Thomas More vai ser vingado?

 


Autor: Revista Veja


O filósofo morreu por não aceitar o rompimento da Inglaterra com o papa. Agora, religiosos anglicanos podem abraçar o catolicismo




More (foto), Ana e o rei Henrique VIII: ele não aceitou misturar sexo, mulheres e casamento com religião, impasse que agora se repete e ameaça provocar uma divisão na Igreja da Inglaterra


Embora tenha tido como motor interesses econômicos e rivalidades teológicas entre protestantes e católicos, a criação da Igreja da Inglaterra, em 1534, foi resultado também de uma disputa envolvendo sexo, mulheres e casamento. Como amplamente decantado em prosa, verso, peças teatrais, filmes e seriados de TV, o rei Henrique VIII da Inglaterra, decepcionado com a mulher, Catarina de Aragão, que só lhe deu uma filha e nenhum varão, e caído de amores pela irredutível Ana Bolena – "Prefiro perder a vida à honestidade" –, fez de tudo para ter o primeiro casamento anulado pelo papa Clemente VII. Não conseguiu. Daí a romper com a autoridade papal foi um pequeno passo. Henrique VIII declarou-se, então, chefe da Igreja da Inglaterra. Seu principal conselheiro, o filósofo católico Thomas More, reserva moral de seu tempo, recusou-se a aceitar tal estado de coisas e acabou decapitado (em 1935, foi canonizado pelo papa Pio XI e, em 1980, João Paulo II o declarou santo padroeiro dos políticos e estadistas). Pois agora outra disputa com os mesmos ingredientes ameaça causar danos irreparáveis à Comunhão Anglicana, conjunto comandado pela Igreja da Inglaterra que também reúne as igrejas anglicana, episcopal e outras denominações afins presentes em 164 países, com 80 milhões de membros.


Há duas semanas, um grupo de bispos dissidentes reuniu-se em Jerusalém e lançou um documento formal rebelando-se contra: 1) a ordenação de mulheres, aprovada em 1992; 2) os casamentos gays, que religiosos anglicanos no Canadá já estão celebrando; e 3) a aceitação de religiosos abertamente gays (a Igreja americana tem pelo menos um bispo nessa situação). Pondo ainda mais lenha na fogueira, na semana passada o sínodo da Igreja da Inglaterra, que há dezesseis anos autorizou a ainda contestada ordenação de mulheres, deu sinal verde para a consagração delas como bispos. Nesta semana, antecipa-se outro momento controverso: começa na Universidade de Kent, na Inglaterra, a Conferência Lambeth, encontro de bispos anglicanos do mundo todo que acontece a cada dez anos e que desta vez deve render discussões particularmente fervorosas.


No encontro dos dissidentes em Jerusalém, organizado à revelia do comando central da Igreja, cerca de 1 000 delegados aprovaram uma declaração na qual questionam claramente a autoridade de seu líder máximo, o arcebispo de Canterbury, Rowan Williams. Lá, dizem que rejeitam a idéia de que "a identidade anglicana é determinada necessariamente por meio do reconhecimento pelo arcebispo". Ameaçaram ainda criar uma nova província nos Estados Unidos e no Canadá (hoje a Igreja se divide em 38) só para abrigar as paróquias dissidentes, que contabilizam entre 150 e 300, de um total de 7.347. Em Londres, a Igreja da Inglaterra evitou uma resposta direta à rebelião. Os episcopais americanos, por sua vez, relativizaram a importância dos rebeldes – basicamente anglicanos da África, Austrália, América do Sul e Índia. "Embora se apresentem como uma grande parcela dos anglicanos, não passam de umas cinco províncias revoltadas e seus aliados", disse Jim Naughton, porta-voz da diocese episcopal de Washington. A briga dos tradicionalistas, no entanto, é mais ampla, e isso ficou claro no sínodo que acaba de se encerrar em York, na Inglaterra. Apesar de a proposta de sagração de mulheres como bispos ter vencido por boa margem, muitos dissidentes falaram em uma adesão em massa ao catolicismo – do qual a Igreja da Inglaterra, por sinal, não se considera desligada. Quando a ordenação feminina foi aprovada, 500 clérigos passaram para a Igreja Católica. Agora, dizem, o número pode ser três vezes maior. Santo Thomas More, à sua revelia, pois não ligava para a glória terrestre, estaria vingado.


Fonte: http://veja.abril.com.br/160708/p_098.shtml

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