Quem eram os templários?


Quem eram os Templários? Ocultistas internacionais ou cavaleiros cristãos?


Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”

D. Estevão Bettencourt, osb.

Nº 16 – Ano 1959 – Pág. 169.


Para se entender a dolorosa sorte dos Templários, será preciso previamente dizer algo sobre o monarca de França Filipe e Belo e suas relações com a Inquisição eclesiástica.


1. Filipe IV o Belo e a Inquisição


A Inquisição, organizada no séc. XIII como tribunal eclesiástico, não podia deixar de provocar aos poucos o desagrado dos príncipes absolutistas que na Europa foram surgindo durante os séc. XIV/XV. Com efeito, a Inquisição constituía dentro de cada país um tribunal que julgava segundo código e normas próprias. O braço civil no séc. XIII procurava coadjuvá-la. Era óbvio, porém, que numa época de surto nacionalista os príncipes temporais tentassem inverter os papeis: em vez de servir à Inquisição, servir-se-iam dela para promover os interesses do Estado. Foi precisamente isto o que visou fazer Filipe IV o Belo da França (1285-1314). Cf. “P. e R.” 8/1957, qu. 9 e 8/1958 qu. 9 (sobre a Inquisição e sua evolução).


Estes monarca, desde o início do seu governo, procurou submeter a Inquisição ao seu controle.


Assim, por exemplo, em maio de 1291 deu ordens ao Senescal ou Provedor régio de Carcassona para não atender aos juizes da Inquisição a não ser que o acusado fosse herege público. Pouco depois decretou que nenhum judeu convertido poderia ser preso como herege a pedido dos Inquisidores, a menos que os motivos do encarceramento fossem examinados pelo Senescal ou pelo juiz civil. No fim de 1295 estendia esta lei a todos os súditos do reino: ninguém poderia ser detido por ordem de um Inquisidor antes que o Senescal tivesse investigado o caso. Esta última lei eqüivalia a exigir o exsequatur ou o beneplácito do rei para todo e qualquer processo da Inquisição.


Não seria, porém, o desejo de moderar os rigores da Inquisição que inspirava tais medidas ao monarca?


Não parece lógico supor tal intenção, pois Filipe o Belo não hesitou em recorrer à violência sempre que esta foi vantajosa aos seus interesses. Sucessivamente mandou ao Senescal de Carcassona e ao Visconde de Narbona tomassem providências rigorosas contra os judeus. Em 1306 deu ordens para se prenderem e expulsarem do reino todos os israelitas, ameaçando de morte os que ousassem voltar. Em 1304, aliás, Filipe o Belo afirmou a autoridade da Inquisição e condenou como sediciosa toda liga que se formasse contra ela.


Assim pode-se dizer que a atitude de Filipe perante a Inquisição eclesiástica durante certo tempo variou segundo o andamento de suas relações com os Papas Bonifácio VIII (1294-1303) e Bento XI (1303-04).


A situação se agravou quando em 1305 foi eleito Pontífice um Cardeal francês – Bertrand de Got – com o nome de Clemente V. Este começou a residir na França mesma (Avinhão). É nesta altura que se coloca o famoso processo dos Templários, que os romancistas exploram e que algumas escolas esotéricas colocam entre as etapas do ocultismo internacional.


2. Os Templários e seu processo


1. Quem eram propriamente os Templários?


No início do séc. XII oito cavaleiros da Champanha e da Borgonha, sob a guia de Hugo de Payens, se estabeleceram na Palestina, recém-ocupada pelos cruzados, a fim de proteger os peregrinos da Terra Santa. Por volta de 1119 o rei de Balduíno II de Jerusalém lhes deu sede no palácio régio construído sobre as ruínas do antigo Templo de Salomão; donde o nome de “Templários” que lhes tocou (é esta nomenclatura que dá ensejo aos maçons modernos de os considerar, juntamente com o rei Salomão e com Hirã rei de Tiro, com antessignanos seus). Aos poucos, os Templários se tornaram uma Ordem Religiosa militar; além dos três votos regulares, emitiam o de vigiar as estradas e proteger os peregrinos.


2. Os cavaleiros do Templo grangearam grandes méritos por seus feitos militares; mas, como as demais Ordens congêneres, perderam sua finalidade em 1291. Para justificar sua ulterior existência, tornaram-se os grandes banqueiros da Europa (possuíam, sem dúvida, avultadas riquezas, que benfeitores lhes haviam doado para poderem exercer mais livremente a profissão das armas). Tanto poder excitou contra os Irmãos a inveja do público. É de crer também que a prosperidade material tenha acarretado arrefecimento do espírito religioso entre eles. O fato é que no fim do séc. XIII a opinião pública lhes era desfavorável, lançando-lhes as acusações de venalidade e costumes depravados.


Ora Filipe o Belo viu nesse estado de coisas ótimo pretexto para agir contra os Templários e apoderar-se de seus haveres. O instrumento para mover o processo havia de ser, como se compreende, a Inquisição eclesiástica. Esta, pois, foi instigada pelo monarca.


O processo, confiado primeiramente ao Inquisidor Geral de França, Guilherme de Paris O. P., em breve foi entregue à chefia do chanceler do rei, Guilherme de Nogaret. Entrementes o Papa Clemente V não dava grande crédito as acusações que Filipe lhe comunicara; prometera “inquirir”, mas mostrava-se moroso. Por isto o rei, sem o conhecimento do Pontífice, aos 13 de outubro de 1307 mandou prender todos os Templários de França; Nogaret justificou esta medida, alegando que “os Templários no dia de sua recepção na Ordem renegavam o Cristo, cuspiam no crucifixo, praticavam a sodomia, adoravam um ídolo (Bafomé), etc”. O chanceler, aliás, era apoiado por um jurista – Pedro Du Bois -, que o ajudava a conceber vasto plano de ação, assim interpretado no século passado pelo insuspeito Renan:


“Fazer do rei da França o Chefe da Cristandade, sob pretexto de promover a cruzada; colocar-lhe em mãos as posses temporais do Papado, parte das rendas eclesiásticas e principalmente os bens das Ordens consagradas à guerra santa, eis o notório projeto da escolazinha secreta da qual Du Bois era o mentor utopista e Nogaret o pioneiro de ação” (L’histoire de la France t. XXXVII pág. 289).


Destarte o rei da França e seus colaboradores visavam voltar a Inquisição contra o próprio Papado...


Clemente V, embora fosse de temperamento fraco, percebia o deplorável alcance das intenções do monarca; sabia que a Santa Igreja seria atingida simultaneamente com os Templários. Por isto, em vez de aceitar o projeto de supressão da Ordem, propôs ao rei a fusão da mesma com os Cavaleiros Hospitalários.


Filipe, tendo rejeitado a contra-proposta, mandou dar andamento a ação contra os acusados. Foi então que os oficiais do rei, aplicando a tortura, obtiveram dos mesmos as mais diversas confissões de crimes. Aconteceu, porém, mais de uma vez que os cavaleiros interrogados em nova instância não apenas diante de oficiais do rei, mas também em presença de Cardeais, retrataram suas confissões...


Perante a situação assim criada, Clemente V resolveu confiar aos bispos e inquisidores pontifícios a tarefa de examinarem os Templários individualmente; quanto a sorte da Ordem como tal, ele a decidiria num concílio ecumênico.


Filipe o Belo não perdia oportunidade de fazer pressão sobre o Pontífice. Em 1308 foi a Poitiers com grande comitiva entender-se diretamente com Clemente V; durante a visita, um dos cortesãos, Plaisians, assim interpelou o Papa:


“Santo Padre, Santo Padre, procedei depressa (faites vite). Se não, o rei não se poderia impedir de agir, e, se o pudesse, os seus barões não se poderiam impedir, e, se seus barões o pudessem, os povos deste glorioso reino não se poderiam impedir de vingar eles mesmos a injúria do Cristo... Entrai em ação, portanto, entrai em ação. Caso não o façais, ser-nos-á preciso falar outra linguagem”.


O rei, porém, não esperou o pronunciamento dos bispos e da Inquisição anunciado por Clemente V, mas, tendo constituído um tribunal provincial em Paris, obteve, sem ouvir os legados pontifícios, que este, aos 11 de maio de 1310, condenasse 54 Templários a morte do fogo.


O apregoado concílio ecumênico reuniu-se de fato em Viena (França) no ano de 1311: depois de ouvir a comissão de prelados encarregada de julgar o caso, o Papa resolveu finalmente extinguir a Ordem dos Templários “por via de provisão, e não de condenação” (isto é, a fim de prover a paz dos ânimos, não para condenar os cavaleiros). Como quer que fosse, o rei com isto triunfava. Havia, porém, de sofrer suas desilusões...


Com efeito, os bens temporais dos Templários, que muito excitavam a cobiça do público, tiveram destino totalmente imprevisto: Clemente V, resistindo a Filipe o Belo, determinou que tocariam à Ordem dos Hospitalários de S. João de Jerusalém, exceto nos reinos de Aragão, Castela, Portugal e Majorca, onde seriam entregues às Ordens nacionais que lutavam contra os sarracenos. Verdade é que os Hospitalários não receberam de forma liquida os bens dos Tem-Filipe e os monarcas e os estrangeiros exigiram deles uma compensação monetária.


Quanto à sorte dos membros da extinta Ordem, Clemente V entregou o julgamento a concílios provinciais, reservando a si apenas a sentença sobre o Grão-Mestre Tiago de Molay e os seus dignatários. Para julgá-los, nomeou uma comissão de três Cardeais, que se mostraram indecisos a respeito do alvitre a tomar, pois Tiago de Molay e Godofredo de Charnay, um de seus sucessores, protestavam ser a Ordem pura e santa, isenta das culpas que os adversários lhe queriam imputar. Filipe o Belo, descontente com tal desenrolar dos acontecimentos, resolveu por fim as protelações: aos 18 de março de 1314, fez que um Conselho Régio de Justiça, sem ulterior demora, decretasse a morte dos dois mencionados cavaleiros, tidos como reincidentes. Ao por do sol, então, uma fogueira foi acesa na ilha de Javiaus (Paris), fogueira que iluminava os muros do palácio do rei; e, com os olhos voltados para a igreja de Notre-Dame, Molay e Charnay expiraram heroicamente entre as chamas, proclamando a sua inocência...


3. Um juízo sobre o juízo


Após este resumo do famoso processo, interessa ao estudioso saber até que ponto os Templários podem ser tidos como culpados.


Como se compreende, somente a parte francesa da Ordem entra em consideração, pois apenas contra ela se dirigiam as acusações de renegar o Cristo, cuspir no crucifixo, adorar o ídolo Bafomé, incitar à sodomia, etc.


Para avaliar o significado destas incriminações, os historiadores lembram que, se de fato tais ritos e costumes estiveram em uso nas sessões dos Templários, é de esperar que os arquivos nos tenham conservado um ou outro documento ou vestígio dessas práticas.


Ora tal não se dá. Não se encontrou, nem durante o processo mesmo dos cavaleiros nem nos tempos subseqüentes, algum exemplar das Constituições ou do Ritual infamantes da Ordem. Apenas se acharam a Regra muito nobre que São Bernardo lhe deu, exemplares da Bíblia traduzida para o vernáculo e grande número de livros de contabilidade. Nenhuma das tentativas de identificar estatuetas, cofres ou relicários descobertos em arquivos medievais, com utensílios do culto idolátrico de Bafomé resistiu à critica dos estudiosos; foram sucessivamente propostas e refutadas. Donde se conclui não haver provas materiais das infâmias imputadas aos Templários.


Quanto as confissões de culpas proferidas pelos Irmãos em julgamento reconhecem os autores que não podem ser tomadas como base de apreciação objetiva, pois é evidente que tais depoimentos, obtidos sob a pressão da tortura, pouco crédito merecem. Somente em Paris morreram 36 prisioneiros em conseqüência dos maus tratos que lhes foram infligidos. Para o acusado, só havia uma escapatória: a confissão do crime. Verifica-se mesmo que por vezes os depoimentos dos acusados eram desconexos e contraditórios entre si, parecendo corresponder não a fatos reais, mas as sugestões dos juizes.


Assim, quando se lhes perguntava que aspecto tinha a cabeça do ídolo que eles adoravam, um respondia que era branca, outro que era negra, outro que era dourada. Um dizia que era uma estátua: outro, que era um painel. Para alguns, era o Deus Criador que faz florescer as árvores e crescer as sementes; para outros, era um amigo de Deus, um poderoso intercessor. Alguns a tinham visto transformar-se bruscamente em gato negro ou em corvo ou em demônio ou em mulher...


Em conclusão, parece que se deve dizer: o processo dos Templários é efeito da política absolutista instaurada na França por Filipe o Belo e seu chanceler Nogaret, apoiados pelos legistas do reino. Os dois promotores da ação exerceram forte pressão sobre o Papa Clemente V, que era pouco enérgico e demasiado conciliador. No conflito assim ocasionado, a Inquisição foi reduzida a categoria de instrumento do monarca francês; o que eqüivale a afirmar: injusto seria atribuir a autoridade oficial da Igreja os feitos que em nome da Inquisição se praticaram no caso dos Templários.


Sem derrogar a esta conclusão, dever-se-á reconhecer, na medida em que os documentos positivos o demonstram, decadência do fervor religioso, e quiçá práticas de ocultismo na extinta Ordem (o ocultismo aliás, por toda a Idade Média até o séc. XVI, tendia a se introduzir até nos mais piedosos redutos do Cristianismo). Isto, porém, está longe de significar que os Templários tenham sido os maçons da Idade Média...


Data Pubicação: 11/01/2008

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