Os falsos caminhos para Deus

 


Autor: Rondinelly Ribeiro


Ao longo da história, a humanidade tem procurado relacionar-se com Deus. E este, por sua vez, tem tido sempre o cuidado de se comunicar com os seres humanos. As religiões são caminhos dos homens a Deus e dele aos homens. Todas conservam, em seu interior, as belezas da revelação divina, além das experiências religiosas de seus profetas, líderes, fundadores e fiéis.


Se só existisse essa face positiva e nobre das religiões, o diálogo entre elas e a percepção de seu papel na salvação seriam evidentes. Muitos de seus fundadores, entretanto - ministros credenciados, sacerdotes, pajés, gurus, mestres e outros funcionários -, têm percepções limitadas de Deus e cedem aos desejos e imperativos contrários à grandeza e pureza divinas.


Sem considerar os níveis mais graves de degradação, em todas as religiões infiltram-se atitudes humanas menos condizentes com a sua natureza.


Refletir sobre Deus exige, logo de início, purificar os caminhos que nos conduzem a ele. No decorrer da história da relação com Deus, os seres humanos criaram uma série muito grande de atitudes e práticas espirituais, uma santas e conformes à dignidade divina, outras falsas e ofensivas a ela. Toda revelando o grau de compreensão ou incompreensão que se tem de Deus. Só alcançando sua raiz teológica é que se consegue distinguir e separar o joio do trigo.


Vejamos, a seguir, as posturas e práticas, em desacordo coma santidade de Deus, mais comuns na história religiosa da humanidade: magia, astrologia, superstição e neopaganismo.


O termo magia vem da palavra mago, de origem persa. O Evangelho do nascimento menciona os magos que vieram do Oriente para adorar o Menino Jesus (cf. Mt 2,1-12). Eles eram pessoas dotadas de qualidades que, hoje, chamaríamos de parapsicologia ou paranormalidade. Os magos praticavam o culto solar, a adivinhação, a astrologia e a interpretação dos sonhos, além de, em alguns países, assegurar o monopólio sacerdotal. Como se vê, o termo já vem carregado de religiosidade e de práticas, as mais diversas, envoltas em mistério, na relação com o mundo divino.


A magia é uma das práticas religiosas mais antigas da história das religiões e persiste até hoje, explícita ou camuflada, mesmo na religião cristã. Baseia-se na convicção de que a natureza, determinados objetos e certos ritos têm forças espirituais e divinas, que podem ser captadas e direcionadas para o bem (magia branca) ou para o mal (magia negra). Ela revela um movimento primitivo da criatura na busca da vida religiosa. Deus, o mundo divino e os santos estão aí, com suas forças disponíveis. A magia consiste em manipular essas forças, ora por astúcia, ora por habilidade, em benefício ou malefício das pessoas.


É inegável, nos grupos humanos, o poder das pessoas que manejam as forças espirituais. Mesmo que isso pareça de extremo primitivismo religioso e, por conseguinte, distante da consciência moderna, é espantoso verificar como até pessoas cultas recorrem ao uso de práticas mágicas em situações e decisões importantes da vida. Hegel, filósofo alemão, dizia que a magia se encontra em todos os povos e tempos.


O comportamento mágico- religioso é espontâneo. Por isso, sem aprofundar a concepção de Deus e a relação pessoal com ele, é fácil assumir certas práticas de caráter mágico da vida religiosa comum. Para cortar pela raiz a tentação da magia, é preciso cultivar a compreensão de Deus como pai bondoso e cheio de misericórdia, que só quer o nosso bem. Não existem forças espirituais ou divinas que sejam neutras e, pois, disponíveis para manipulação na direção do bem e do mal das pessoas. Existe um Deus que criou o cosmos e suas leis, que visam, em primeiro lugar, ao bem de todos, mas que podem, algumas vezes, causar malefícios.


O movimento dos mares, os fenômenos atmosféricos e a lei da gravidade, por exemplo, existem como um conjunto que tornou possível a vida humana. Sem uma inteligência e amor infinito, não se entende como milhões de fatores de associaram para que a vida humana surgisse e se desenvolvesse. De nossa parte, não é preciso manipular magicamente nenhum desses elementos para nosso bem e, eventualmente, para o mal de algum inimigo. Eles foram criados e continuam sendo sustentados por Deus para a vida.


Cai, assim, o pressuposto fundamental da magia, que desconhece um Deus pai de bondade e imagina que as energias espirituais e divinas são ambivalentes. Ora, se elas não realizam sempre nosso bem, é pela limitação inerente ao fato se sermos criaturas imperfeitas e essa barreira nenhuma prática mágica conseguirá romper.


Além do mais, a magia expressa certas tendências, desejos e sonhos pretensiosos do ser humano. Este, porque foi criado por e para Deus, tem em si a marca divina. Em vez de reconhecê-la como fonte de sua dignidade e em espírito de gratidão, é tentado a prevalecer-se dela e igualar-se ao Criador. O autor sagrado via aí a tentação primordial. "Vocês se tornarão como deuses, conhecedores do bem e do mal" (Gn 3,5). Neste simbolismo, aparece a pretensão do ser humano de dominar o mundo divino com suas artimanhas. O oposto à magia é a adoração, a contemplação gratuita de Deus na certeza de ser amor infinito, sem precisar, de modo algum, atrair as forças divinas, muito menos de maneira ardilosa.


Embora mais sofisticada, a astrologia pode revelar a mesma mentalidade mágica. Por meio dos horóscopos, ela se tornou alimento diário de milhões de nossos contemporâneos. Ainda que ocorra numa sociedade científica secularizada e sem menção direta e explícita a Deus, o fenômeno remonta à categoria do religioso. O horóscopo associa o nascimento da pessoa ao céu de sua conjuntura astral para assim conhecer e determinar fatores eventuais da vida, sobretudo nos campos da afetividade, saúde, dinheiro, poder e empreendimentos, entre outros.


A astrologia não participa do aspecto mágico de querer manipular as forças celestes em benefício ou malefício de alguém, numa verdadeira negociação com o céu, mas pretende conhecer e levar em consideração as advertências dos astros para defender-se de um destino já traçado.


Independentemente de suas previsões bastante genéricas e fluidas - a ponto de as pessoas interpretarem como mensagens pessoais o que não passa de projeção de seus desejos -, recorrer a horóscopos reflete uma atitude religiosa de submissão ao poder "sagrado" dos astros.


À luz da compreensão de Deus Pai, essa atitude é ambígua. Aceitar que os astros, em suas diferentes conjunturas, possam influir sobre nosso psiquismo não reflete um comportamento religioso. Sabe-se que as fases da Lua influenciam no crescimento do cabelo e comportamento dos animais. Esse fenômeno deve ser tratado, estudado e controlado pela ciência. Para sair do campo mágico, é necessário um mínimo de experimentação científica. Por outro lado, há pessoas dotadas de qualidades sensitivas, que captam intuitivamente, mesmo que não consigam demonstrá-la em termos científicos, efeitos das conjunturas astrais mas pessoas. Estamos, de novo, no campo das experiências humanas psicossomáticas.


Contraria radicalmente a concepção e o proceder de Deus Pai, revelados na tradição bíblica, acreditar que nosso destino humano na história e, mais grave ainda, ma salvação, esteja inscrito de antemão no movimento dos astros. A essência da revelação bíblica é o diálogo de liberdades - a de Deus e a do ser humano. Só nesse jogo livre cabem as realidades fundamentais de nossa existência: graça, responsabilidade ética, pecado e conversão.


A superstição é muito popular porque responde a dimensões do viver humano em toda a sua ambigüidade. De fato, tanto no nível científico como rotineiro, observamos os fenômenos que nos cercam com uma interrogação persistente, para encontrar a conexão entre causa e efeito.


A ciência descobre e estabelece leis, princípios e teses, que vigoram até ser inválidos e substituídos por outros. Conhecemos, dessa forma, os sistemas ptolomaico, newtoniano, einsteiniano e assim por diante. Idêntico proceder ocorre no dia-a-dia, e as pessoas vão formulando suas associações, ora sem nenhum fundamento objetivo e simplesmente por casualidade, ora com alguma base objetiva, ainda que não científica. A superstição se ancora nessa experiência humana.


Vamos imaginar, por exemplo, que, por pura coincidência, em várias sextas-feiras 13, aconteceram infortúnios. Desconfia-se, então, que esse dia é de mau agouro. E toda vez que, de fato, acontecer algo ruim nessa data, a suspeita de confirma. Depois, entende-se a desconfiança para o número 13. Quando o procedimento atinge o nível religioso de destino ou fatalidade, já estamos no campo da superstição. Logo surgirão os antídotos espirituais. E, assim, se forma o círculo supersticioso.


A superstição também pode nascer de um fato em que houve em nexo objetivo. Suponhamos uma situação de guerra, em que o inimigo esteja escondido e camuflado a certa distância. Alguém acende três cigarros com o mesmo palito de fósforo, denunciando sua presença ao inimigo. Em seguida, é atingido por uma granada. Conclusão: acender três cigarros com um só palito de fósforo traz mau agouro. Esquece-se a experiência de origem e brota a superstição.


Na análise à luz de Deus Pai, encontramos, de novo, a imagem deturpada da sabedoria e bondade divinas. A superstição se aproxima da concepção mágica de que forças físicas e espirituais estão direcionadas - de maneira determinista e à revelia do próprio Deus - contra a vida humana, e, para nos defender precisamos conhecê-las e nos prevenir contra elas.


O melhor remédio para essa deficiência religiosa é crer no Deus criador e salvador, que quer, de fato, exclusivamente nosso bem. Mesmo nos infortúnios, ele está ao nosso lado. Esta é a mais reconfortante certeza.


O neopaganismo é um fenômeno novo que se estende cada vez mais neste fim de milênio e sobre o qual convém refletir. Não se trata aqui do sentido bíblico-cristão de paganismo, que indica todos os povos que não fazem parte da aliança judaica (Antigo Testamento) ou que não foram alcançados pela pregação cristã (Novo Testamento). Numa palavra, todos os povos que não pertencem a nenhuma das três religiões monoteístas: cristianismo, judaísmo e islamismo.


O paganismo surge como uma religião pós-cristã, praticada por antigos batizados no cristianismo, mas que defendem valores religiosos em contraste com a Revelação bíblica, remontando às religiões pagãs da Antigüidade ou a outras formas atuais não tocadas pelo cristianismo. O surto neopagão só se entende no presente contexto por suas aspirações religiosas, em contraste com as opções históricas do cristianismo. Há um cansaço da ideologia capitalista de consumo, que transformou o ser humano num ser de necessidade, cuja realização se encontra no jogo de produtividade máxima, para usufruir, também intensamente, dos bens materiais. Produziu-se uma degradação do desejo humano, transformado em necessidade de possuir ou aproveitar dos produtos do sistema. Nessa âmbito, se entende o fenômeno neopagão. Cansadas de tanto materialismo, as pessoas vão em busca de manifestações espirituais.


O neopaganismo reage negativamente à ação histórica do cristianismo, julgando que este destruiu as raízes mais profundas das culturas dos povos primitivos, fazendo-os perder sua inocência, e impondo a religião única e uma só moral. Que, pelo seu igualitarismo, destruiu energias e o gosto da vida. Estabeleceu rígido corte entre Deus e o mundo, introduzindo um dualismo pernicioso. E defende o retorno às formas religiosas anteriores à presença cristã no Ocidente: tolerância religiosa, diversidade de caminhos religiosos e morais e pluralidade de deuses.


O movimento neopagão vem ao encontro do desejo religioso presente, que se exprime na busca de uma religião que seja consolo, prazer, realização de si e desenvolvimento das potencialidades humanas, especialmente pela expansão da consciência. O neopaganismo crê que assim se corrigem as deformações causadas pela tradição judaico-cristã.


No contexto europeu, esse movimento ressuscita formas religiosas indo-européias. Na realidade latino-americana, motiva o aparecimento de novas expressões religiosas sincréticas, que se inspiram em ritos sagrados xamânicos, indígenas e africanos. No íntimo, respondem aos anseios e desejos de uma religião que seja mais sentimento experiência e liturgia do que fé, doutrina e moral.


Mais sutis ainda são as inúmeras formas neopagãs secularizadas. O aspecto cultural e sagrado de disfarça sob as mais diversas expressões, algumas moderadas, outras beirando a exaltação. No centro, está a aspiração fundamental à harmonia consigo, com a natureza e com os outros. Ora se desenvolve um cultivo esmerado do corpo e espírito, com técnicas físicas e psicoespirituais, hidromassagens e meditação transcendental e exercícios de respiração e expansão da consciência. Ora as pessoas se entregam a exaltações ecológicas, com celebrações da natureza revestida de qualidades divinas. Em todos esse casos, o transcendente perde a identidade própria para dilui-se na criatura, sacralizando-a, de modo camuflado ou ostensivo.


Provavelmente, é a corrente religiosa mais insubmissa e difícil de responder do ponto de vista de Deus. Ela se contrapõe, precisamente, ao judaísmo e ao cristianismo, que vê como malfeitores da cultura ocidental. Deus, que cria, transcende infinitamente o mundo e é mistério absoluto, está sob terrível suspeita. O neopaganismo se coloca na margem oposta ao monismo, enquanto o Deus de Israel, de Jesus Cristo e da Trindade não se deixa diluir em nenhuma criatura.


A reflexão mais profunda, tanto da criação como do chamado de Deus Pai a todas as pessoas para uma comunhão de amor com ele, pode oferecer, no entanto, nova compreensão da radical dualidade - Deus e criatura -, sem cair no dualismo, que o neopaganismo combate com justeza.


À medida que vamos excluindo os caminhos impenetráveis para nos acercar de Deus, adquirimos também melhor entendimento do mistério infinito. Sempre continuará válida a afirmação de Paulo de que "agora vemos como em espelho e de maneira confusa". E só na vida eterna "veremos face a face. Agora o meu conhecimento é limitado, mas depois conhecerei como sou conhecido" (1Cor 13,12).


A pretensão de possuir o divino e identificar-se com ele na vida presente revela um desejo profundo do ser humano. No entanto, na Terra, a experiência de Deus será sempre mediada por criaturas, enquanto nos está reservado um encontro definitivo com ele na transparência da vida eterna.


(Pesquisado na Coleção "A Caminho do Novo Milênio" - Revista Família Cristã - Págs. 402, 403, 404 e 405).

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