As Escrituras Gnosticas

 


Autor: Bentley Layton


Eis um livro precioso do ponto de vista histórico, pois é uma coletânea de textos gnósticos ou das escolas do Gnosticismo, que ameaçaram distorcera imagem de Cristo mediante seus apócrifos Trata se de escritos geralmente desconhecidos, que abrem a mente para um mundo fantasioso, mas fascinante em épocas passadas.


O Prof. Bentley Layton oferece ao público uma obra importante,... importante não pelo conteúdo doutrinário, mas por seu valor histórico; trata-se de uma coletânea de textos da Gnose antiga, que muito fascinou os leitores, propondo-lhes pretensas revelações de Jesus Cristo aos seus discípulos mais próximos. O autor da obra traduziu esses textos e os dotou de páginas introdutórias e notas explicativas, facilitando ao estudioso a apreensão do pensamento gnóstico (às vezes confuso e contraditório)'.


A obra compreende cinco partes:

1) A Escritura Gnóstica clássica (o Livro Secreto segundo João, A Revelação de Adão, A Realidade dos Governantes...).


2) Os Escritos de Valentino (100-175), que foi o mais cristão dos gnósticos, como o Evangelho da Verdade, O Mito de Valentino, Colheita de Verão...


3) Escritos dos seguidores de Valentino, como o Evangelho segundo Filipe, Epístola de Ptolomeu a Flora, Oração do Apóstolo Paulo...


4) Escritos da Escola de São Tomé, como o Evangelho segundo Tomé, o Hino das Pérolas, o Livro de Tomé Lutador escrevendo para o Perfeito...


5) Escritos de outras correntes antigas, como o de Basílides, o Corpus Hermético (Poimandrés...).


Um conjunto de quadros e gráficos ilustra a complexa estrutura da Gnose. A fim de colocar a obra em foco sobre o seu pano de fundo, proporemos, a seguir, uma síntese do pensamento gnóstico. Este é cheio de matizes, que caracterizam as diversas escolas gnósticas antigas, mas tem uma estrutura geral, que garante a unidade do pensamento gnóstico. A palavra gnose (do grego gnósis) quer dizer conhecimento. Nos três primeiros séculos do Cristianismo tomou o significado preciso de "conhecimento de temas filosófico-religiosos de ordem superior, não raro reservados aos iniciados". A Gnose do início da era cristã era uma corrente sincretista que fundia entre si elementos das religiões orientais, da mística grega e da revelação judeo-cristã. Tentou envolver o Cristianismo no processo de fusão, pondo em xeque a pureza da mensagem evangélica nos século II/III. Por isto já em 1 Tm 6, 20 há uma advertência a Timóteo para que evite "as contradições de uma falsa gnose (pseudónymos gnósis)".


Os gnósticos eram, antes do mais, dualistas, isto é, admitiam um princípio bom, que seria a Divindade (simbolizada pela Luz) e, em oposição, a matéria (simbolizada pelas trevas), má por si mesma. Da Divindade emanariam os seres (eones) num sistema de (365?) ondas concêntricas, cada vez mais distanciadas do bem e próximas do mal. O homem seria um elemento divino que, em conseqüência de um- acontecimento trágico, terá sido condenado a se revestir de matéria (corpo) e viver na terra. O Criador do mundo material seria um eon inferior, que era identificado com o Deus justiceiro do Antigo Testamento.


Para libertar as centelhas de luz ou de bem aprisionadas na matéria e levá-las ao reino da luz, terá sido enviado ao mundo um eon superior, o Logos (Cristo). Este revelou aos homens o Deus Sumo e Verdadeiro, que eles ignoravam; anunciou-lhes que o mundo da luz os espera e lhes transmitiu as maneiras eficazes de vencer e eliminar a matéria. O Salvador assim entendido tinha, conforme algumas escolas gnósticas, apenas um corpo aparente (docetismo) ou, segundo outras, tinha um corpo real, no qual o Logos desceu e permaneceu desde o Batismo até a Paixão de Jesus.


A salvação só pode ser obtida pelos homens pneumáticos (espirituais) ou gnósticos, nos quais prevalece a luz. A maioria dos homens ou a massa é material (hílica) e será aniquilada como a matéria. Entre os espirituais e os materiais haveria os psíquicos ou os simples crentes católicos, que poderiam chegar a gozar de uma bem-aventurança de segunda ordem. Os gnósticos admitiam o retorno de todas as coisas às condições correspondentes à sua natureza originária.


Pelo fato de desprezarem a matéria, os gnósticos deveriam praticar severa ascese ou abstinência de prazeres carnais. Facilmente, porém, passavam ao extremo oposto; recusando o Deus do Antigo Testamento, que era também o autor da Lei, rejeitavam normas de conduta moral e caiam em libertinismo desenfreado. Julgavam supérflua a confissão de fé perante as autoridades hostis, porque a verdadeira profissão de fé, o martírio (testemunho, em grego) consistia na gnose; quem possui a esta, não está obrigado a sacrifício algum.


O gnosticismo se ramificou em escolas diversas: a oriental, mais rígida, a helênica, mais branda, a de Marcião, mais chegada ao Cristianismo, a dos Ofitas (cultores da serpente), a dos Cainitas, a dos Setianos... Floresceu principalmente entre 130 e 180, contando com chefes de capacidade notável (Basilides, Valentim, Carpócrates, Pródico...). Produziram rica bibliografia (tratados de filosofia, comentários de textos bíblicos, hinos...), de que nos restam poucos fragmentos.


2. Jesus e Maria Madalena


A coletânea de Layton, volumosa como é, traz apenas duas referências a Jesus e Maria Madalena, ambas no Evangelho segundo Filipe. - Examinemos mais atentamente este texto. O Evangelho segundo Filipe é produto da escola dos seguidores de Valentim; vem a ser uma antologia de uma centena de trechos breves tirados de várias obras, das quais nenhuma é identificada; deviam ser sermões, tratados ou epístolas filosóficas, aforismos... O conjunto é atribuído a Filipe porque este é o único apóstolo mencionado pelo nome em toda a obra.


A data da compilação deve ser anterior a 350. A respectiva finalidade é desconhecida. Vão abaixo citadas as duas referências da obra a Jesus e Maria Madalena.


(28)

As três Marias

«Três mulheres costumavam andar sempre com o Senhor - Maria, sua mãe, sua irmã, e a Madalena, que é chamada sua companheira. Pois "Maria" é o nome de sua irmã e de sua mãe, e é o nome de sua parceira».


(48)

Jesus e Maria Madalena


«A sabedoria que é chamada sabedoria estéril é a mãe [dos] anjos. E a companheira de [ ..] Maria Madalena. O (.. amou]-a mais do que [todos] os discípulos, [e ele costumava] beijá-la na sua [... mais] vezes do que o resto dos [discípulos] (..] 64 (112) Eles lhe disseram: "Por que a amas mais do que a todos nós?" O Salvador respondeu, dizendo-lhes."Por que não amo vocês como a ela? Se uma pessoa cega e uma que enxerga estão ambas nas trevas, elas não são diferentes uma da outra. Quando vier a luz, então a pessoa que enxerga verá a luz, e a cega permanecerá nas trevas"».


Vão, a seguir, transcritos outros trechos do Evangelho segundo Filipe, em que aparece o dualismo gnóstico (a matéria seria má por si mesma e o espírito bom). Se a inspiração da obra é dualista, ela não se coaduna com a mensagem bíblico-cristã. Eis os textos que vêm ao caso:

(52)

Relações sexuais


«(O] mistério do casamento [é] um grande mistério, pois [sem] ele o mundo [não] existiria. Pois [a] estrutura de [o mundo] [..] Mas a estrutura (...J casamento. Considere a relação sexual[..] polui(em), pois ela possui (...J força(s). É na poluição que reside sua imagem,,.


(5)

Cristo veio para salvar a alma


O ungido (Cristo) veio para comprar alguns, salvar alguns, e resgatar outros. 53 (101) Comprou aqueles que eram estrangeiros e os fez seus. E trouxe de volta os seus, os quais ele tinha voluntariamente abandonado como um depósito. Não só, quando ele apareceu, abandonou a alma (como um depósito) quando quis, mas desde o momento em que o mundo existiu ele abandonou a alma pelo tempo que queria. Então ele emanou a fim de tomá-la de volta, visto que fora abandonada como um depósito. Ela caíra nas mãos de bandidos, e eles a fizeram prisioneira. Mas ele a salvou, e resgatou os que são bons no mundo, e os maus,,.


(62)

Queda e retorno do elemento espiritual


«Antes do ungido (Cristo), certos seres vieram de um reino no qual não podiam reentrar, e foram para um reino do qual não podiam todavia sair. Então veio o ungido (Cristo): ele conduziu para fora os que tinham entrado e conduziu para dentro os que tinham saído».


3. Conclusão:


A obra de Layton é importante instrumento para o estudo da história das idéias na antigüidade. Todavia não é ferramenta de primeira hora; supõe conhecimentos gerais de história do Cristianismo. Uma boa introdução à história da Igreja faz-se necessária para que o estudioso saiba colocar o Gnosticismo em seu lugar certo. Layton é relativista no tocante à origem do Cristianismo; o leitor católico estará atento para não cair no mesmo relativismo.


[Extraído da Revista Pergunte e Responderemos - D. Estêvão Bettencourt - março de 2003]

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