Carismática” pediu registro civil de pessoa jurídica e o obteve. Todavia o Sr. Arcebispo de Campinas, D. Gilberto Pereira Lopes, entrou na Justiça com recurso contra tal registro, mostrando que causaria confusão no grande público, visto que o nome da sociedade registrada e toda a sua linguagem são o plágio do nome e dos símbolos da Igreja Católica. – A apelação de D. Gilberto foi acolhida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que resolveu, após longos estudos, cancelar o registro da “Igreja Católica Apostólica Carismática”. O parecer e o acórdão que concluem o processo, vão abaixo reproduzidos; os seus dizeres aplicam-se a todas as denominações que praticam o curandeirismo e o plágio.


É notório o avanço de denominações religiosas que prometem ao público curas e dons extraordinários em geral mediante ritos que utilizam a linguagem, os paramentos e os símbolos da Igreja Católica: hóstias, água benta, “Missa”, etc. Esses ritos são muitas vezes ocasião a que as pessoas interessadas (geralmente as mais carentes no plano econômico) deixem consideráveis quantias de dinheiro nos cofres dos respectivos templos. Entre outras, a Rede Nacional de Missões Católicas e ramos das Igrejas Brasileiras cometem tais abusos. Esse comportamento é ilícito a vários títulos: 1) os novos grupos praticam o curandeirismo, isto é, propiciam alívio ilusório a pacientes que não são curados, mas, apesar disto (por causa da sugestão e da sua credulidade), deixam de se tratar, permitindo o recrudescimento das suas moléstias; 2) exploram o bolso dos pobres, que são generosos ao dar dinheiro em troca da “restituição mágica” de sua saúde; 3) praticam o plágio ou a imitação desonesta de práticas e símbolos da Igreja Católica.


Ora este terceiro título de delito foi considerado em 1987 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Com efeito; a "Igreja Católica Apostólica Carismática” pediu registro civil de pessoa jurídica e o obteve. Todavia o Sr. Arcebispo de Campinas, Dr. Gilberto Pereira Lopes, entrou na Justiça com recurso contra tal concessão, mostrando que causaria confusão no grande público, visto que o nome da sociedade registrada e toda a sua linguagem são plágio da designação e dos símbolos da Igreja Católica.


A apelação de D. Gilberto foi acolhida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que resolveu, após longos estudos, cancelar o registro da “Igreja Católica Apostólica Carismática”. O Parecer e o Acórdão que concluem o processo, vêm a ser de grande interesse para o público, pois o que neles se diz se aplica a todas as entidades religiosas que praticam o plágio, dando a crer ao povo católico que são legítimos órgãos do Catolicismo. Eis por que, nas páginas seguintes, publicaremos o texto do Parecer do Dr. José Renato Nalini, Juiz de Direito Corregedor, e o Acórdão subseqüente assinado pelos Desembargadores do Conselho Superior da magistratura em outubro de 1987.


A linguagem usada em tais documentos é a do Direito, com suas expressões técnicas e convencionais, cujo sentido se torna claro a um leitor atento.


Merecem, pois, consideração os arrazoados que se seguem, dado que se poderiam aplicar a numerosos outros casos paralelos ao da “Igreja Católica Apostólica Carismática”.


I. O PARECER


APELAÇÃO CÍVEL Nº 7.150-0/5 – CAMPINAS


“Excelentíssimo Senhor Desembargador Corregedor Geral:


Não se conforma D. Gilberto Pereira Lopes, Arcebispo Diocesano de Campinas, como representante da Igreja Católica Apostólica Romana, com a r. decisão de fls. 85/87 do d. Juiz Corregedor Permanente do 1º Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas que, desacolhendo a dúvida suscitada pelo Oficial, determinou registro e arquivamento do estatuto social da Igreja Católica Apostólica Carismática no Brasil.


Em seu apelo ao E. Conselho Superior da Magistratura, aduz que a utilização de nome análogo e de estrutura semelhante à da apelante, induzirá a população em erro e isso autoriza a recusa do registro, com fundamento no artigo 115 da Lei de Registros Públicos...


O P I N O:


I. Suscitou o erudito oficial do registro civil das pessoas jurídicas da Comarca de Campinas a presente dúvida, com fundamento no artigo 115 da Lei de Registros Públicos, quando se lhe apresentou a registro o estatuto social da pessoa jurídica denominada Igreja Católica Apostólica Carismática no Brasil.


Aduziu que o nome e a própria organização da entidade se prestariam a propiciar engodo e confusão ao povo da cidade, em relação à Igreja Católica Apostólica Romana. Exemplifica o receio, com a enunciação dos cargos existentes na hierarquia da entidade registranda: “padres, sacerdotes, bispos, freiras, madres e seminaristas”, nomeados por um “Supremo Concílio”...


II. A teor do disposto no § 5º da Constituição da República, “é plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes o exercício dos cultos religiosos, que não contrariem a ordem pública e os bons costumes”.


Quer isso dizer que o Estado brasileiro é leigo. “É-lhe vedado, pela Constituição, estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los embaraçar-lhes o exercício (artigo 9º., II, da CF). A neutralidade do Estado em matéria confessional constitui importante fator de garantia e de respeito às liberdades religiosas (liberdade de crença e culto)” (José Celso de Mello Filho, “Constituição Federal Anotada”, 2ª. Ed., 1986, Saraiva, p. 439).


É da tradição do Estado Liberal que o núcleo dos direitos garantidos aos cidadãos seja definido e caracterizado pela pretensão de excluir intervenções do poder estatal, consideradas perigosas para as liberdades individuais. Assim, a liberdade de pensamento e suas manifestações quanto à consciência, culto, educação e Imprensa, estaria totalmente imune a qualquer controle do organismo estatal.


Sob prisma tal, concluir-se-ia – como o fez o d. magistrado corregedor permanente – que descabe tolher registro a sociedade religiosa cuja denominação não coincide, exatamente, com aquela da terceira interessada.


III. A questão merece outras reflexões, contudo.


O fator religioso fortalece como nenhum outro a unidade e a dignidade dos valores políticos. Não que a Igreja se reduza à mero suporte de estabilidade política, mas são reconhecíveis nela tais efeitos temporais. “Mais prudente sois – escreve Cícero – quando cercais a cidade com a religião, do que quando a rodeais de muralhas”. O respeito à autoridade, o freio dos apetites de gozo e predomínio, o clima de honestidade e confiança que toda convivência requer, a moralidade profissional, a abnegação no cumprimento do dever, o sacrifício, o heroísmo, têm na religião suas mais fundas e seguras raízes” (José Corts Grau. “Curso de Derecho natural”, 5ª. Ed., Ed. Nacional, Madrid, 1974, p. 458).


Esse princípio foi adequadamente formulado por Donoso, ao advertir que a ordem passou do mundo religioso ao mundo moral e do moral ao político. Assim, “não há mais do que duas repressões possíveis, a religiosa e a política. Estas são de tal natureza, que quando o termômetro religioso está alto, o termômetro da repressão está baixo e quando o termômetro religioso está baixo, o termômetro político, a repressão política, a tirania, está alta” (“Discurso sobre la Dictadura”, t. II, p. 107, apud Corts Grau, op. Cit., p. 459).


Daquilo que superficialmente se abordou, deflui que um Estado liberal moderno, mesmo não confessional, admita a tolerância de culto, mas não a sua liberdade. Do ponto de vista cristão, o governo de um país católico não pode predispor seus súditos ao indiferentismo ou à apostasia. Do ângulo filosófico, não lhe é lícito cair num relativismo que equipare o erro à verdade. E do ângulo político, importa-lhe manter um fator decisivo para a unidade nacional.


Igreja e Estado são sociedades perfeitas, cada uma em sua ordem. “Ao Estado importa cooperar com os fins da Igreja, por razões de intrínseca hierarquia e porque, os riscos da Igreja, acaba por sofrê-los sempre a sociedade civil, e à Igreja importa manter no Estado um máximo ético e velar pela estabilidade social, porque também a dissolução civil se propaga à eclesiástica” (CORTS Grau, op. Cit., p. 464).


Não interessa ao Estado fomentar a contradição, sob pretexto de viabilizar a liberdade religiosa. Por esse motivo é que a Constituição assegura aos crentes o exercício dos cultos religiosos que não contrariem a ordem pública e os bons costumes.


IV. Por bons costumes se entendem as atitudes ou valores sociais consagrados pela tradição e que se impõem aos indivíduos do grupo e se transmitem através das gerações. São os comportamentos prescritos do ponto de vista moral. E sob esse enfoque, não corresponde com os ditames da moral pretender-se o registro de entidade com denominação quase idêntica a outra, muito mais antiga e de evidente prestígio.


A despeito de inequívoca diferença entre direito e moral, ninguém recusa a interpretação entre os dois campos. É da rotina forense a aplicação de preceitos morais na solução de questões jurídicas. Citando RIPERT, lembra o Prof. ALVINO LIMA a necessidade de recorrer à lei moral, a fim de reforçar, atenuar ou esclarecer a regra jurídica” (“A fraude do Direito Civil”, Saraiva, SP, 1965, p. 7).


Constata-se uma migração contínua e irrepreensível de prescrições morais para o direito positivo, de tal forma que “o progresso do direito positivo é um esvaziamento progressivo do campo da moral social”, na frase de George Renard (“Le droit, La Justice et la Volonté”, Sirey, Paris, 1925, p. 108).


No momento em que a entidade registranda pleiteou o registro da Igreja Católica Apostólica Carismática no Brasil, quis se valer do disseminado respeito de que usufrui a Igreja Católica Apostólica Romana. E a lei positiva não pode ser indiferente a atitudes calçadas em falta de originalidade que destoa da mera coincidência. "A missão do direito não é apenas a de disciplinar coativamente atividades humanas para dirigi-las e contê-las dentro dos limites legais prefixados, mas é, outrossim, um fator de civilidade, uma força de persuasão em virtude dos valores morais que encerra” (Alvino Lima, op. Cit. P. 10).


Existe, a rigor, um preceito que impede o registro da entidade que se inspira integralmente em similar mais longeva. Admitir-se a proteção decorrente da publicidade registrária nesse caso seria premiar a esperteza e desconsiderar a regra moral à qual repugna a imitação. E “a substância interna, a medula nutritiva da regra de direito positivo é a regra moral, o preceito de justiça que ela se contenta de determinar ao contacto das condições históricas da época” (J. T. Dellos, “Le problème des rapports du droit et de la morale”, in “Archives de Philosophie et Science juridique”, 1933, p. 80).


Ainda que não existisse “preceito legal que condene expressamente a conduta desleal, desonesta, fraudulenta, lesiva de direito de terceiros, a regra usual de retidão, de probidade se impõe, não só porque está implícita e virtualmente incerta em inúmeros preceitos legais, regulando casos particulares; mas ainda por ser o ato de improbidade lesivo do direito de outrem, repudiado com contrário ao princípio geral de direito – neminem laedere” (Alvino Lima, op. Cit. P. 10)...


Ao se atentar para essa possibilidade vivificadora propiciada pelos princípios gerais de direito – dentre os quais o que determina não prejudicar a ninguém – estar-se-á a reconhecer que o direito não pode ser desvinculado de seu fim. “O fim é a vida interna, a alma escondida, mas geratriz, de todos os direitos” (Saleilles, “De La personnalité Juridique”, p. 497).


Lembrava o grande Benjamin Cardoso, que “não colhemos as nossas regras de direito inteiramente maduras das árvores. Cada juiz, consultando a sua própria experiência, deve ter consciência do momento em que o livre exercício da vontade, dirigido com o propósito de promover o bem comum, deve determinar a forma e a tendência de uma regra, a qual, nesse instante, se origina de um ato criador” (“A Natureza do Processo e a Evolução do Direito” 3ª. Ed., Col. Ajuris-9, p. 112/113)...


É problema da jurisprudência delimitar o conceito de imoralidade num sentido estrito. Na espécie, difícil concluir-se que a pretensão ao registro de sociedade eclesiástica inspirada integralmente numa outra, de que são reproduzidos, com pouca imaginação, os três primeiros e identificadores nomes, possa revestir um ato moralmente idôneo. É lição de senso comum que, obtido o registro, essa Igreja se prestará a confundir as pessoas, com a imagem que elas têm da Igreja Católica tradicional. E o conceito de senso comum pode auxiliar o convencimento de que o acesso à proteção registrária é de ser impedido: “Todo mundo entende por senso comum certo número de noções evidentes por si mesmas, onde todos os homens vão buscar os motivos de seus juízos e as regras de sua conduta. Mas o que não se sabe bastante é que esses princípios são, simplesmente, as soluções positivas de todos os grandes problemas que a filosofia agita... o senso comum é uma filosofia propriamente dita, pois se encontra espontaneamente no fundo de todas as consciências, independente de toda pesquisa científica” ( Jouffroy, “Mélanges Philosophiques”, apud Garrigou-Lagrange, “Le Sens Commun” Nouv. Lib. Nat., 1922, p. 85/7).


É a perene filosofia, imorredoura como a razão humana. Obra dos séculos, essa filosofia tradicional não é senão a perpétua justificação das soluções do senso comum, ou do bom senso, ao qual repugna a idéia de apropriação do nome de entidade semelhante, ainda que aparentemente destinada a práticas de elevação.


V. Sob outro prisma o tema admite análise. O Direito Brasileiro contempla a proteção de marcas, patentes e direitos autorais, a constituir “um incentivo à criatividade”, além de evitar “o caos, a deslealdade e a prepotência” (AC. 56.690-1, São Paulo, Rel. Des. Jorge Tannus, RJTJESP-97/228).


A entidade apelada inclui em sua denominação três expressões que revestem significado bastante em si: Igreja Católica Apostólica. A locução de que se utilizou é elemento integrante, constitutivo e distintivo do nome da apelante. Tanto que, ao se referir qualquer pessoa a Igreja Católica, pressupõe-se a expectativa de comportamento de que o ouvinte imediatamente absorva e assimile o significado relativo à Igreja Católica Apostólica Romana. A colidência é manifesta e a mera possibilidade de confusão afastaria a possibilidade de utilização do nome posterior, reconhecida a preferência de uso pela entidade prejudicada. Assim tem entendido a jurisprudência do E. Tribunal de Justiça de São Paulo (RJTJESP-60/191).


Não se pode exigir uma imitação completa. É suficiente, como o fez a entidade de denominação registrada, se confiam ao nome elementos comuns, indistintos, para tornar viável o quid pro quo por parte das pessoas medianas, quase sempre imunes a um exame mais atento. Valeria recorrer ao conceito de imitação de Gama Cerqueira, tantas vezes invocado nos julgamentos referentes à proteção da propriedade industrial: “Verifica-se imitação sempre que uma nova marca, em seu conjunto ou em uma de suas partes, desperta a impressão visual ou fonética da outra existente, ou sugere ao espírito a mesma idéia que esta, de modo a induzir em erro ou confusão o consumidor” (“Patentes e Máquinas”, p. 300, in RJTJESP-75/142). O princípio é o mesmo e a natureza diversa da atuação das duas entidades aqui consideradas, mas legítima a cautela com que se houve o registrador.


A proximidade léxica entre as duas denominações perturba a atuação apostólica de cada qual. A confusão, aqui, não cai na sede da inconseqüência de contaminação. A identidade não é acidental e molesta, não apenas potencialmente, à primeira delas, ora apelante. Ressalta-se que atuarão no mesmo universo, arrebanhando idêntica faixa de fiéis, com a explicação de individualidade insuficiente para acentuar sua diferença institucional. Concreta e aparente, portanto, a ilicitude entrevista.


Não se houve a Igreja Carismática com a boa-fé cujos contornos os Romanos precisaram. “A boa-fé deve ser considerada de um modo negativo. Desde que o interessado ignore a situação do seu parceiro,... é lícito concluir pela sua boa-fé. Os Romanos, designando essa ocorrência, se valem destas expressões: - ignorare, putare, existimare, nescire, e quando se referem à má-fé, a qualificam como um estado de ciência. Daí dizer-se que a boa-fé se caracteriza somente pelo estado de ignorância do sujeito, ou pela sua crença e opinião de que o direito é aquele que sua compreensão representa” (Octávio Moreira Guimarães, “Da Boa-Fé no Direito Civil Brasileiro”, 2ª. Ed., Saraiva, SP, 1953. P. 30).


É fato notório a existência de uma Igreja Católica Apostólica Romana. Ninguém poderia ignorá-lo e, nestes autos, a circunstância restou perfeitamente caracterizada, mediante a recusa do registrador, seguida de chamamento da terceira interessada. Escusado à Igreja Carismática alegar desconhecimento. Ao pretender o registro, nele insistindo mesmo após explicitadas as razões da apelante, desacompanhou a Igreja Carismática o último dos preceitos caracterizadores da tríplice inclinação natural do homem, com vistas à conservação, à propagação e à elevação do homem. Sobre isso discorre Alceu Amoroso Lima, remetendo à obra de GREDT: “Pode-se distinguir no homem uma tríplice inclinação natural, como substância, como animal e como racional. Enquanto é substância, inclina-se a conservar o seu ente, e segundo essa inclinação veda a lei natural o suicídio e preceitua aquilo que se refere à conservação de si mesma, como seja a nutrição. Enquanto é animal, inclina-se a conservar a sua espécie pela geração e educação dos filhos e de acordo com essa inclinação existem todos os preceitos, que dizem respeito à geração, ao matrimônio e à educação dos filhos. Enquanto é racional inclinar-se a conhecer a verdade e a viver em sociedade, e segundo essa inclinação ordena a lei natural que o homem evite a ignorância e não ofenda àqueles com quem deve conviver” (“Introdução ao Direito Moderno”, 3ª. Ed., Agir, 1978, Rio, p. 99).


Por último, não se trata de qualquer orientação confessional, que pudesse direcionar a análise no sentido objetivado pela apelante. É a mera constatação de que a boa-fé, a imaginação criadora, o repúdio pela imitação e pela apropriação de idéias, preordenada ao proveito que se extrairá da confusão, reside na consciência do comum dos homens.


Catherein já reconhecia que “O Cristianismo derramou abundante luz sobre tais verdades. Porém elas já são, por si, acessíveis à razão, como provavam os exemplos dos grandes filósofos da antigüidade: Sócrates, Platão, Aristóteles, Cícero e outros” (“Filosofia Del Derecho”, trad. A. Jardon e C. Barja, 4ª. Ed., Reus, Madrid, 1941, p. 205/206). A propósito, basta a reflexão serena sobre o texto de Confúcio que segue: “O homem, dizem os nossos antigos sábios, é um ser à parte, em que se reúnem as qualidades de todos os outros seres. Ele é dotado de inteligência, perfectibilidade, liberdade e sociabilidade; é capaz de discernir e comparar, de agir em vista de um fim e escolher os meios necessários para a consecução desse fim. Pode aperfeiçoar-se ou depravar-se, conforme o bom ou mau uso que fizer de sua liberdade; conhece virtudes e vícios e sente que tem deveres a cumprir para com o Céu, para consigo mesmo e para com o próximo” (apud T. Rothe, “L’Esprit du Droit chez les Anchiens”, R. Sirey, Paris, 1928, p. 154/155).


VI. O parecer que se permito submeter à superior consideração de Vossa Excelência é no sentido do provimento do apelo para que se recuse o registro à Igreja Católica Apostólica Carismática no Brasil, com fundamento no artigo 115 da Lei de Registros Públicos, de acordo com a interpretação que ora se lhe conferiu.


Ao elevado discernimento de Vossa Excelência.


São Paulo, 15 de setembro de 1987.


(a.) José Renato Nalini, Juiz de Direito Corregedor”.


II. O ACÓRDÃO


“Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº. 7.150-0/5, da Comarca de Campinas, em que é apelante a Igreja Católica Apostólica Romana, rep. p/ Dom Gilberto Pereira Lopes, apelado o Sr. Oficial do Cartório de Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica e interessada a Igreja Católica Apostólica Carismática no Brasil, rep. por Euclides Nunes.


Acórdam os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento à apelação. Custas na forma da lei.


O relator inicialmente confirmava a sentença, mas reconsiderou seu ponto de vista em face do voto do eminente 3º. Juiz, que ficou unanimemente acolhido como razão de decidir, nos seguintes termos:


“Meu voto, coma devida vênia, acompanha o do Sr. Revisor e dá provimento ao apelo.


Pouco se tem a acrescentar ao primoroso parecer do Dr. Nalini que, a meu ver, bem enfoca a controvérsia e lhe dá solução adequada.


A ordem pública e os bons costumes referidos no artigo 115 da Lei de Registros passam, na espécie, pelo exame do artigo 153, § 5º. Da Constituição Federal, onde se garante aos crentes o exercício do próprio culto religioso.


Essa garantia há de compreender a segurança de que a prática do culto não seja inibida por contrafações maliciosas capazes de induzir em erro os adeptos de determinada religião”.


Dentro desse ângulo, como no parecer se observa, “difícil concluir-se que a pretensão ao registro de sociedade eclesiástica inspirada integralmente numa outra, de que são reproduzidos, com pouca imaginação, os três primeiros e identificadores nomes, possa revestir um ato moralmente idôneo. É lição de senso comum que, obtido o registro, essa Igreja se prestará a confundir as pessoas, com a imagem que elas têm da Igreja Católica tradicional”. Como aliás, notícias existentes nos autos já deixam claramente entrever. De qualquer forma, “a proximidade léxica entre as duas denominações perturba a atuação apostólica de cada qual”.


Mutatis mutandis, aplica-se aqui a conhecida lição de GAMA CERQUEIRA, no sentido de que ocorre imitação proibida “sempre que uma nova marca, em seu conjunto ou em uma de suas partes, desperta a impressão visual ou fonética da outra existente ou sugere ao espírito a mesma idéia que esta, de modo a induzir em erro ou confusão o consumidor”.


A permissão do registro importaria em conseqüênte ambigüidade em prejuízo da Igreja antes estabelecida e à qual não se pode negar o legítimo direito de defesa das notas características de sua identidade, nelas compreendidas o nome, a estrutura organizacional e o culto religioso, a cujo exercício o Poder Público, na forma de Lei Maior, não deve criar embaraço (art. 9,, II).


Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores Marcos Nogueira Garcez, Presidente do Tribunal de Justiça e Milton Evaristo dos Santos, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.


São Paulo, 19 de outubro de 1987.


(a.) Sylvio do Amaral, Corregedor Geral da Justiça e Relator”


Passam os dizeres de tais documentos despertar a atenção para quanto de ilício e fraudulento ocorre no plágio, na exploração financeira e no curandeirismo praticados por várias correntes do Brasil contemporâneo!

Postar um comentário

Deixe seu Comentário: (0)

Postagem Anterior Próxima Postagem