Um dia desses recebi um texto muito interessante de um amigo da Internet, infelizmente o texto não trazia o nome do autor. O texto trata de um problema muito conhecido dos apologistas católicos que tentam dialogar com um opositor protestante quanto às coisas da fé. O texto é assim:
“Todos nós conhecemos a milenar fábula do lobo e do cordeiro, mas vale a pena recordá-la.
Estava o cordeiro bebendo água em um riacho quando, de repente, ouviu junto de si a cavernosa voz do lobo:
- como você tem coragem de sujar a água que eu bebo?
O cordeiro mansamente se defende:
- senhor, estou bebendo alguns metros abaixo, seguindo a correnteza do rio. Como posso estar sujando a sua água se ela vem aí de cima ?
Retruca o lobo:
- se não foi você, foi seu pai que por aqui passou faz pouco tempo!
Insiste humilde o cordeiro:
- meu pobre pai morreu há dois anos...
Neste instante o lobo não se conteve:
-se não foi seu pai, foi seu tio. Sabe de uma coisa? Estou mesmo é com muita fome!
E ditas estas palavras, abocanhou o infeliz cordeiro.
A maioria das pessoas que conhecem esta velha história costuma citá-la como exemplo da prepotência dos fortes contra os fracos. Ora, ainda que tal aplicação da fábula seja válida, ela tem, segundo penso, um sentido bem mais profundo, qual seja: o perigo do julgamento feito pela vontade com o esquecimento do papel reitor da inteligência. Sobre esse ponto, creio que valha a pena lembrar um sermão do padre Vieira.
O famoso pregador seiscentista, usando uma argumentação típica na época, diz que os Textos Inspirados, ao pintarem a cena terrível do Juízo Final, para melhor nos fazerem ficar temerosos, colocam ali a figura de um homem como juiz, porque infelizmente é típico do homem julgar com a vontade, enquanto Deus usa a inteligência. Mesmo que não gostemos muito do estilo do grande orador sacro, o que ele fala não deixa de ser um bom exemplo do quanto é perigosa a citada subversão no uso de nossas faculdades.
Mas, vejamos um exemplo bem moderno, caso ocorrido bem pouco tempo depois do fim da Segunda Guerra Mundial.
O fato é narrado pelo general Mark W. Clark, comandante do V Exército na campanha da Itália, tropa aliada de que fez parte a nossa valorosa FEB.
Em seu minucioso livro de memórias: “Risco Calculado”, Mark Clark conta como os generais soviéticos costumavam proceder nas reuniões realizadas pelos aliados, aí incluída a Rússia, para resolver problemas da ocupação: tráfego nas estradas, saúde, abastecimento, controle dos prisioneiros e outros.
- Certa vez, eu disse a Konev [ um general russo] : ‘Nesta sessão do Conselho, o senhor apresentou dez exigências às quais não pudemos satisfazer. Suponhamos, entretanto, que eu declarasse : muito bem. Concordamos com as dez exigências. Como procederia então? ’
‘Amanhã’ , respondeu ele, ‘traria outras dez’ .
Neste ponto, um leitor pode estar curioso sobre o porquê do “post” de hoje. Vejamos.
Muitas vezes acontece alguém levantar, com voz grossa, várias objeções contra certas pessoas da Igreja; ou contra algum ponto da doutrina católica sobre a fé ou sobre a moral; ou ainda contra certos atos cometidos no passado por homens que
se diziam católicos.
Ora, existe, há muito tempo, a chamada apologética, um corpo de explicações bem fundamentadas, esclarecedoras desses fatos que costumam causar escândalo aos não crentes.
Ora, diante dessas explicações duas hipóteses podem ser consideradas:
a) a pessoa que levantou objeções é mesmo alguém sem malícia e que deseja sinceramente apenas conhecer a verdade;
b) a pessoa que levantou as mesmas objeções é alguém que, por um motivo conhecido ou secreto, tem uma ínsita aversão a tudo
o que esteja conexo à Igreja Católica. Nesta segunda hipótese, teremos um caso análogo ao do lobo ou do general Konev. Não adiantará coisa alguma colecionarmos centenas, milhares de argumentos apologéticos, de arrazoados
explicativos, para esclarecer o irritado argüidor. Ele já está, desde o início, posicionado para retrucar sempre. Já fez sua definitiva opção pelo uso da vontade no julgamento dos fatos.Isso vai impedir que veja as sutilezas da realidade, aquilo que só uma inteligência livre de preconceitos pode ver.”
Infelizmente verificamos que o mesmo comportamento do lobo diante do cordeiro ocorre com um protestante diante de um irmão católico, quando estes lhe apresenta os argumento da apologética católica.
Fiquemos agora com o grande ensinamento de um dos maiores apologistas da fé católica do séc II, Antenágoras de Atenas:
“O lavrador não pode convenientemente lançar as sementes na terra, se antes não arrancar todo o mato e o que pode prejudicar a boa semente; o médico também não pode aplicar medicamentos de saúde ao enfermo, se não limpa antes o mal interno ou não detém o mal que procura infiltrar-se; assim quem procura ensinar a verdade não poderá, por mais que fale dela, persuadir a ninguém, enquanto uma falsa opinião esteja agarrada à mente dos ouvintes e se oponha aos raciocínios.” (Fragmentos de Sobre a Ressurreição dos Mortos, Cap 1).
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