Una, Culpada, Católica e Apostólica Igreja?

 


Autor: Gercione R.S. Lima


O que poderíamos dizer a respeito do ato mais traiçoeiro de Judas Iscariotes o qual traiu Nosso Senhor Jesus Cristo entregando-O nas mãos do inimigo? Nós diríamos que esse homem mau, um dos primeiros escolhidos entre os doze apóstolos, cometeu com seu livre-arbítrio o ato mais condenável contra os preceitos de Deus e da sua Igreja. Podemos até mesmo dizer como o disse Nosso Senhor: "Melhor lhe seria que nunca tivesse nascido..." (Marcos 14,21).


Agora imagine alguém nos dias de hoje, vir a público se desculpando em nome da Igreja Católica por esse "mal feito" de Judas, dizendo que a Igreja se lamenta muito por esse "erro" do passado! Como se a Igreja fosse culpada por esse ato de um dos seus líderes! Felizmente ainda não vimos ninguém tentar vir a público para se desculpar pelo crime de Judas. Tal pedido de "desculpas", por outro lado, seria não apenas doutrinariamente falso, mas também seria uma blasfêmia contra Cristo e a sua Igreja. Seria a negação implícita de uma das quatro marcas da Igreja.


1 - A SANTIDADE DA IGREJA


Aquela mesma santidade que proclamamos no Credo Niceno "Creio na Igreja Una, Santa, Catolica e Apostolica". Isso não seria nada mais do que um ataque contra a verdadeira natureza da Igreja Católica. Um assunto seríssimo! Um ato assim, seria doutrinariamente falso porque a Igreja é "Santa" em sua própria natureza. Os pecados de seus membros não se refletem na Santidade intrínseca da Igreja, porque seus pecados são individuais, cometidos pelo livre-arbítrio de cada indivíduo e não pela Igreja como um todo. Pecados são atos cometidos contra os preceitos do Catolicismo e contra a Vontade de Deus. Independente de que seja ou não até mesmo um Bispo que tente cometer um ato de imoralidade, ou ensinar uma falsa doutrina "em nome da Igreja", seu ato seria na verdade, um ato pessoal, um pecado individual do qual a Igreja Católica não tem a menor culpa. Ou seja, a Igreja permanece "Santa" apesar de seus membros serem pecadores, assim como também permanece "Una", mesmo que algum de seus membros rompa com ela através do cisma ou da heresia.


Apesar disso, infelizmente, nos dias atuais tem ocorrido uma situação semelhante a que acabamos de descrever logo acima. Existem forças tanto dentro como fora da Igreja que estão empregando todos os seus esforços de modo a fazer a Igreja Católica aparecer diante do público, como sendo "CULPADA", por alguns abusos cometidos no passado histórico. Os meios de comunicação anti-Católicos e anti-Cristãos se deliciam com esse tipo de coisa e sabem bem como apresentar esses fatos de modo que danifiquem o máximo possível a reputação da Igreja. De vez em quando os líderes da nossa Igreja se vêem compelidos por esses ataques de "mea-culpa" a vir a público apresentando desculpas. Mas essas "desculpas" acabam se tornando uma cilada perigosa, porque eles as fazem de modo a mostrar uma Igreja "humilde" e que "pede perdão" e sem querer, acabam caindo na cilada terrível do inimigo que é justamente negar a Santidade da Igreja. A Igreja não pode se desculpar pelos erros de alguns de seus membros como se a Igreja inteira fosse culpada ou tivesse tomado parte nesses erros. A Igreja em toda sua história sempre foi muito clara em condenar todas as formas de injustiça, imoralidade e heresia.


A certeza de que na Igreja haveriam pecadores, de que se infiltrariam até mesmo lobos, falsos irmãos e heréticos entre os fiéis é algo que podemos encontrar nas várias páginas dos Evangelhos e das Epístolas dos Apóstolos.


Há centenas de anos atrás havia muitos abusos entre as fileiras do clero da Igreja (e infelizmente ainda há). Não é surpresa para ninguém que houveram até mesmo Papas com filhos ilegítimos. Sem dúvida, um pecado terrível... sem contar o escândalo! Mas tal pecado foi o pecado de um homem, um pecado individual, um pecado que não deve ser imputado de modo algum à Igreja, cuja Doutrina é SANTA e claramente contrária a tais atos pecaminosos. Vejamos o que declarou em 1877, S. Francisco de Sales, Doutor da Igreja, aos protestantes que caiam no mesmo erro de acusar e culpar a Igreja:



"É bem conhecido que os motivos que eles pretendem alegar para sua divisão e afastamento, são a saber, o erro, a ignorância e a idolatria, os quais eles dizem existir dentro da Igreja que eles abandonaram. Enquanto uma coisa perfeitamente certa é que a Igreja em seu corpo geral não pode ser nem escandalosa e nem escandalizada, pois sendo ela ligada ao seu Senhor e Esposo, que transmite por graça e assistência particular o que Lhe é adequado por natureza... não podemos de forma alguma dizer que ela dá, toma ou receba qualquer escândalo. Aqueles portanto que escandalizam dentro dela, fazem aquilo que é errado e arcam com toda a culpa: seus escândalos não tem outro culpado a não ser sua própria malícia."

Devemos também dar uma olhada na Reforma Protestante a qual recebeu incorretamente o nome de "Reforma". S. Francisco de Sales, dizia:



"O nome de "reforma" ou "reformados" é uma blasfêmia contra Nosso Senhor, que foi Quem perfeitamente formou e santificou a Sua Igreja com Seu próprio Sangue, o que significa que ela nunca tomou outra forma a não ser aquela que o Seu Senhor estabeleceu: Esposa Amada, Pilar e Sustentáculo da Verdade. Qualquer pessoa pode reformar uma empresa, um estado, uma organização, mas não a Igreja ou a religião. Ela foi corretamente formada; mudanças arbitrárias em sua formação, chamam-se heresia ou irreligião."

Nos tempos dessa "revolução", portanto, havia muitos abusos entre o clero (bem como "muitos Santos"). Muitos religiosos provocaram escândalos, mas nunca foi a Santa Madre Igreja a dar tais escândalos. E a Igreja sempre ensinou que todo escândalo é sempre um pecado. Martinho Lutero, um dos primeiros líderes da revolução protestante, reconheceu muitos desses abusos, mas ao invés de agir virtuosamente e obedientemente, ele pecaminosamente "se escandalizou" pelos atos de alguns clérigos e caiu naquele erro, o qual falaremos a seguir, atribuindo os pecados de alguns indivíduos à toda a Santa Madre Igreja. Agindo assim, ele se apostatou da Fé, caindo em seguida em abusos bem maiores do que aqueles que ele acusava os outros de cometer, além de amaldiçoar o Vigário de Cristo até no momento de sua morte. Seu primeiro erro, foi portanto aquele de escandalizar-se e atribuir a culpa pelos abusos de alguns, à toda a Instituição da Igreja. Esse foi o início de sua tragédia. Esse mesmo erro tem acontecido com muitos Católicos ultimamente.


Estejamos atentos a tais movimentos, que sob uma capa de humildade e caridade, se desculpam pelos "erros da Igreja" e que de um modo muito sutil negam que a Igreja seja Santa e Infalível. Do mesmo modo temos que ter cuidado idêntico com alguns movimentos muito em voga ultimamente que procuram minar uma outra marca da Igreja:


2 - A UNIDADE DA IGREJA


A Igreja, como nos diz o Credo, também é UNA. Mas alguns vem sistematicamente sugerindo que a Igreja não será UNA até que os "irmãos separados" voltem ao seio da Igreja. Ora, nós sabemos por vários documentos da Igreja, como a Encíclica "Mortalium Animus" que isso é totalmente falso. Mesmo porque desde os primórdios da Igreja Católica, houveram irmãos que se separaram por eles mesmos da Igreja por infidelidade sem contudo afetar a unicidade da Igreja (2Tm 6,21). E desde quando a Igreja se torna mais ou menos una por causa de um grupo ou indivíduo que nega algum de Seus Dogmas? Leiamos um trecho da Encíclica "Mortalium Animus" do Papa Pio XI, condenando tal erro:



"Ocorre-nos dever esclarecer e afastar aqui certa falsa opinião, da qual parece depender toda esta questão e proceder essa múltipla ação e conspiração dos acatólicos que, como dissemos, trabalham pela "união" das igrejas cristãs. Os autores desta opinião acostumaram-se a citar, quase que indefinitivamente a Cristo dizendo: "Para que todos sejam um"... "haverá um só rebanho e um só Pastor (Jo 27,21; 10,16). Fazem-no todavia de modo que, por essas palavras queiram significar um desejo e uma prece de Cristo ainda carente de seu efeito."

Pois opinam: a unidade de fé e de regime, distintivo da verdadeira e única Igreja de Cristo, quase nunca existiu até hoje e nem hoje existe, que ela pode, sem dúvida ser desejada e talvez realizar-se alguma vez, por uma inclinação comum das vontades; mas que, entrementes, deve existir apenas uma fictícia unidade.


Acrescentam que a Igreja é por si mesma, por natureza, dividida em partes, isto é, que ela consta de muitas igrejas ou comunidades particulares, as quais, ainda separadas, embora possuam alguns capítulos comuns de doutrina, discordam todavia nos demais. Que cada uma delas possui os mesmos direitos. Que no máximo, a Igreja foi única e una da época apostólica até os primeiros concílios ecumênicos.


Assim, dizem; é necessário colocar de lado e afastar as controvérsias e as antiquíssimas variedades de sentenças que até hoje impedem a unidade do nome cristão e quanto às outras doutrinas, elaborar e propor uma certa lei comum de crer, em cuja profissão de fé todos se conheçam e se sintam como irmãos, pois, se as múltiplas igrejas e comunidades forem unidas por um certo pacto, existiria já a condição para que os progressos da impiedade fossem futuramente impedidos de modo sólido e frutuoso.


Estas são, Veneráveis Irmãos, as afirmações comuns.


Outras Citações para meditar:



"O diabo, com efeito, é aquele que, primeiro, nos convence de que não há juiz para nossos atos – portanto, podemos fazer o que quisermos – e depois, aproveitando-se de nossa ingenuidade, nos acusa da forma mais impiedosa. Acusa-nos até do que não fizemos. É só parar para reparar que a sociedade moderna, justamente aquela que aboliu a religião e aboliu a idéia de Deus, é a que carrega a maior consciência de culpa, o que dá ensejo ao surgimento de inúmeros grupos prontos a explorar essas consciências cheias de culpa sem nem saber bem por quê. Daí o surgimento das teorias de "culpas coletivas", como aqueles que culpam todos os alemães pelo Holocausto, ou mesmo toda a humanidade, aqueles que querem que todos nós nos sintamos culpados até hoje por tudo que nossos antepassados fizeram de errado no passado. Surgem teses como a da "reparação", que os negros se acham no direito de exigir dos brancos como indenização pela escravidão – e assim por diante. Ora, qualquer lei moral sempre defendeu que o sujeito só é responsável pelos próprios atos, que a mim cabe a culpa pelos meus próprios atos, e não pelos atos de outra pessoa. Também sempre se soube que o indivíduo é o agente moral, não a sociedade inteira." (Álvaro Carvalho - Jornal "O Indivíduo").


"Essa tendência entre o clero e os leigos de denegrirem o passado da Igreja está claramente em contraste com a coragem e o orgulho com o qual o Catolicismo sempre confrontou seus adversários em séculos passados. Sempre foi reconhecido que a Igreja tinha adversários e até verdadeiros inimigos e os Católicos chegaram mesmo a empreender guerras contra o erro ao mesmo tempo que exerciam a caridade por seus oponentes (ao contrário dos muçulmanos que se impunham pela espada). Ao mesmo tempo que o amor à verdade os impedia de defender as quedas humanas, a reverência cobria a vergonha como o fizeram os filhos de Noé. Mas com o despertar das radicais inovações que ocorreram dentro da Igreja e a consequente ruptura da sua continuidade histórica, o respeito e a reverência acabaram sendo substituídos pela censura e o repúdio pelo passado. Respeito e reverência derivam do sentimento de dependência de alguma coisa, de algum princípio do qual depende a nossa existência, como no caso de nossos pais ou de nossa pátria, ou de algum benfeitor ou benefício como no caso de nossos mestres. Esses sentimentos envolvem um sentimento de continuidade entre aqueles que prestam e recebem respeito, de forma que aquilo que reverenciamos é algo que existe em nós mesmos, algo ao qual nós devemos nossa própria existência. Mas se a Igreja deve morrer para si própria e romper com seu passado histórico para se ressuscitar em uma nova criatura, o passado deixa de ser algo do qual devemos nos orgulhar de recordar ou reviver e passa a ser algo que devemos simplesmente esquecer e repudiar, consequentemente, qualquer respeito e reverência por ele desaparecem. O próprio significado das palavras "respeito" e "reverência" incluem a idéia de "olhar para trás". E portanto não existe espaço para tais palavras numa Igreja projetada em direção ao futuro, para uma Igreja que vê na destruição do seu passado uma condição para seu próprio renascimento. Durante o Concílio já haviam sinais de um certo mal estar em defender o passado da Igreja, um vício que é oposto à constância e à virtude cristã da fortaleza, e a síndrome se desenvolveu rapidamente. Nem vou entrar em detalhes sobre o que os inovadores disseram sobre Lutero, a Inquisição, as Cruzadas e São Francisco de Assis. A verdade é que os grandes Santos do Catolicismo eram tratados como obstáculos à modernidade ou como insignificantes, ao passo que se promovia essa tendência de denegrir da Igreja e de exaltar aqueles que estão fora dela. Infelizmente essa tendência de denegrir a Igreja se tornou rotina entre o clero do período pós-conciliar. Numa combinação de confusão mental com acomodação ao espírito do mundo, eles se esquecem de que seu dever de defender a verdade não apenas é obrigatório quando se envolve os inimigos da Igreja, mas também que se aplica a eles próprios, já que ninguém precisa ser injusto consigo mesmo de modo a justificar os outros. Essa linha de acusação que tomou o lugar do verdadeiro exercício da Apologética Católica e da exposição da Tradição é algo mais do que superficial e leviano, porque se assume que a causa determinante dos erros de um homem deve ser encontrada no erro dos outros. Essa tese contém uma negação velada da liberdade e responsabilidade pessoal. É também errônea porque implica que aqueles que devem ser acusados pelos erros dos outros são os únicos agentes reais e os outros apenas personagens secundários ou vítimas. Tal tese é também irreligiosa já que passa por cima de verdades teológicas e doutrinárias. Ao aplicar consistentemente essa linha acusatória isso acaba levando a culpar o próprio Cristo pela oposição que ele encontrou na humanidade, culpando-o por não ter se revelado de forma adequada ou de modo eficaz, por não ter dissipado as dúvidas a respeito de sua divindade... enfim por ele não ter cumprido bem o seu papel como salvador do mundo". (Romano Amerio - "Iota Unum").

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