Igreja Católica e...Romana

 


Autor: D. Amaury Castanho


Jundiaí (SP), 20/2/2004-10:36


A Igreja de que Cristo é o fundador, por sua explícita vontade deveria ser "una, santa, católica e apostólica". São características que a distinguem de qualquer outra Igreja. Porém, ninguém encontrará nos textos evangélicos uma referência à sua "romanidade". Por que, então, nós católicos acrescentamos ao Credo, síntese de nossa fé, mais essa característica?


É necessário reler os autores cristãos dos primeiros séculos, como Clemente, Inácio de Antioquia, Eusébio de Cesaréia e outros, incluindo o historiador pagão Tácito, para acompanhar os passos dos Apóstolos Pedro e Paulo. Simão Pedro, depois que Cristo lhe confiou o pastoreio de toda a Igreja (Jo 21,17), após o evento de Pentecostes, proclamou o Evangelho à comunidade de Jerusalém. Depois saiu pelo mundo antigo organizando, entre outras comunidades, as de Alexandria e Antioquia - no Egito - e a de Roma. Entendeu o pescador do Lago de Genesaré, constituído por Cristo primeiro entre os Doze, que os romanos, convertendo-se ao cristianismo, todo o Império acabaria tornando-se cristão. Foi o que aconteceu!


O histórico livro de São Lucas, Atos dos Apóstolos, não faz qualquer referência ao Apóstolo Pedro depois que, no Concílio de Jerusalém, lá pelo ano 40 da era cristã, por ele presidido, disse a última palavra. Nos capítulos seguintes o médico e escritor, discípulo do Apóstolo Paulo, pormenoriza as suas viagens missionárias pelo mundo antigo. Seu importante livro termina abruptamente com a chegada de Paulo, prisioneiro dos romanos, na capital do Império. Silencia sobre o martírio tanto de Pedro quanto de Paulo. É historicamente certo que o Apóstolo Pedro fundou a comunidade cristã de Roma, que ali foi martirizado no ano 64 ou 67 depois de Cristo. Preso e confinado no Cárcere Mamertino, foi levado à colina do Vaticano onde o crucificaram, a seu pedido de cabeça para baixo, por não sentir-se digno de morrer como Cristo. Paulo, cidadão romano, foi decapitado fora dos muros de Roma.


Recordo os anos passados na Cidade Eterna, Roma, entre 1945 e 1951. Nos dias 29 de junho, anualmente descia até a Praça e a Basílica de São Pedro, unindo-me a milhares e milhares de peregrinos de todo o mundo. Dirigia-me ao "altar da confissão" e ajoelhava-me ante o túmulo do grande Apóstolo, primeiro dos 264 Papas. Orava pelo Pontífice daqueles anos, Pio XII, o

Pastor Angélico. Foi um tempo de que tenho saudades, o de minha formação romana. Marcou-me profundamente para toda a vida, levando-me a uma comunhão afetiva e efetiva com todos os legítimos sucessores do Apóstolo Pedro. Vem a propósito transcrever aqui o texto do Bispo Eusébio de Cesaréia em sua clássica "História Eclesiástica": "Logo depois, Pedro empreendeu uma longa viagem além-mar. Fugiu do Oriente para o Ocidente, julgando que somente ali poderia viver de acordo com suas convicções. Veio para Roma onde foi bastante auxiliado. Em pouco tempo as suas iniciativas tiveram êxito. Imediatamente depois, ainda no começo do Império de Cláudio, a Providência divina, universal, boníssima e cheia de amor aos homens, conduziu pela mão, a Roma, o valoroso e grande Apóstolo Pedro, primeiro entre todos pela virtude, autêntico general de Deus. Munido das armas divinas, ele trazia do Oriente para o Ocidente a preciosa mercadoria da luz que anunciava, a palavra de salvação das almas, a boa nova do reino dos céus" (Livro II, capítulo 14). Pouco adiante, no mesmo livro, Eusébio, tido como o pai da história da Igreja, acrescenta:


"Pedro, contudo, depois de ter, parece, pregado aos judeus da diáspora no Ponto, na Galácia, na Bitínia e Capadócia, na Ásia, finalmente foi para Roma onde o crucificaram de cabeça para baixo, conforme ele mesmo desejara sofrer. Depois do martírio de Pedro e Paulo, o primeiro a obter o episcopado na Igreja de Roma foi Lino" (Livro III, capítulos I e II).


Sempre é oportuno lembrar, também, as referências feitas por São Clemente, um dos primeiros sucessores de Pedro no fim do século I e por Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir das primeiras décadas do século II. Ambos falam dos anos do Apóstolo Pedro em Roma, da autoridade que tinha em toda a Igreja nascente e do seu glorioso martírio.


Lá pelo ano 200, escrevia o presbítero Gaio aos leitores de sua obra: "Eu posso mostrar-vos os túmulos dos Apóstolos. Se quereis ir ao Vaticano ou à Via Ostiense, encontrareis os troféus daqueles que fundaram esta Igreja!" Tertuliano, outro grande Padre da Igreja, escreveu em 225: "Pedro foi crucificado e Paulo foi decapitado. Lemos nas vidas dos Césares que Nero foi o primeiro que ensangüentou Roma com a fé nascente". No ano de 392 São Jerônimo, primeiro tradutor de Bíblia para o latim,

acrescentou em seus escritos: "Pedro foi sepultado no Vaticano, perto do caminho triunfal, lá sendo venerado pelos fiéis do mundo inteiro". Sintetizando. O Apóstolo Pedro fundou a comunidade cristã de Roma, pastoreando-a até o seu martírio. Ali na capital do Império, viveram os seus sucessores, passando por Lino, Cleto, Clemente e tantos outros até João Paulo II. Os 70 anos passados por alguns deles no sul da França, em Avinhão, por razões históricas que não vem ao caso dar, sempre exerceram o "ministério petrino" da unidade, da verdade e da caridade. É por esses motivos históricos e dogmáticos que temos a nossa Igreja como "una, santa, católica, apostólica e romana".


Fonte: Font, Dom Amaury Castanho - Administrador Apostólico da Diocese de Jundiaí


Ainda sobre o tema


Fonte: Mundo Catolico

Autor: Cláudio


Excelente o texto enviado para a lista sobre a estadia de Pedro em Roma. Gostaria tambem de dar minha contribuicao sobre este tema. Segue trechos dos ensinos de dom Estevão Bettencourt:


1) A estada de Pedro na Cidade Eterna é insinuada já pela primeira carta do Apóstolo, que em 64 foi escrita de Babilônia (1Pd 5,13), nome que, conforme o NT, designa a capital pagã do Império Romano.


2) Decênios depois, em 96/98, o bispo de Roma São Clemente escrevia aos Coríntios:


"Lancemos os olhos sobre os excelentes Apóstolos: Pedro, que, por efeito de inveja injusta, sofreu não um ou dois, mas numerosos tormentos, e que, depois de ter dado testemunho, se foi para a glória que lhe era devida. Foi por efeito da inveja e da discórdia que Paulo mostrou o preço da paciência... Depois de ter ensinado a justiça ao mundo inteiro e ter atingido os confins do Ocidente, ele deu testemunho diante daqueles que governavam e assim deixou o mundo, indo-se para o lugar santo... A esses homens... juntou-se grande multidão de eleitos que, em consequência da inveja, padeceram muitos ultrajes e torturas, deixando entre nós magnífico exemplo" (5,3-7; 6,1).


Conforme a evolução do idioma grego, "dar testemunho" significava na época de Clemente "atestar com o sangue, sofrer morte violenta". À menção do martírio de S. Pedro e S. Paulo, Clemente acrescenta a de muitos outros mártires, frisando que todos esses justos deixaram "entre nós" magnífico exemplo; esse "entre nós" se refere a Roma, onde Clemente escrevia.



3) Por volta de 107, S. Inácio de Antioquia escrevia aos Romanos: Não é como Pedro e Paulo que eu vos dou ordens; eles foram Apóstolos; eu não sou senão um condenado" (Rm 4,3).


4) Entre 165 e 170, o bispo Dionísio de Corinto atestava aos Romanos: Tendo vindo ambos a Corinto, os dois Apóstolos Pedro e Paulo nos formaram na doutrina evangélica; a seguir, indo-se para a Itália, eles vos transmitiram os mesmos ensinamentos e por fim sofreram o martírio simultaneamente" (em Eusébio, Hist. ecl. II 25,8).


5) No início do séc. III era Orígenes quem escrevia: "Pedro, finalmente tendo ido para Roma, lá foi crucificado com a cabeça para baixo' (em Eusébio, Hist. ecl. III 1).


6) Cipriano (+ 258 dc):


Depois da ressurreição, diz o Senhor: 'Apascenta as minhas ovelhas'. Assim o Senhor edifica sobre Pedro a Igreja e lhe confia as suas ovelhas para apascentá-las. Se bem que dê igual poder a todos os Apóstolos, constitui uma só cátedra e dispõe, por sua autoridade, a origem e o motivo da unidade. Por certo os demais Apóstolos eram como Pedro, mas o primado é dado a Pedro e a unidade da Igreja e da cátedra é assim demonstrada. Todos são pastores mas, como se vê, um só é o rebanho apascentado pelo consenso unânime de todos os Apóstolos. Julga conservar a fé aquele que não conserva esta unidade

recomendada por Paulo? Confia estar na Igreja aquele que abandona a cátedra de Pedro sobre a qual está fundada a Igreja?" (Cipriano, +258, Sobre a Unidade da Igreja cap. 4)


7) Eusébio em 317 dc


"Quanto a Lino, cuja presença junto dele [do Apóstolo Paulo] em Roma foi registrada na 2ª carta a Timóteo [cf. 2Tm 4,21], depois de Pedro foi o primeiro a obter ali o episcopado, conforme mencionamos mais acima." (Eusébio Bispo de Cesaréia, 317 dC, HE,IV,8)


Testemunho da Arqueologia:


Deixando os testemunhos literários, que se poderiam prolongar, passemos agora as da Arqueologia.


Por volta de 200, um presbítero romano chamado Gaio dirigia-se nos seguintes termos a um grupo de hereges:


"Posso mostrar-vos os troféus (túmulos) dos Apóstolos. Caso queirais ir ao Vaticano ou à via Ostiense, lá encontrareis os troféus daqueles que fundaram esta Igreja" (em Eusébio, Hist. ecl. II 25,7).


Tais dizeres foram ilustrados pelas recentes escavações feitas em Roma durante dez anos no subsolo da basílica de S. Pedro: encontraram-se vestígios de um mausoléu cristão posto em meio a túmulos pagãos ao qual dá acesso uma via que parece ter sido muito frequentada. Junto a esse túmulo numerosas inscrições (graffiti) de visitantes fazem menção do Apóstolo Pedro. No sepulcrozinho de 80 x 80 cm, que os arqueólogos cavaram até tocarem o solo virgem, encontraram ossos humanos dispersos e misturados com terra, que foram cuidadosamente recolhidos. Além disto, deram com os destroços de uma urna de mármore fino de 77 x 30 cm... Sem descer ao plano das hipóteses minuciosas, meramente conjeturais, julgam os historiadores que o lugar assim descoberto representa o primeiro local onde foram depositados os despojos mortais de S. Pedro.


E com razão assim pensam: no ano de 67, quando morreu este Apóstolo, os cristãos ainda não possuíam seus cemitérios próprios, devendo por isto forçosamente usar cemitérios pagãos. Se, pois, no Vaticano S. Pedro foi enterrado em uma necrópole pagã, esta deve ter sido realmente a primeira mansão póstuma do Apóstolo, indicada aliás explicitamente pelos testemunhos de Gaio e dos graffiti.


Pode-se também observar o seguinte: no início do séc. IV o Imperador Constantino construiu a basílica de S. Pedro em Roma. Podia ter escolhido para isto, ao lado do lugar que ele tomou, um terreno livre, plano, apto para uma ampla construção (no chamado "Circo de Nero"). Não o fez, porém. Mandou construir a basílica no lugar mais incômodo e contra-indicado, tomando um terreno de forte declive, terreno com uma diferença de nível de 13m na direção NE-SO, e já ocupado por uma necrópole (coisa que os romanos costumavam respeitar religiosamente)! Se Constantino assim violou todas as leis de

construção e de deferência aos mortos, ele deve ter tido motivo muito sério para tanto, motivo que não pode ser senão a presença, em uma parte desse cemitério pagão, de um túmulo caro a todos os cristãos de Roma: o túmulo de Pedro!


Dada a clareza dos testemunhos da história, os autores, mesmo não-católicos, não costumam em nossos dias contestar a morte do Apóstolo São Pedro em Roma (ninguém, porém, saberia dizer quando chegou Pedro pela primeira vez à Cidade Eterna. Nem se insiste na tese de S. Jerônimo, segundo a qual o Apóstolo pregou 25 anos em Roma).


Que Deus nos abençoe

Claudio

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