Matéria do The New York Times sobre o Ossuário

 



 

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Terça-feira, 3 de dezembro de 2002 - Arqueologia Cresce a desconfiança da autenticidade do ossuário do "Irmão de Jesus" - John Noble Wilford-The New York Times

É cada vez maior o número de estudiosos que levantam dúvidas quanto à autenticidade da inscrição em uma caixa de ossos que supostamente conteria os ossos de Tiago, um suposto irmão de Jesus. Este poderia ser o mais antigo vestígio arqueológico relacionado a Cristo.

Quando há cinco semanas foi anunciada a existência desta caixa de pedra calcária, ou ossuário, um estudioso francês declarou que a inscrição -- "Tiago, filho de José, irmão de Jesus" -- provavelmente era uma referência ao Jesus do Novo Testamento. A caligrafia, ele afirmou, correspondia ao estilo do aramaico do século 1 d.C.

Agora que diversos especialistas já analisaram fotografias da inscrição ou observaram-na em um museu de Toronto, eles admitem, de modo geral, a antiguidade do ossuário, mas alguns deles suspeitam que uma parcela da inscrição, senão toda ela, teria sido falsificada. Diferenças visíveis de caligrafia, eles afirmam, indicam que a menção a Jesus poderia ter sido acrescentada por um falsificador de tempos antigos ou modernos.

"Tenho, para dizer o mínimo, uma sensação muito ruim a respeito disso", afirmou Eric M. Meyers, um arqueólogo e estudioso de questões judaicas na Universidade Duke, durante um recente encontro de pesquisadores bíblicos e arqueólogos em Toronto.

Meyers afirma ter "graves dúvidas quanto à sua autenticidade", sobretudo por conta do mistério que envolve a origem do ossuário. Aparentemente ele teria sido encontrado por saqueadores em um sítio indeterminado e comprado em um mercado israelense de antiguidades. Arqueólogos profissionais não costumam confiar em artefatos de proveniência tão duvidosa.

Outras pessoas que examinaram o ossuário no Museu Real de Ontario ficaram mais impressionadas por terem notado que a inscrição aparentemente havia sido feita por duas mãos diferentes. A primeira parte -- sobre Tiago, filho de José -- teria sido escrita com tipos formais, enquanto a segunda, referente a Jesus, possui um estilo cursivo mais livre.

"A ocorrência de letras cursivas e formais em duas partes diferentes da inscrição aponta, segundo creio, ser ao menos possível que haja uma segunda mão", afirmou P. Kyle McCarter Jr., um especialista em línguas orientais da Universidade John Hopkins.

Andre Lemaire, o acadêmico francês e estudioso do aramaico que indicou que a inscrição estaria vinculada a Jesus, defendeu com convicção sua interpretação durante um encontro da Sociedade de Literatura Bíblica que também ocorreu em Toronto. Pesquisador da Sorbonne e especialista respeitado em inscrições do período bíblico, ele publicou suas descobertas na mais recente edição da revista americana Biblical Archaelogy Review.

Lemaire novamente defendeu que seria "muito provável" que a caixa de ossos tenha guardado os restos de Tiago, um dos primeiros líderes movimento cristão em Jerusalém, e que a inscrição era uma referência a Jesus de Nazaré. Apenas muito raramente o nome de um irmão era inscrito em um ossuário, ele afirma, e deste modo o Jesus mencionado deveria ser uma pessoa ilustre. Em uma entrevista Hershel Shanks, editor da revista que publicou o estudo de Lemaire, afirmou que havia ao menos duas razões que refutavam a tese da falsificação.

"Caso tenha sido o trabalho de um falsificador moderno, por algumas centenas de dólares ele teria adquirido um ossuário sem inscrição alguma, e somente um falsificador pouco inteligente não começaria do zero para que sua escrita fosse consistente", afirmou Shanks. "Além do mais, devemos presumir que o falsificador soubesse como falsificar a pátina -- algo que os outros desconhecem. Tudo isso é possível, mas muitíssimo improvável".

Em Israel, geólogos que examinaram o ossuário avaliaram que sua pátina - oxidação decorrente dos efeitos do tempo e do clima -- seria consistente com a estimativa de que a caixa possui dois mil anos de idade. Eles afirmaram ainda que não foram detectados sinais de posteriores adulterações na inscrição. Josephus, um historiador judeu do século primeiro, atesta que Tiago foi executado em 62 d.C.

Shanks é um dos autores do livro "O irmão de Jesus", que será publicado em março pela HarperSanFrancisco. Ali ele narra a descoberta e a interpretação do ossuário de Tiago, e juntamente com seu parceiro Ben Witherington III, estudioso do Novo Testamento, discute as implicações da descoberta para a compreensão de Jesus.

Mas a controvérsia não deverá desaparecer tão cedo.

O dono do ossuário, cuja identidade não é revelada pelo artigo de Lemaire, agora veio a público. Ele é Oded Golan, um engenheiro de Tel Aviv e ávido colecionador de artefatos do período bíblico. Convocado para depor à Autoridade de Antiguidades de Israel, Golan firmou ter adquirido o ossuário há 35 anos, mas não se lembrava do vendedor, segundo informou recentemente o jornal israelense Ha'aretz. Shanks afirmou que Golan não compreendera a possível importância do Ossuário até que Lemaire fosse visitá-lo no ano passado.

As autoridades israelenses afirmam que darão seqüência à investigação. O ossuário será devolvido a Israel após o encerramento da exposição em Toronto, que se estende até o final do mês. Outros pesquisadores entraram na discussão, e chamaram a atenção para possíveis indícios de falsificação.

Rochelle I. Altman, que coordena uma publicação virtual destinada a estudiosos de judaísmo antigo e se apresenta como uma especialista em inscrições, foi uma das primeiras a notar a aparente discrepância entre as caligrafias. "Há duas mãos que claramente possuem diferentes graus de instrução e duas caligrafias diferentes", escreveu Altman. "A segunda parte da inscrição contém as marcas de uma adição posterior fraudulenta e é, para se dizer o mínimo, questionável".

Daniel Eylon, um professor israelense de engenharia da Universidade de Dayton examinou a questão a partir de sua experiência com investigações mal-sucedidas para a indústria aeroespacial. Aplicando uma técnica empregada para determinar se uma disfunção de uma determinada peça da aeronave ocorrera antes ou após o acidente, ele examinou fotografias das inscrições em busca de arranhões causados pela fricção da caixa com outras caixas na caverna ou durante a escavação.

"A inscrição estaria localizada sob estes arranhões caso se encontrasse na caixa à época do enterro, mas a maior parte dela está acima dos arranhões", afirmou Eylon. "E a nitidez de algumas letras não cai nada bem: cortes nítidos não resistem por dois mil anos".

Tradução: André Medina Carone

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