Contradição entre Mt 12,30 e Mc 9,40?

 


Autor: D. Estevão Bitencour


Há dois textos no Evangelho que parecem contradizer-se mutuamente: Mt 12, 30 (com seu paralelo em Lc 11, 23) e Mc 9, 40 (com seu paralelo em Lc 9, 50). O primeiro exige uma opção radical por Jesus, ao passo que o segundo parece relativista. Como os entender?


Em vista de uma correta interpretação, coloquemos os citados versículos em seu respectivo contexto:


Mt 12, 27-30

Tendo visto Jesus praticar um exorcismo, os fariseus acusam-no de o fazer "por Belzebu, príncipe dos demônios". Responde Jesus: "Se eu expulso os demônios por Belzebu, por quem os expulsam os vossos adeptos? Por isto eles mesmos serão os vossos juízes... Mas, se é pelo Espírito de Deus que eu expulso os demônios, então o Reino de Deus já chegou até vós... Quem não está a meu favor, está contra mim, e quem não ajunta comigo, dispersa".


Mc 9, 38-40

"Disse-lhe João: `Mestre vimos alguém, que não nos segue, expulsando demônios em teu nome, e o impedimos, porque não nos seguia'. Jesus, porém, disse: 'Não o impeçais, pois não há ninguém que faça um milagre em meu nome e logo depois possa falar mal de mim. Porque quem não é contra nós, é por nós"'.


Examinemos cada secção de per si:


a) Em Mt 12, 27-30 o contexto é o de um exorcismo que Jesus acaba de realizar; este gesto seria sinal da autoridade superior ou mesmo da messianidade de Jesus. Os fariseus o vêem e compreendem, mas se fecham à evidência do sinal; em vez de atribuir ao Espírito de Deus a realização do exorcismo, dizem (contra toda lógica) que é obra do próprio príncipe dos demônios. O demônio estaria expulsando demônios. A recusa da evidência e a procura de uma justificativa para essa recusa vêm a ser um pecado contra o Espírito Santo, pecado mencionado pouco adiante, ou seja, nos versículos 36 e 37 do mesmo capítulo 12: °A blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada"; não será perdoada porque é a própria recusa do perdão.


Pois bem, a quem assim procede; Jesus pode dizer: "Quem não está a meu favor, está contra mim, e quem não ajunta comigo, dispersa". Tal pessoa está conscientemente rejeitando a Jesus.


b) Em Mc 9, 38-40 o contexto é assaz diferente: um exorcista judeu usa o nome de Jesus para fazer exorcismos; reconhece a autoridade de Jesus, embora não o acompanhe diariamente como os Apóstolos. Isto provoca o desagrado do Apóstolo João, que se queixa ao Senhor. Este toma a defesa do acusado: é um homem de boa fé, que estima Jesus; só não o segue de mais perto, porque não foi chamado ou porque ainda não percebeu toda a grandeza da mensagem do Mestre. Este homem está com Jesus porque não luta contra a evidência como os fariseus, mas, ao contrário, responde-lhe positivamente tanto quanto vê e pode.


A propósito convém lembrar uma passagem do Concílio do Vaticano II (Lumen Gentium 16) já muitas vezes transcrita em nossos números anteriores: toda pessoa que não segue o Evangelho apregoado pela Igreja Católica, mas de consciência cândida e tranqüila (sem hesitação) vivencia as normas de outra crença religiosa, está no caminho da salvação, não por causa do erro que professa, mas porque é fiel à voz de Deus, que fala pelos ditames da consciência reta e sincera. Tal indivíduo salvar-se-á por Cristo e pela Igreja (embora talvez não os conheça), pois não há outro Salvador senão Jesus Cristo, que opera pela sua Igreja.


Quanto àqueles que se fecham conscientemente à obra de Jesus ou por covardia ou por alguma paixão desregrada, escreve o Concílio do Vaticano li: "Jesus, inculcando com palavras expressas a necessidade da fé e do Batismo (cf. Mc 16, 16; Jo 3, 5), ao mesmo tempo confirmou a necessidade da Igreja, na qual os homens entram pelo Batismo como por uma porta. Por isso não podem salvar-se aqueles que, sabendo que a Igreja Católica foi fundada por Deus através de Jesus Cristo, como instituição necessária, apesar disto não querem nela entrar ou nela perseverar" (Lumen Gentium n° 14).


Em conclusão, vê-se que não há contradição entre Mt 12, 30 e Mc 9, 40; tais versículos têm em vista situações diferentes. Exclui-se, pois, o relativismo religioso, sem se excluir a salvação daqueles que não aderem a Cristo e à sua Igreja, mas seguem a Deus candidamente, como sabem e como podem, sem fugir da Verdade. {Pergunte e Responderemos - maio de 2002 - D. Estevão Bettencourt

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