Maravilhas do êxodo do Egito

 


Fonte: L´Observatore Romano


1. O jubiloso e triunfal cântico que acabamos de proclamar, recorda o êxodo de Israel da opressão dos egípcios. O Salmo 113 faz parte daquela colectânia que a tradição judaica chamou "Hallel egípcio". São os Salmos 112-117, uma espécie de fascículo de cânticos, usados sobretudo na liturgia judaica da Páscoa.



O cristianismo adoptou o Salmo 113 com a mesma conotação pascal, mas abriu-o à nova leitura derivante da ressurreição de Cristo. Por isso, o êxodo celebrado pelo Salmo torna-se figura de outra libertação mais radical e universal. Dante, na Divina Comédia, coloca este hino, segundo a versão latina da Vulgata, nos lábios das almas do Purgatório: "In exitu Israël de Aegypto / cantavam todos juntos em uníssono..." (Purgatorio II, 46-47). O que significa que ele vê no Salmo o cântico da expectativa e da esperança de quantos estão orientados, depois da purificação de todos os pecados, para a meta derradeira da comunhão com Deus no Paraíso.



2. Sigamos agora o enredo temático e espiritual desta breve composição orante. Na abertura (cf. vv. 1-2) evoca-se o êxodo de Israel da opressão egípcia até à entrada naquela terra prometida que é o "santuário" de Deus, ou seja, o lugar da sua presença entre o povo. Aliás, terra e povo são unidos: Judá e Israel, palavras com as quais se designava quer a terra santa quer o povo eleito, são considerados como sede da presença do Senhor, sua propriedade e herança especiais (cf. Êx 19, 5-6).

Depois desta descrição teológica de um dos elementos de fé fundamentais do Antigo Testamento, ou seja, a proclamação das obras maravilhosas de Deus para o seu povo, o Salmista aprofunda espiritual e simbolicamente os seus acontecimentos constitutivos.



3. O Mar Vermelho do êxodo do Egipto e o Jordão da entrada na Terra santa são personificados e transformados em testemunhas e instrumentos partícipes da libertação realizada pelo Senhor (cf. Sl 113, 3.5).



No início, no êxodo, eis que o mar se retira para deixar passar Israel e, no final da marcha no deserto, eis que as águas do Jordão ficaram completamente separadas, deixando o seu leito seco para que a procissão dos filhos de Israel o pudesse atravessar (cf. Js 3.-4). No centro, recorda-se a experiência do Sinai: agora são os montes que participam da grande revelação divina, que se realiza sobre as suas colinas. Semelhantes a criaturas vivas, como os carneiros e os cordeiros, eles estremecem e saltam. Com uma personificação muito vivaz, o Salmista interroga então os montes e as colinas acerca do motivo da sua perturbação: "Montes, porque saltais como carneiros, e vós, colinas, como cordeiros?" (Sl 113, 6). Não é referida a sua resposta: é dada directamente por meio de uma ordem, dirigida depois à terra, para que tremesse com a chegada do Senhor, Deus de Israel, um acto de exaltação gloriosa do Deus transcendente e salvador.



4. É este o tema da parte final do Salmo 113 (cf. v. 7-8), que introduz outro acontecimento significativo da marcha de Israel no deserto, o da água que saía da rocha de Meribá (cf. Êx 17, 1-7; Nm 20, 1-13). Deus transforma a rocha numa nascente de água, que se torna um lago: na base deste prodígio está a sua solicitude paterna em relação ao povo.



O gesto adquire, então, um significado simbólico: é o sinal do amor salvífico do Senhor que ampara e regenera a humanidade enquanto progride no deserto da história.



Como se sabe, São Paulo retomará esta imagem e, com base numa tradição judaica segundo a qual a rocha acompanhava Israel no seu percurso no deserto, lê de novo o acontecimento em chave cristológica: "Todos beberam da mesma bebida espiritual; pois bebiam de um rochedo espiritual que os seguia, e esse rochedo era Cristo" (1 Cor 10, 4).



Neste contexto, um grande mestre cristão como Orígenes, ao comentar a saída do povo de Israel do Egipto, pensa no novo êxodo realizado pelos cristãos. De facto, ele exprime-se do seguinte modo: "Não penses que só então Moisés tenha guiado o povo para fora do Egipto: também agora o Moisés que temos connosco..., isto é, a lei de Deus quer guiar-te fora do Egipto; se a ouvires, quer afastar-te do Faraó... Não quer que tu permaneças nas acções tenebrosas da carne, mas que vás ao deserto, que alcances o lugar privado das perturbações e das flutuações do século, que chegues à tranquilidade e ao silêncio... Por conseguinte, quando chegares a este lugar, lá poderás imolar ao Senhor, reconhecer a lei de Deus e o poder da voz divina" (Homilias sobre o Êxodo, Roma 1981, pp. 71-72).



Retomando a imagem paulina que recorda a travessia do mar, Orígenes continua: "O Apóstolo chama a isto um baptismo, realizado em Moisés na nuvem e no mar, para que tu, que foste baptizado em Cristo, na água e no Espírito Santo, saibas que os egípcios estão no teu seguimento e querem chamar-te ao seu serviço, ou seja, aos regedores deste mundo e aos espíritos malvados dos quais antes foste escravo. Sem dúvida, eles procurarão seguir-te, mas tu desces à água e salvas-te incólume e, tendo lavado as manchas dos pecados, sobes como um homem novo preparado para cantar o cântico novo" (Ibid., pág. 107).


(©L'Osservatore Romano - 6 de Dezembro de 2003)

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