Paulo e o Concílio de Jerusalém

 


Autor: John Nascimento


O Concílio de Jerusalém teve lugar no ano 49 da era cristã em Jerusalém. A admissão de gentios (não-judeus) era um facto de difícil compreensão para os cristãos-judeus, que ainda se encontravam em parte presos às velhas tradições e práticas antigas.

Entre outros objectivos estabeleceu-se uma dúvida e uma polémica: saber se os gentios, ao se converterem ao cristianismo, teriam que adoptar algumas das práticas antigas da Lei Mosaica para poderem ser salvos, inclusive o fazer-se circuncidar.

Para tratar da aplicabilidade ou da convivência da Lei Antiga com a Lei Nova reuniram-se todos os apóstolos em "concílio". Paulo e Barnabé se fizeram portadores do ponto de vista das comunidades não-judaicas e Pedro manifestou-se a favor da liberdade dos cristãos com relação à Lei Antiga. Por proposta de Tiago, bispo de Jerusalém, o "concílio" decidiu não impor qualquer outra carga aos gentios baptizados e bastaria que se abstivessem da fornicação e, por consideração aos judeus-cristãos, que se abstivessem de comer carnes sufocadas (At. 15, 1-33). "Considera-se que esta reunião é o primeiro concílio geral da Igreja, isto é, o protótipo da série à qual se somou nos nossos dias o Concílio Vaticano II. O Concílio de Jerusalém apresenta, com efeito, as notas do que serão depois as assembléias conciliares ecumênicas na história da Igreja, a saber :

a) é uma reunião daqueles que dirigem a Igreja inteira e não só de ministros de um lugar concreto,

b) promulga algumas normas que têm carácter preceptivo e vinculante para todos,

c) o decidido versa sobre fé e costumes,

d) os mandatos refletem-se num documento escrito, em ordem à sua promulgação formal para toda a Igreja,

e)Pedro preside a assembléia."

É de se notar que nem todos os autores incluem o Concílio de Jerusalém no rol dos concílios ecumênicos ou até mesmo no rol dos concílios. Entretanto verifica-se de fato que naquela reunião convergiram todas as notas e requisitos e foram cumpridas todas as condições para a ocorrência do concílio ecuménico segundo o Direito Canónico que, inclusive, foi por ele balizado.

Este primeiro concílio ecuménico foi de importância fundamental porque teve como principal decisão libertar a Igreja nascente das regras antigas da Sinagoga, marcou definitivamente o desligamento do cristianismo do judaísmo e confirmou para sempre o ingresso dos gentios (não-judeus) na cristandade.

O êxito de Paulo entre os pagãos, tornou a pôr em carne viva o problema fundamental da Igreja Apostólica : devem os pagãos observar a Lei Mosaica, isto é, as prescrições que encontramos no Pentateuco, particularmente no Levítico e no Deuteronómio ?

Os cristãos de língua hebraica que predominam em Jerusalém, afirmam que sim; os helenistas, cuja preponderância se verifica em Antioquia, negam.

Daqui uma viva controvérsia a que Paulo se refere na sua Carta aso Gálatas (2,1-10).

"Dos enviados especiais ao concílio: depois de viva discussão, em que conservadores e progressistas se confrontaram, as teses de Paulo levam a melhor".

Se Lucas tivesse escrito na nossa época, facilmente o imaginamos a redigir títulos sonantes para este "Diário da Igreja" dos anos 30 aos anos 60 que são os Actos dos Apóstolos.

Aí descobrimos, com emoção, a primeira tentativa de comunitarismo integral ensaiado pela comunidade de Jerusalém; vemos surgirem à luz bastante cedo as divisões criadas entre cristãos abertos aos ventos novos, como os Helenistas de quem Paulo será discípulo, e os cristãos mais conservadores; assistimos ao balbuciar inicial da teologia e, para além por vezes da pobreza de certas fórmulas, maravilhamo-nos com o amor apaixonado de homens e mulheres para quem a vida de súbito ganhou sentido em Jesus ressuscitado.

Contemplamos o desenvolvimento extraordinário desse punhado de homens, uma dúzia de pescadores e camponeses entregues ao sopro do Espírito, portadores de uma revolucionária mensagem - a mensagem do amor - e que, três séculos depois, chegarão aos confins do imenso império romano.

E, no decurso desta metade do século, assistimos ao nascimento do Novo Testamento: as cartas que Paulo escreveu às comunidades implantadas em toda a bacia mediterrânica, os Evangelhos em que se revela o rosto de Jesus Cristo.

"Revelar": a palavra pode também ser entendida no sentido fotográfico; a bacia mediterrânica surge a nossos olhos como um vasto laboratório de fotografia: os apóstolos primeiro, depois os primeiros discípulos e, depois ainda, os novos cristãos vindos tanto do judaísmo como do paganismo, brotando de culturas diversas, foram "impressionados" pelo rosto de Jesus; ser-lhes-ão precisos vários anos para que, graças ao "revelador" que é a vida de todos as dias, esse rosto seja verdadeiramente "revelado", deixando surgir os traços que fixarão definitivamente os evangelhos.

Actos dos Apóstolos... Não somente um "jornal" interessado na "reportagem em directo", mas o trabalho de um historiador que, passado o tempo, reflecte sobre os acontecimentos para lhes discernir o sentido.

Vários exegetas colaboram neste trabalho.

Como no fim de contas já não sabemos o que pertence a cada um, preferimos não o indicar: é uma obra colectiva de biblistas suficientemente amigos para divergirem um tudo-nada na forma de abordar a Sagrada Escritura.

E isso é enriquecedor.

De qualquer forma, tanto uns como outros trouxeram simultaneamente a sua competência e o seu amor por este texto que para tantos crentes é, desde há dois mil anos, a carta-magna da sua vida cristã.

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