Autor: Côn. Vidigal
Mariana (MG), 12/5/2004 - 08:54
A doutrina de Santo Agostinho sobre a predestinação e a graça passou por fases progressivas. Antes de 396, período pré-episcopal: vontade salvífica geral de Deus e quem não crê age em virtude da vontade contrária do homem. Depois fala da vontade particular de Deus. Os eleitos pela eficácia irresistível da graça e pelo dom particular da perseverança final, conseguirão, infalivelmente, a vida beatífica, ao passo que aos não eleitos, faltando-lhes a graça, são destinados à perdição. É o que se chama de agostinismo, doutrina sumamente rigorosa. Entretanto a doutrina fiel de Agostinho é que, sem o auxílio de Deus, não podemos querer ou fazer algo de bom. No tratado De gratia et libero arbítrio - Sobre a Graça e o Livro Arbítrio, demonstra que o homem permanece livre sob a graça e pode evitar o pecado se quer, e, portanto, verdadeiramente, merecer em conseqüência a vida eterna. Portanto, os textos nos quais se encontram palavras mais duras que parecem diminuir a liberdade do homem, devem ser elucidados pelos mais claros. A tese de fé é esta: É dada ao homem a graça verdadeiramente eficaz que, contudo, não é necessitante. Cumpre se admita a existência do pecado original, a incapacidade do homem natural para operar o bem sobrenatural, a necessidade absoluta da graça, também para o início da fé e a graça da perseverança final. Em síntese, para Agostinho a graça e a liberdade não se excluem, mas se completam. Dirá ele: "Aquele que te criou sem ti, não te salvará sem ti" (S.Augustinus, Super Ioannem, - Sermão 169, 13 (PL38,923), citado por S. Tomás em S.Th. III. q. 84. aa. 5 e 7. Esta citação encontra-se também no Catecismo da Igreja Católica, n.1847). Ensinará também que entre a graça e a predestinação existe unicamente esta diferença: a predestinação é uma preparação para a graça e a graça é a doação efetiva da predestinação. É assim que diz o Apóstolo: " (a salvação) não provém das obras, para que ninguém se vanglorie, pois somos todos obras de Deus, criados em Cristo Jesus para realizar boas obras" (Ef 2 9s), significa a graça, mas o que segue: "as quais Deus de antemão dispôs para caminharmos nelas", significa a predestinação, que não se pode dar sem a presciência, por mais que a presciência possa existir sem a predestinação. Há verdades que a filosofia e a teologia provam como inegáveis, mas cujos elos a inteligência humana finita, limitada não é capaz de ligar. Deus é onisciente, todo-poderoso, criador de tudo e dotou o ser racional de liberdade. Além disto, sabemos pela Bíblia que ele concede sua graça, necessária para a prática do bem. Jesus foi claro: "Sem mim nada podeis fazer"- (Jo 15,5) [grifo nosso]. Ele oferece seus poderosos auxílios divinos a todos os homens sem exceção. No entanto, uns se salvam, outros se condenam. Lá no Calvário Dimas ganha o céu, se torna o primeiro santo canonizado, mas Gestas não se converte, pois havia passado para aquela margem da vida donde todo retorno é impossível! O ser racional é livre para aceitar a Jesus como Dimas ou recusá-lo como Gestas. A palavra de Deus nas Escrituras esclarece, os sinais feitos por Cristo indicam sua divindade. Entretanto, nem a poderosa palavra divina, nem os milagres feitos por Jesus podem tolher a liberdade humana. Deus quer uma adesão pessoal, consciente de cada um. É por isto que é tão beatificante a entrega a Ele pela fé e aí está o valor da virtude, pois é um ser dotado de inteligência que se volta para o seu Senhor. Aí a fonte de todo o mérito.Há, porém, um grande obstáculo ao poder da graça, por assim dizer maior do que a palavra do Todo-Poderoso e do que tudo que está no Evangelho que é o endurecimento do coração. Este impede definitivamente que Cristo possa repetir: "Hoje estarás comigo no Paraíso". Bem-aventurados, entretanto, aqueles que se deixam iluminar pelas inspirações celestes e se imergem na beleza das mensagens de Jesus, na grandiosidade de seus prodígios, pois este, sim, escutará um dia estas dulcíssimas palavras: "Hoje estarás comigo no Paraíso". Suprema desgraça de uns, excelsa ventura de outros! .Gestas queria descer da cruz para continuar na sua vida dissoluta. Deus se propõe, nunca se impõe. Há uma passagem no Apocalipse sumamente esclarecedora: "Eis que estou à porta e bato. Se alguém abrir, entrarei e cearei com ele e ele comigo" (Ap 3,20). Tem razão Paulo de Tarso: "Cuidai de vossa salvação com temor e com tremor" (Fl 2,12). Dizia um grande santo: "Temo a Jesus que passa e pode não voltar". Cumpre corresponder sempre às inspirações divinas. Cristo afirmou: "Eu vim para que todos tenham a vida e a tenham em abundância" (Jo 10,10) [grifo nosso]. Deus faz de sua parte. Cabe ao homem dotado de liberdade imergir no oceano da bondade e misericórdia divinas, fazer de sua parte e, após a morte, entrará na posse de uma ventura sem fim!
Fonte: Font, Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
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