Código da Vinci - D. Estevão Bettencourt


D. Estevão Bettencourt, OSB


Revista “Pergunte e Responderemos”


ANO XLV OUTUBRO 2004 EDIÇÃO 508


Em síntese: O livro é um romance policial que refere a rivalidade entre a prelazia católica do Opus Dei e o Priorado de Sião, desejosos ambos de descobrir o Santo Graal, ou seja, o túmulo de Maria Madalena, "esposa" de Jesus e mãe de uma linhagem até hoje existente. O autor da obra agride preconceituosamente a Igreja Católica (em particular, o Opus Dei); Jesus terá sido mero homem endeusado pêlos adeptos do machismo eclesiástico em lugar da deusa Vênus. - O livro descreve obras de arte, arquitetura e rituais secretos - o que pode causar a impressão de que é um relato totalmente histórico;tal conclusão seria falsa, pois o autor é um romancista, e não um profissional da historiografia.


O romance policial "O Código da Vinci", de Dan Brown, tem feito sucesso e já foram vendidos mais de dez milhões de exemplares da obra no mundo inteiro. Foi traduzido para vários idiomas, segundo informa The New York Times de 29/04/04. A versão brasileira é da Editora Seírfánte.


As páginas subseqüentes serão dedicadas à análise da obra.


1. O enredo da obra


O livro tem como tema central o Santo Graal (deformação de "Sangue Real"?). Não se deveria crer que este seja o cálice do qual Jesus bebeu na última Ceia e no qual José de Arimatéia recolheu o sangue do Crucificado, mas seria o sepulcro de Maria Madalena, dentro do qual se encontrariam também documentos secretos pertencentes outrora ao Templo construído por Salomão. Segundo o romance, quem adquirisse tais relíquias adquiriria poderes de grande alcance sobre este mundo. No enredo as duas sociedades rivalizam entre si para descobrir tal tesouro: o Opus Dei, em nome da Igreja Católica, e o Priorado de Sião, em nome da "verdade histórica", que a Igreja Católica estaria escondendo a fim de manter seu falso Credo e sua posição de domínio. Na verdade, segundo o enredo. Maria Madalena foi casada com Jesus, do qual teve filhos e toda uma linhagem existente até os dias atuais. Os descendentes de Madalena e Jesus no século V se teria casado com pessoas de sangue real francês, dando origem à dinastia dos Merovíngios, à qual pertencia o famoso rei Dagoberto. A Igreja terá realizado missões secretas para matar membros dessa dinastia protegida pelo Priorado de Sião.


Mais: Jesus Cristo terá sido mero homem ou um profeta fascinante que conseguiu atrair muitos discípulos, de modo que ficaram dividos os habitantes do Império Romano; no século IV o Imperador Constantino quis unificar a população do império e, para tanto, obteve do Concílio de Nicéia l (325) a profissão de fé na Divindade de Jesus; Este passou a ser considerado Deus; a religião cristã daí decorrente tornou-se o elo unificador dos habitantes do Império Romano. Tais concepções vão expressas na seguinte passagem


“Jesus Cristo foi uma figura histórica de uma influência incrível, talvez o mais enigmático e inspirador líder que o mundo jamais teve. Como o Messias profetizado, Jesus derrubou reis, inspirou multidões e fundou novas filosofias. Como descendente do rei Salomão e do rei Davi, Jesus teria direito de reclamar o trono de Rei dos Judeus. Não é de se admirar que sua vida tenha sido registrada por milhares de seguidores em toda a região. - Teabing parou para tomar um gole de chá e depois colocou a xícara de volta sobre o consolo. - Mais de 80 evangelhos foram estudados para compor o Novo Testamento, e no entanto apenas alguns foram escolhidos - Mateus, Marcos, Lucas e João”.


- E quem escolheu esses evangelhos? - Indagou Sophie.


- Aí é que está! - exclamou Teabing, cheio de entusiasmo. - A ironia fundamental da cristandade! A Bíblia, conforme a conhecemos hoje, foi uma colagem composta pelo imperador romano Constantino, o Grande.


- Pensei que Constantino fosse cristão - disse Sophie.


- Que nada!-zombou Teabing. - Foi pagão a vida inteira, batizado apenas na hora da morte, fraco demais para protestar. Na época de Constantino, a religião oficial de Roma era o culto de adoração ao sol- o culto do Sol Invictus, ou do Sol Invencível -, e Constantino era o sumo sacerdote! Infelizmente para ele, Roma estava passando por uma revolução religiosa cada vez mais intensa. Três séculos depois da crucificação de Cristo, seus seguidores haviam se multiplicado exponencialmente. Os cristãos e pagãos começaram a lutar entre si, e o conflito chegou a proporções tais que ameaçou dividir Roma ao meio. Constantino viu que precisava tomar uma atitude. Em 325 d. C., ele resolveu unificar Roma sob uma única religião: o cristianismo (pp. 248s).


Como Constantino promoveu Jesus a divindade quase quatro séculos depois da sua morte, existem milhares de documentos contendo crônicas da vida Dele como homem mortal. Para reescrever os livros de história, Constantino sabia que ia precisar tomar uma iniciativa ousada. Surgia naquele momento o fato crucial para a história cristã. - Teabing parou, olhando para Sophie. - Constantino mandou fazer uma Bíblia novInha em folha, que omitia os evangelhos que falavam do aspecto humano de Cristo e enfatizavam aqueles que o tratavam como divino. Os evangelhos anteriores foram considerados heréticos, reunidos e queimados" (p. 251).


Na disputa em torno do Graal D. Brown atribui papel importante à prelazia do Opus Dei, sociedade católica muito estimada pelo Papa João Paulo II, mas caricaturada pelo romancista como escola de ascese desumana e entidade politicamente poderosa. O Papa sucessor do atual, segundo Brown, despojará de seus títulos honrosos o Opus Dei. Entrementes tal sociedade, no romance, chega a matar para conseguir seus objetivos, como se o fim justificasse os meios.


Logo no início do livro observa Brown:


"O Priorado de Sião- sociedade secreta européia fundada em 1099 - existe de fato...


Todas as descrições de obras de arte, arquitetura, documentos e rituais secretos neste romance correspondem rigorosamente à realidade."


Tais afirmações podem suscitar a pergunta: como poderá o leitor saber o que é romance ou ficção imaginosa e o que é realmente histórico? Movidos pela advertência do início do livro, muitos talvez dêem valor histórico a cenas que não o têm. Daí a conveniência de uma análise mais detalhada da obra.


2. Leonardo da Vinci


O título mesmo do livro desperta a questão: por que "... da Vinci"? Quem foi Leonardo da Vinci?


- A razão do título está no fato de que a primeira inscrição que, segundo o romance, deve levar à descoberta do Graal, se encontra associada ao desenho do Homem Vitruviano, o mais famoso croqui de Leonardo da Vinci. "Considerado o desenho anatomicamente mais correto de sua época, o homem Vitruviano de Da Vinci havia-se tornado um ícone da cultura moderna, aparecendo em cartazes... e camisetas em todo o mundo" (p. 54). Declara ainda Robert Langdon, professor de Simbologia Religiosa:


"Acabou de me ocorrer a idéia de que Saunière tinha em comum com Da Vinci grande parte de sua filosofia espiritual, inclusive uma preocupação com o fato de a Igreja haver eliminado o sagrado feminino da religião moderna. Talvez, ao reproduzir um desenho famoso de Da Vinci, Saunière estivesse apenas manifestando algumas frustrações com a demonização da deusa por parte da Igreja", (p. 55).


Daí a pergunta: Qual seria o perfil de Leonardo Da Vinci?


Leonardo nasceu aos 14/04/1452 no povoado de Vinci (em italiano a partícula “da” significa a origem). Desde criança manifestou grande avidez pelo estudo de gramática, cálculo, física... excluídos o grego e o latim; desenhava, pintava, inventava pequenos aparelhos - o que lhe granjeou fama. Como adulto, foi convidado para trabalhar em várias cidades da península itálica e deixou famosos quadros, entre os quais A Última Ceia, A Gioconda (Mona Lisa), A Virgem da Rocha... Faleceu aos 02/05/1519.


Era um homem esbelto de porte majestoso. Deixou sete mil páginas escritas que, apesar de numerosas, pouco revelam do seu íntimo; é o que explica a diversidade de interpretações que os historiadores dão à sua personalidade. Estimava a beleza, não porém feminina. Não se casou. Há quem o considere homossexual, tendo em vista o caso Saltarelli: aos 25 anos de idade foi denunciado por ter freqüentado, com três companheiros, um jovem chamado Saltarelli; inocentado, porém, por falta de provas. Os críticos notam que em seus escritos há uma só referência ao nome de uma mulher, "de semblante fantástico". Em suma, Leonardo levou uma vida digna, acima dos costumes do seu tempo. São palavras suas:"O homem que não domina suas paixões desce ao nível das bestas".


Um dos enigmas dessa personalidade é o contraste entre mansidão (Da Vinci era vegetariano e comprava pássaros engaiolados para pô-los em liberdade) e invenção de aparato bélico para devastar e matar.


Leonardo mereceu mais a admiração do que a simpatia dos seus contemporâneos era dedicado e fiel aos amigos, entre os quais ele sobressairia por seu vasto cabedal de ciências naturais; este acervo científico o tornou precursor da hidráulica, da balística e da aviação.


No plano da Religião, permanece o mistério. Há quem o tenha considerado adepto de uma religião natural, ignorando a revelação cristã. Outros o têm como pai do racionalismo, outros ainda, como "sem religião" ou ainda... como maometano. Nele o intelecto funcionava mais do que o coração. Apesar disto, a pintura de Leonardo Da Vinci foi considerada pelos críticos, seus contemporâneos, como suave e piedosa.


O fato é que em seus últimos momentos quis informar-se com precisão a respeito da fé católica, confessou-se compungido até as lágrimas e recebeu a SS. Eucaristia.


3. O "Opus Dei (Obra de Deus)


O Opus Dei (Obra de Deus) é uma instituição da Igreja Católica, de extensão e regime universais, fundada por Mons. Josemaria Escrivã de Balaguer y Albás em 1928, a fim de avivar em homens e mulheres cristãos a consciência de que todos são chamados à santidade, mesmo que tenham vocação secular; é através do cumprimento dos deveres na família e na profissão que o cristão deve chegar à perfeição. O Opus Dei não impõe votos aos seus sócios, mas pede-lhes que assumam com toda a seriedade os seus compromissos de Batismo; oferece-lhes ou-trossim meios de santificação e formação doutrinária, em estrita fidelidade à S. Igreja.


Desfazendo Equívocos



1. Os membros do Opus Dei não estão obrigados a guardar segredo a respeito da sua inserção na Obra; esta não é sociedade secreta. Pede-se-lhes apenas que não falem, sem razão, da sua vocação pessoal, como ninguém fala, sem propósito definido, da sua fidelidade à esposa ou da sua lealdade para com a pátria. Doutro lado, porém, não há por que dissimular a pertença ao Opus Dei sempre que se faça oportuno manifestá-la.


2. Em matéria de política, o Opus Dei não assume posições partidárias. Está a critério de cada um dos seus sócios fazer a opção política que lhe pareça conveniente dentro dos referenciais da fé católica; podem mesmo os sócios aspirar ao exercício da militância política dentro de algum partido legítimo ao cristão.


Por conseguinte, verifica-se que é falso atribuir ao Opus Dei alguma vinculação com o antigo regime franquista da Espanha ou com algum sistema de direita; acontece mesmo que, sob o governo franquista, alguns sócios eram avessos a este, chegando a estar presos ou a ser destituídos de funções públicas por sua oposição ao regime.


3. Paralelamente deve-se dizer que o Opus Dei não controla empresas nem bancárias nem industriais nem jornalísticas; não pretende dirigir Universidades nem exercer funções públicas como às vezes se diz.


Na verdade, o Opus Dei não dirige atividades lucrativas nem oferece lucros aos seus sócios; não há vantagens pecuniárias em tornar-se membro do Opus Dei. Este empreende serviços que geralmente são deficitários, como cursos noturnos para operários, residências de estudantes, escolas agrícolas, cursos de verão, oficinas de costura, casas de retiros espirituais, clínicas e dispensários, centros de assistência e beneficência em regiões subdesenvolvidas, centros de catequese, etc. Principalmente o magistério tem merecido a atenção do Opus Dei.


4. Jesus Cristo e a Igreja


As afirmações de Dan Brown sobre Jesus Cristo e a Igreja são as de um romancista; por conseguinte não pretendem ser levadas a sério. Como quer que seja, merecem breve reflexão.


O autor diz que no século IV ou no Concílio de Nicéia l (325), sob os impulsos do Imperador Constantino, a Igreja proclamou pela primeira vez a Divindade de Jesus, tido até então como simples profeta. - Ora quem assim fala, deve ter visto documentos que mostrem como se exprimia a Igreja antes de 325, é necessário apresentá-los ao público para comprovar a tese de Dan Brown; deve também apresentar documentos que provem a adoração de uma deusa, que o machismo clerical terá substituído por Jesus Cristo nas origens do Cristianismo. Talvez alguém responda: existem tais documentos, mas são secretos como secreto é o Santo Graal.


- Replicamos: Uma afirmação gratuita ou sem comprovante não pode ser levada a sério, principalmente quando afeta os grandes valores da humanidade.


Quanto à catalogação dos Evangelhos, é arbitrário dizer que até 325 havia oitenta Evangelhos, dos quais quatro foram escolhidos como canônicos por obra de Constantino, "que fez a Bíblia novinha em folha"... Será que algum escritor de nossos dias chegou a ver qualquer vestígio dos Evangelhos "que foram queimados"? Como conhecer o seu conteúdo se foram destruídos no século IV? Os paleógrafos, movidos por critérios científicos, sem interferência de Religião, ignoram essa queima de Evangelhos pretensamente praticada no século IV. Os critérios que a Igreja adotou para admitir os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João como canônicos derivam-se não de interesses políticos, mas da consciência do povo de Deus e de seus pastores iluminados pela fé; em 393, no Concílio de Hipona foi definido o catálogo bíblico como ele é hoje na Igreja.


A propósito ainda notamos: quem quer desenvolver um trabalho sério, deve fazê-lo de maneira objetiva sem preocupação ideológica machista ou feminista, recorrendo a documentos que todos possam acompanhar, sem restrições de segredo. - Verdade é que o mistério e o sigilo despertam mais curiosidade do que a verdade científica; costumam, porém, caracterizar o romance policial, e não o trabalho científico; no caso de Dan Brown, é explorado o arcano do Santo Graal, tema do próximo artigo deste caderno.


Chama-nos a atenção ainda um anacronismo:embora enfatize a exatidão de suas informações documentárias, Dan Brown supõe que a sede do governo da Igreja foi o Vaticano desde o século IV; cf. pp 172.250. 275. - Ora no século IV, dada a Paz de Constantino, os Papas fixaram residência no Latrão; somente no século VIII começou a ser construída a residência do Vaticano. Na Idade Média os Papas mudaram freqüentemente de residência, de modo que é falho referir-se ao Vaticano como sede do Papado em qualquer época.


Veja-se abaixo a documentada crítica de Amy Welborn ao romance de Da n Brown.


Decodificando Da Vinci, por Amy Welborn. Tradução de Rosane Albert. - Ed.Cultrix, Rua Dr. Mário Vicente, 368, São Paulo (SP) 2004, 140 x 210 mm, 136pp.


Amy Welborn tem Mestrado em História da Igreja pela Universidade Vanderbilt. É colunista e faz resenhas de livros. A obra acima descrita é uma réplica a Da n Brown, apresentando "os fatos por trás da ficção" (subtítulo). A autora percorre os principais pontos controvertidos a que se refere Dan Brown: Jesus e Maria Madalena, o Graal, os Cavaleiros Templários, Leonardo da Vinci... e mostra que o romancista, embora afirme estar baseado em dados históricos fidedignos, está mal informado ou mesmo carece de fundamentação sólida. Um espécime muito significativo, entre outros, é o que diz respeito ao Priorado de Sião (uma das vigas capitais do romance de Brown). Eis o que se lê à p. 115:


"As histórias que Brown conta sobre os Templários e o Priorado de Sião... A maior parte do que ele diz sobre eles não se baseia em fatos.


Em oposição ao que Brown diz no início do seu livro, o Priorado de Sião não era uma organização de verdade do modo como Brown descreve. Os documentos que ele cita, ao fado daquela lista famosa de grandes mestres, incluindo VictorHugo e, evidentemente, Leonardo da Vinci, são falsificações colocadas na Biblioteca Nacional Francesa, provavelmente no final da década de 1950...


Parece haver evidências de um Priorado de Sião surgindo na França no final do século 19, um grupo de direita dedicado a lutar contra o governo representativo.


O nome aparece de novo exatamente antes da segunda guerra mundial, nos feitos de um homem chamado Pierre P/antard, um anti-semita que buscava purificar e renovar a França".


Perita em história, a autora dissipa a perplexidade que muitos leitores possam conceber ao percorrerem as páginas do romance de Dan Brown. Bem merece a atenção dos estudiosos. Expõe com clareza e bases sólidas o pensamento católico em resposta a Dan Brown.

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