Sobre o culto aos santos




1. Há os que dizem que o culto aos santos é contrário aos ensinamentos bíblicos por ser idolatria. O culto somente pode ser referido a Deus pois somente Deus é o autor de todo bem e de toda graça. Não há mediação nem intercessão possível pois somente Cristo é constituído mediador e intercessor.


2. O que diz a Igreja Católica. A Igreja Católica afirma ser legítimo e biblicamente correto, se bem entendido, o culto aos santos. Não há nenhuma ofensa à soberania de Deus nem à única mediação de Cristo.


3. Explicação dos termos.


Nas críticas acima referidas estão incluídos dois pontos que devem ser distintos:


a) O significado do culto aos santos e o significado do culto a Deus;

b) O significado de intercessão e o significado de mediação.


O culto aos santos é definido como culto de veneração. Não se trata de um significado semântico mas teológico. Isto significa que nos apropriamos de uma palavra para preenchê-la com um outro significado semelhante mas não igual ao que ela possuía anteriormente. O culto de veneração aos santos em nada difere, por um lado, das outras formas de culto chamadas afetivas, como o culto cívico, o culto social e familiar, por exemplo aos símbolos nacionais, às comemorações em homenagens aos amigos e familiares e a personalidades significativas da vida social, falecidos ou não. A diferença é que o culto aos santos é religioso. Religioso não no sentido pagão, como alguns costumam falar, mas religioso no sentido genuinamente cristão. Isto significa que quando nós cristãos católicos cultuamos a Virgem Maria ou os santos apóstolos, mártires ou confessores é a Deus que se dirige o nosso culto. Pois foi Deus que os santificou, foi a Deus que os santos amaram e serviram. E a santidade que neles brilha é a própria santidade de Deus e não outra. Ninguém de fato é santo a não ser Deus. Já o culto devido a Deus nós o chamamos de adoração porque estabelece uma relação única da criatura com o Criador. Deus é o absoluto, todo o resto é relativo, ou seja, está relacionado a ele. A criatura humana se destina ao Criador. Só nele alcança a felicidade. Todos os desejos de bem e de perfeição encontram nele seu estado de plenitude final e acabada. O culto de adoração a Deus não é mera demonstração afetiva, como no caso dos santos, mas a expressão do reconhecimento do lugar de Deus na nossa vida: o único absoluto. Se alguém reconhece de fato outra realidade no lugar de Deus como o dinheiro, o prazer, algo ou alguém como sendo o absoluto de sua vida, aí sim temos, com culto ou sem culto, a idolatria.


O culto de adoração devido a Deus, para os cristãos é dirigido à Trindade, as três pessoas divinas: Pai, Filho, Espírito Santo. No dinamismo da história da salvação, o Filho e o Espírito Santo exercem missões. A missão própria do Filho se dá na sua Encarnação quando o Verbo se faz homem, sem deixar de ser Deus. Isto lhe confere a função de Mediador entre Deus e os homens. Evidentemente ele é o único mediador, pois é a única pessoa divina que se encarnou e carrega a dupla natureza divina e humana, ligando Deus ao homem e o homem a Deus. Ninguém mais faz isto, nem homem algum, nem anjo. Quanto ao significado de intercessão ele difere radicalmente do significado de mediação. Há uma comunhão intercessora entre as criaturas humanas redimidas em Cristo. Rezamos uns com os outros e pelos outros. Isto se chama de oração comum ou comunitária. Não nos interessamos somente pelos problemas pessoais e individuais mas também pelos outros irmãos. A partir deste sentido bonito e generoso de comunhão intercessora entre nós, a Igreja Católica, que professa a fé na glorificação dos fiéis após a morte individual, estende este poder intercessor também aos fiéis falecidos, mas na glória. Assim eles também rezam conosco e por nós da mesma forma que fazemos isto entre nós, aqui na terra. Como se vê a diferença entre intercessão e mediação é absolutamente radical.


4. Fundamento bíblico. Há inúmeros textos que falam de Deus como o único Absoluto e todo resto como relativo e textos que falam da comunhão intercessora. Alguns exemplos: (1 Cor 12, 12. 20; Ap 5,8; Rm 15,30; Tg 5,16). Evidentemente não pode haver textos abundantes e claros que falam do culto aos santos apóstolos, mártires, confessores no NT, simplesmente porque não havia ainda a necessidade de uma memória dos antepassados pois todos ainda estavam vivos. Todos os textos do NT pressupõem que os fundadores das comunidades cristãs, os apóstolos, e todos os primeiros cristãos estejam vivos. Nenhum martírio é registrado, a não ser o de Estevão. Este caso raro é no entanto notificado e o seu protagonista já era objeto de um afeto cultual especial: (At 8,2), seu martírio é vinculado à paixão de Cristo ( At 7, 59-60) e mais ainda Paulo vincula os cristãos que morrem ao Mistério da Morte e da Ressurreição do Senhor (Rm 6, 1-11 ). Ao mostrar que a Páscoa do Senhor se prolongava na páscoa ( passagem da morte para a vida em Cristo) dos fiéis, o Apóstolo indica os fundamentos do culto aos santos como expressão concreta do Culto a Cristo nosso Senhor e Redentor. Neste sentido, o nosso culto aos Santos significa simplesmente a eficácia da graça que brota da páscoa de Jesus para todos os que a acolhem. É portanto um culto adequado, legítimo e bíblico.



5. Evolução histórica. Percebemos melhor a evolução do culto aos santos quando a Igreja ficou sem os apóstolos e começaram a surgir os primeiros mártires que confessaram a fé até a entrega da própria vida. Na primeira geração de cristãos após os apóstolos ( Igreja sub-apostólica) já temos os registros iniciais deste culto. Nas catacumbas romanas as eucaristias ( missas) começaram a ser celebradas nos lugares onde os mártires foram sepultados. Muitas vezes os altares eram os túmulos dos mártires. O culto, portanto, se inicia a partir dos mártires e apóstolos, pois todos os apóstolos, exceto João, tinham sido martirizados. Mas exatamente esta exceção, a de João, levou a Igreja sub-apostólica a incluir os confessores não mártires no rol dos cristãos falecidos dignos de culto. Em seguida vieram as mártires, as virgens, enfim todos os que viveram de maneira exemplar e modelar a sua fé na docilidade a ação do Espírito Santo. Estes documentos apresentados a seguir mostram e confirmam como foi e é importante para a Igreja alimentar a memória, entusiasmar os fiéis, apresentando o resultado desta ação do Espírito Santo. Os modelos são para ser imitados. Eles não são diferentes de nós. São como nós. Nós também podemos ser santos. E isto é maravilhosamente possível. Juntos formamos uma comunidade de santos. Há uma nobreza de ideais em ser cristão, pois além de serem modelos os santos continuam rezando conosco e por nós, para que em nós, Deus possa realizar a mesma coisa que neles foi realizada.



6. Doutrina formada. De todas as ponderações feitas podemos concluir que, nós católicos não erramos ao crer com a nossa Igreja que é justo, bíblico e determinado pelo Senhor o culto aos Santos porque neles vemos resplandecer, bem próxima de nós, a santidade de Deus. Podemos invocar os santos para a nossa proteção pois a oração deles, já glorificados no seio da Trindade, se junta poderosamente à nossa para pedir ao Pai, por meio de Jesus, as graças de que precisamos. Quem pensa diferente tem o direito de assim o fazer e de expor os seus motivos. Podemos e devemos admitir formas diferentes e até complementares de se viver a fé cristã. Isto pode, num clima de respeito mútuo e de caridade fraterna, nos enriquecer. Mas que não venham dizer que estamos errados ou contra os ensinamentos bíblicos. Não estamos!


Padre José Cândido da Silva

Pároco da Igreja São Sebastião do Barro Preto

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